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Reforma das Forças Armadas. Cravinho critica “manobras escusas” de “agremiação”

António Cotrim / Lusa

O ministro da Defesa Nacional, João Gomes Cravinho

O ministro da Defesa acusou esta segunda-feira ex-chefes militares de “manobras escusas” para “perpetuar a influência” nas Forças Armadas, declarando não se intimidar em relação às reformas legislativas em curso, mantendo a expetativa da aprovação dos diplomas.

“Em democracia, o Governo tem a responsabilidade em matéria de política de Defesa Nacional e sobre questões estratégicas relacionadas com as Forças Armadas, a Assembleia da República aprova as leis estruturantes e o ministro da Defesa, obviamente, não tem de pedir autorização a agremiações de antigos chefes militares. E não pede. Não é por manobras escusas que o ministro da Defesa se vai intimidar”, disse Gomes Cravinho, em declarações à agência Lusa.

Para o governante, “existe, claramente, um conjunto de manobras escusas por parte de uma agremiação de antigos chefes militares para tentarem perpetuar a influência que tinham em relação às Forças Armadas, mas, em democracia, não é assim que as coisas funcionam”.

“Aceitamos que haja diferentes pontos de vista, mesmo quando são puramente corporativos, mas não aceitaremos manobras escusas como forma de nos desviar dos propósitos e do normal funcionamento das instituições”, vincou.

As propostas do executivo liderado por António Costa para alterar a Lei de Defesa Nacional e a Lei Orgânica de Organização das FA (LOBOFA) vão ser apreciadas, num primeiro momento, esta terça-feira, na comissão parlamentar de Defesa Nacional, seguindo-se o debate alargado em sessão plenária na semana seguinte.

O executivo, na senda de tentativas similares por parte de outros Governos, em 2009 e 2014, pretende concentrar mais poderes e competências na figura do Chefe do Estado-Maior das FA (CEMGFA), designadamente em termos de comando operacional conjunto dos três ramos da FA (Marinha, Exército e Força Aérea).

“Tenho plena consciência daquilo que tem sido o posicionamento do PSD, também do PS e também do CDS. Aliás, falei com todos os partidos. Não vejo que o objetivo que eu tinha estabelecido, de ter um consenso muito alargado na Assembleia da República, esteja em perigo. Penso que será atingido e isso é muito importante porque as FA devem estar a cima da disputa partidária”, continuou o responsável pela tutela.

Dirigentes do PSD, como o antigo ministro Ângelo Correia ou a deputada Ana Miguel Santos, têm vindo a manifestar-se publicamente favoráveis, grosso modo, às medidas idealizadas pelo executivo socialista, algo essencial à aprovação das iniciativas, que necessitam de maioria qualificada de dois terços dos deputados do hemiciclo de São Bento.

“Naturalmente que, em democracia, nunca haverá unanimidade — e é bom que assim seja —, mas também é bom que haja um consenso muito alargado, como tem havido nas várias matérias estruturantes submetidas à apreciação da Assembleia da República, durante o meu período como ministro”, concluiu Cravinho, sem apontar nomes.

“Militares não trabalham debaixo da mesa”

O ex-Chefe do Estado-Maior General das Forças Armadas (CEMGFA) Luís Araújo declarou esta segunda-feira que “os militares não trabalham debaixo da mesa“, lamentando expressões do ministro da Defesa sobre antigos líderes das Forças Armadas.

Os militares não trabalham debaixo da mesa. Isso, normalmente, é muito usual noutros setores da nossa atividade nacional, aos quais não me quero estar a referir agora. Os militares fazem tudo às claras. Eu, pelo menos, fui assim educado”, afirmou.

Os antigos responsáveis militares condenam o “desaparecimento da maior parte dos graus intermédios de comando e de direção“, sublinhando que será uma “fonte de permanente atrito entre os patamares de Ministro da Defesa Nacional (MDN), CEMGFA e do Conceito Estratégico Militar (CEM)”.

“Não faço parte do GREI, tenho lá bons amigos, mas estou à vontade”, fez questão de esclarecer Luís Araújo, depreciando “o nível” das declarações do atual responsável da tutela face a “grupos de almirantes e generais que deram tudo o que tinham e que não tinham, apelidando-os de agremiações”.

“No meu entendimento, este não é o tempo certo nem a terminologia adequada, que só serve para acicatar clivagens em assuntos tão sensíveis, estruturantes e institucionais, que dizem respeito às FA e ao nosso país“, continuou Luís Araújo.

“O senhor ministro devia preocupar-se muito mais com o estado do Arsenal do Alfeite [Marinha] e a prontidão da esquadra [frota] — só está uma fragata a navegar — e a modernização dos [aviões pesados de transporte] C-130, que está atrasadíssima na OGMA (Alverca) e dos [helicópteros] EH-101, em termos de fluxo logístico”, disse Araújo.

O também antigo Chefe do Estado-Maior da Força Aérea (2006-11) foi CEMGFA entre 2011 e 2014, o período da intervenção externa da troika em Portugal, durante o Governo PSD-CDS-PP, dirigido por Passos Coelho e Paulo Portas.

As propostas de lei para alterar a Lei Orgânica de Bases das Forças Armadas e a Lei de Defesa Nacional foram aprovadas em Conselho de Ministros no dia 8 de abril.

“O CEMGFA como principal responsável pela execução das prioridades estratégicas definidas pelo Governo, os chefes dos ramos (Marinha, Exército e Força Aérea) sob a dependência hierárquica do CEMGFA para assuntos militares” e a “alteração de competências do Conselho de Chefes, que passa a dar pareceres sobre a generalidade das matérias militares”, foram as alterações destacadas na altura pelo ministro.

Os chefes dos três ramos manterão despacho com o ministro da tutela em assuntos “orçamentais”, referindo-se às Lei de Programação Militar (LPM) e Lei das Infraestruturas Militares (LIM).

Os diplomas mereceram críticas por parte de antigos chefes militares e a Associação de Oficiais das Forças Armadas também repudiou a reforma, sugerindo tratar-se de um caminho de “partidarização/governamentalização” da instituição militar.

Na Assembleia da República, estão também sob escrutínio propostas de alteração à lei do PCP, defendendo mais poderes concedidos ao Presidente da República e Comandante Supremo das FA e o direito de manifestação para os militares.

ZAP // Lusa

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