A Câmara do Porto poderá ter de pagar uma indemnização à Selminho, da família do presidente Rui Moreira, caso a versão preliminar do Plano Diretor Municipal, que impede a construção nos terrenos da empresa na Arrábida, se torne definitiva.
A proposta preliminar do PDM, a que Lusa teve acesso, mantém inalterada a classificação daqueles terrenos como área verde, contrariando o acordo assinado em 2014 entre autarquia e Selminho.
A 10 de janeiro daquele ano foi realizada uma audiência prévia, no âmbito do diferendo que opunha a empresa à Câmara do Porto, em cuja ata pode ler-se que a Selminho requer “o aditamento de um quesito (…) a efetuar nos seguintes termos: é possível construir um edifício no terreno da autora em condições de segurança”.
O mesmo documento acrescenta que, mandatado pelo próprio presidente da Câmara Rui Moreira, numa procuração assinada pouco mais de um mês depois de tomar posse, em 2013, o jurista do município disse nada ter a opor ao requerido.
Na sequência desta audiência prévia, a autarquia presidida por Rui Moreira assinou com a imobiliária da família do autarca um acordo em que o município assumia o compromisso de devolver capacidade construtiva àquele terreno, no âmbito da então prevista revisão do Plano Diretor Municipal (PDM), ou de recorrer a um tribunal arbitral para definir uma eventual indemnização à imobiliária.
Contrariamente ao que aconteceu num primeiro momento, em que os juristas da autarquia agiram mandatados pelo próprio presidente da autarquia, Rui Moreira, o acordo foi assinado pela então vice-presidente, Guilhermina Rego.
A materialização deste acordo foi, contudo, sendo sucessivamente adiada devido ao prolongamento dos prazos de revisão do PDM, cujo fim dos trabalhos está previsto para março de 2021. Na segunda-feira, o executivo municipal vota o envio da proposta preliminar do PDM do Porto para a Comissão de Acompanhamento.
Entretanto, em junho de 2017, a Câmara do Porto interpôs uma ação na qual pede a declaração de nulidade da posse daquele terreno pela Selminho, depois de os serviços da autarquia terem concluído que é municipal “uma parcela de 1.621 metros quadrados” integrada na área de 2.260 metros quadrados apresentada pela Selminho para construção na Calçada da Arrábida, junto à via panorâmica Edgar Cardoso.
Em outubro de 2019, o Tribunal da Relação confirmou a sentença da primeira instância que em janeiro do mesmo ano julgou “nula” a escritura de venda de 2.260 metros quadrados daqueles terrenos, contudo, a imobiliária da família de Moreira e o casal que vendeu o terreno à Selminho recorreram para o Supremo Tribunal de Justiça, que à Lusa confirmou na sexta-feira que o recurso foi aceite, por razões de “interesse jurídico e social”.
De acordo com aquele tribunal, as partes já foram notificadas. A Lusa tentou obter uma reação por parte do município, mas até ao momento sem sucesso.
Não tendo o acórdão do Tribunal da Relação transitado em julgado, a reivindicação da Câmara do Porto relativamente à titularidade dos terrenos continua por decidir.
O acordo de 2014 foi o culminar de nove anos de processos judiciais, que começaram em 2005. Num deles, a empresa contestava uma decisão da autarquia, à altura liderada por Rui Rio, que, no âmbito da revisão do PDM que entrou em vigor em 2006, classificou aqueles terrenos como escarpa, sem capacidade construtiva.
Uma primeira adenda ao acordo determinava que a empresa podia reclamar essa indemnização no prazo de 60 dias depois da data inicialmente prevista para a conclusão da revisão do PDM (31 de dezembro de 2016), ou seja, a partir de 1 março de 2017.
Foi feita depois uma “2.ª Adenda ao Compromisso Arbitral”, que remete para “25 de março de 2018” – data em que deveria “estar concluída” a revisão do PDM – a hipótese de a empresa reivindicar uma compensação financeira relacionada com a capacidade construtiva do terreno.
Numa terceira adenda, as partes acordam que, em caso de recurso a um tribunal arbitral, o juiz do mesmo será nomeado pelo Tribunal Administrativo e Fiscal.
Há ainda uma 4.ª adenda ao acordo que remete para a conclusão do processo de revisão do PDM esta possibilidade.
De acordo com a memória descritiva do PIP apresentado na Câmara no dia 8 de novembro de 2005, o projeto imobiliário da Selminho para aquele terreno previa quatro pisos para um edifício multifamiliar.
O terreno em causa passou, entretanto, a integrar a Zona Especial de Proteção ao monumento nacional da Ponte da Arrábida, o que obriga a que qualquer construção esteja sujeita a um parecer prévio da tutela do património.
Há quase um ano, a Direção Regional de Cultura do Norte (DRCN) garantia à Lusa que, no âmbito da definição da ZEP, o diretor municipal do Urbanismo da Câmara do Porto afirmou, numa reunião de abril de 2018, que a autarquia pretendia “garantir capacidade construtiva” àqueles terrenos, classificados como Área Verde no atual Plano Diretor Municipal.
// Lusa
«…para construção na Calçada da Arrábida…» – in ZAP aeiou
Os terrenos junto às margens do Douro e foz pertencem aos cidadãos Portuenses que delegam a administração dos mesmos na APDL (Administração dos Portos do Douro, Leixões e Viana do Castelo, S.A.); não pertencem à empresa privada «Selminho» nem tão pouco ao sr. Moreira e sua família.