NASA / Dan Gallagher

Moléculas orgânicas de cadeia longa decano, undecano e dodecano — as maiores moléculas orgânicas descobertas em Marte até à data.
Investigadores que analisaram rochas pulverizadas a bordo do rover Curiosity da NASA descobriram os maiores compostos orgânicos existentes no Planeta Vermelho até à data.
A descoberta, publicada na passada segunda-feira na revista Proceedings of the National Academy of Sciences, sugere que a química prebiótica pode ter avançado mais em Marte do que o observado anteriormente.
Os cientistas analisaram uma amostra de rocha no minilaboratório SAM do Curiosity e encontraram as moléculas decano, undecano e dodecano. Pensa-se que estas substâncias, com 10, 11 e 12 átomos de carbono, respetivamente, são os fragmentos de ácidos gordos que ficaram preservados na amostra.
Estes ácidos gordos estão entre as moléculas orgânicas que, no nosso planeta, são os blocos químicos de construção da vida.
Os seres vivos produzem ácidos gordos para ajudar a formar as membranas celulares e desempenhar várias outras funções. Mas os ácidos gordos também podem ser produzidos sem vida, através de reações químicas desencadeadas por vários processos geológicos, incluindo a interação da água com minerais em fontes hidrotermais.
Embora não haja forma de confirmar a origem das moléculas identificadas, a sua descoberta é excitante para a equipa científica do Curiosity por várias razões.
Os cientistas do Curiosity já tinham descoberto moléculas orgânicas pequenas e simples em Marte, mas a descoberta destas substâncias maiores fornece a primeira evidência de que a química orgânica avançou para o tipo de complexidade necessária para a origem da vida em Marte.
O novo estudo também aumenta as hipóteses de que as grandes moléculas orgânicas que só podem ser produzidas na presença de vida, conhecidas como “bioassinaturas“, possam estar preservadas em Marte, dissipando as preocupações de que tais compostos sejam destruídos após dezenas de milhões de anos de exposição a intensa radiação e oxidação.
Os cientistas dizem que esta descoberta é um bom presságio para os planos de trazer amostras de Marte para a Terra para análise com os instrumentos mais sofisticados disponíveis.
“O nosso estudo prova que, mesmo hoje, através da análise de amostras de Marte, podemos detetar assinaturas químicas de vida passada, se é que alguma vez existiu em Marte”, disse Caroline Freissinet, a principal autora do estudo e investigadora no LATMOS (Laboratoire Atmosphères, Observations Spatiales) do CNRS (Centre national de la recherche scientifique) em Guyancourt, França.
Em 2015, Freissinet coliderou uma equipa que, pela primeira vez, identificou de forma conclusiva moléculas orgânicas marcianas na mesma amostra que foi utilizada para o estudo atual. Apelidada de “Cumberland“, a amostra foi analisada várias vezes com o SAM, utilizando diferentes técnicas.
O Curiosity perfurou a amostra Cumberland em maio de 2013 numa área da Cratera Gale chamada “Yellowknife Bay“.
Os cientistas ficaram tão intrigados com Yellowknife Bay, que parecia um antigo leito de lago, que enviaram o rover para lá antes de seguir na direção oposta para o seu destino principal, o Monte Sharp, que se ergue do fundo da cratera.
O desvio valeu a pena: Cumberland está repleto de pistas químicas fascinantes sobre o passado de 3,7 mil milhões de anos da Cratera Gale. Os cientistas descobriram anteriormente que a amostra é rica em minerais de argila, que se formam em água. Tem enxofre em abundância, o que pode ajudar a preservar as moléculas orgânicas.
Cumberland também tem muitos nitratos, que na Terra são essenciais para a saúde de plantas e animais, e metano feito com um tipo de carbono que na Terra está associado a processos biológicos.
Talvez mais importante, os cientistas determinaram que Yellowknife Bay era, de facto, o local de um antigo lago, proporcionando um ambiente que podia concentrar moléculas orgânicas e preservá-las numa rocha sedimentar de grão fino chamada lamito.
NASA / JPL-Caltech/MSSS

O rover Curiosity da NASA perfurou este alvo rochoso, “Cumberland”, durante o 279.º dia marciano, ou sol, da missão do rover em Marte (19 de maio de 2013) e recolheu uma amostra de material em pó do interior da rocha. O Curiosity usou a câmara MAHLI (Mars Hand Lens Imager) no braço do rover para captar esta vista do buraco em Cumberland no mesmo sol em que o buraco foi feito. O diâmetro do buraco é de cerca de 1,5 centímetros. A profundidade do buraco é de cerca de 6,6 centímetros.
“Há evidências de que a água líquida existiu na Cratera Gale durante milhões de anos e provavelmente durante muito mais tempo, o que significa que houve tempo suficiente para que a química de formação de vida ocorresse nestes ambientes de lago de cratera de impacto em Marte”, disse Daniel Glavin, cientista sénior para a entrega de amostras no Centro de Voo Espacial Goddard da NASA em Greenbelt, no estado norte-americano de Maryland, coautor do estudo.
A recente descoberta de substâncias orgânicas foi um efeito secundário de uma experiência não relacionada para sondar Cumberland em busca de sinais de aminoácidos, que são os blocos de construção das proteínas.
Depois de aquecerem a amostra duas vezes e de medirem a massa das moléculas libertadas, a equipa não encontrou indícios de aminoácidos. Mas notaram que a amostra libertava pequenas quantidades de decano, undecano e dodecano.
Dado que estes compostos podem ter-se desprendido de moléculas maiores durante o aquecimento, os cientistas trabalharam no sentido inverso para descobrir de que estruturas poderiam ter vindo. A hipótese que levantaram foi a de que estas moléculas eram remanescentes de ácidos gordos — do ácido undecanóico, ácido dodecanóico e ácido tridecanóico, respetivamente.
Os cientistas testaram a sua previsão em laboratório, misturando ácido undecanóico numa argila semelhante à de Marte e realizando uma experiência semelhante à do SAM. Depois de aquecido, o ácido undecanóico libertou decano, como previsto.
Os investigadores fizeram então referência a experiências já publicadas por outros cientistas para mostrar que o undecano poderia ter-se separado do ácido dodecanóico e o dodecano do ácido tridecanóico.
Os autores encontraram um intrigante pormenor adicional no seu estudo, relacionado com o número de átomos de carbono que constituem os pressupostos ácidos gordos da amostra. A espinha dorsal de cada ácido gordo é uma cadeia longa e reta de 11 a 13 carbonos, dependendo da molécula. Os processos não biológicos produzem normalmente ácidos gordos mais curtos, com menos de 12 carbonos.
É possível que a amostra de Cumberland tenha ácidos gordos de cadeia mais longa, dizem os cientistas, mas o SAM não está otimizado para detetar cadeias mais longas.
Os cientistas dizem que, em última análise, há um limite para o que se pode inferir a partir de instrumentos de “caça” de moléculas que podem ser enviados para Marte. “Estamos prontos para dar o próximo grande passo e trazer amostras de Marte para os nossos laboratórios para finalmente resolver o debate sobre a vida em Marte”, disse Glavin.
// CCVAlg
Falta apenas referir que estas cadeias de átomos de Carbono podem também ser produzidas por atividade vulcânica.
É um ‘pequeno’ pormenor.