ZAP // Chega / Flickr, Filipe Amorim / Lusa

Numa verdadeira “bandalheira” temática, Ventura teve espaço de manobra até metade do debate, quando foi derrotado por peças Lego. Muito TikTok e pouca uva.
Num debate com ataques mútuos, faltou muito país. No frente a frente na SIC entre os egos dos líderes do Chega e do Bloco de Esquerda, a margem ficou curta para a vitória de Mariana Mortágua, mas André Ventura acabou por ficar nervoso ao levar uma lição sobre comércio.
Vimos dois dirigentes afetados pelo confronto, numa guerra aberta, não contra o governo, mas um contra o outro. Quando se discutiu o comércio, mais parecia um jogo de Batalha Naval, mas para André Ventura os navios era taxados.
Num debate onde houve espaço para inúmeros ataques pessoais, com Ventura a relembrar o caso das recém-mães despedidas no partido adversário ou a recordar o assalto ao carro de Joana Mortágua, também deputada do BE, Mortágua não conseguiu manter-se fria face às interrupções do líder do Chega.
Acabou por entrar na Batalha, com ataques frontais como “não conseguir pôr ordem na bancada do Chega e querer pôr ordem no país”, ou “a taxa de criminalidade da vossa bancada é superior à dos imigrantes em Portugal”. Sobre o assalto à irmã, ainda teve tempo de ironizar: “A mala da minha irmã não apareceu, mas não está confirmado que não tenha sido um deputado do Chega”, referindo-se a Miguel Arruda.
Nos primeiros minutos, Mariana Mortágua estava calma. Tentou colar o adversário às políticas protecionistas de Trump. Como Ventura não se decidia a assumir que quer taxar as importações, os dois líderes fizeram um pacto: o líder do Chega falava em tarifas se Mortágua falasse em Estado.
A coordenadora do Bloco ainda tentou rodear o tema, mas foi mesmo encostada à parede: teve de admitir que quer tornar estatais empresas como os CTT ou a REN, que Ventura atirou que teriam um custo de 10 mil milhões de euros, uma “irresponsabilidade”. Mas Mortágua depressa desviou o assunto, dizendo que o fim dos “benefícios fiscais a estrangeiros ricos” pagaria essa conta. Quis falar de tarifas.
Tarifas à la Trump
Ventura viu-se então forçado a admitir que defende a política tarifária de Donald Trump. Depois de muito desconversar, lá atirou que vai “ser protecionista, defender a indústria, a agricultura”.
Mortágua trazia na manga um trunfo: falou de um “imposto escondido”: as tarifas aumentarão o preço dos combustíveis “mais 20%, são a terceira importação portuguesa”.
Ventura decidiu então sacar da sua carta preferida: a Ásia. Argumentou que a economia de países como o Bangladesh, Paquistão, China ou Índia está a “invadir” o mercado português. Mas Mortágua vinha preparada.
Foi aí que Mortágua afundou todos os navios do adversário: através de peças Lego, mostrou que 75% das importações portuguesas provém da União Europeia, e apenas 5% da China, 1% da Índia e 0,2% do Paquistão e do Bangladesh.
“Se fizesse política com factos e menos preconceitos percebia mais de economia”, disparou por fim a economista. E foi aqui que ventura começou a levantar a voz, cada vez mais agressivo.
Habitação, ocupação e uma casa com 30m2
Já no tema da habitação, Mortágua não se mostrou tão confiante como nos debates com outros líderes, nomeadamente Pedro Nuno Santos. Não foi capaz de se defender quando Ventura atirou que o Bloco quer ocupar casas ilegalmente. chutou apenas o tema dos vistos gold ou do Alojamento Local, que Mortágua diz que servem apenas para favorecer o “sistema e a elite”.
A líder do BE defendeu ainda “direito a uma casa legal” para todos, mas Ventura ripostou, acusando a adversária de ser incoerente. “Todos sabemos que o Bloco de Esquerda é dos mais ricos que temos na política, não são os que vivem como eu numa casa de 30 metros quadrados“.
“Eu sei que nada o comove e que a sua política é da crueldade e do medo. A mim comove-me ver pessoas em tendas, na rua, e é por isso que defendo tetos das rendas”, disse Mortágua.
A bloquista ficou tão enervada que acabou mesmo por perguntar “acabou o TikTok?”, acusando o adversário de ter pouco conteúdo no discurso.
O tema terminou com Ventura a concluir que “o país hoje vai saber que o Bloco defende a invasão de casas com propriedade legítima”.
Racismo, humanismo, “votinhos”
Quando o debate se virou para a imigração, Ventura não tardou a acusar o Bloco de querer “comprar votos com os imigrantes”, deixando votar quem “não fala português”. “Querem votinhos porque em Portugal já ninguém vota no BE”, atirou Ventura.
A adversária, que defende que um imigrante que trabalhe e pague impostos há mais de 4 anos em Portugal possa votar, acusou por várias vezes o oponente de “ódio e racismo”, ao contrário do BE, que defende “o humanismo” — tudo “tretas“, desprezou Ventura.
Já o líder do Chega, continua a defender quotas para imigrantes, a “melhor forma de garantir que entra quem a economia precisa e cumpre a lei”. Fartou-se de repetir a palavra que tem usado em quase todos os debates: “bandalheira”. Também ao caso do assassinato de “Manu” (o suspeito é brasileiro) foi novamente trazido à baila pelo líder do Chega.
O debate continuaria até ao dia seguinte, não faltando temas de discórdia, e Ventura ainda deixou um convite irónico à bloquista para ir com ele tomar um café.
Uma amena cavaqueira? Sim, para quem ouvia em casa: os números puros e duros ficaram à porta. Aliás, quem joga sabe que na Batalha Naval os dois lados nunca se tocam — só se atacam através de uma parede intransponível.