O ex-presidente da Renault-Nissan, Carlos Ghosn, fugido da justiça japonesa, confessou em entrevista ao jornal O Estado de São Paulo que a sua fuga foi “rápida” e “surpreendente”, fatores que considerou serem as chaves para o seu sucesso.
“Os japoneses não são rápidos. Eles precisam de muito planeamento, preparação e conhecimento, mas logo que entendem tudo agem rapidamente”, disse Ghosn, que tem nacionalidade francesa, libanesa e brasileira, numa entrevista publicada este domingo no Brasil.
“Por isso, se queres uma fuga para ter sucesso, tens de ser rápido e surpreendente. Tem de planear e executar muito rapidamente. O que foi feito”, acrescentou o ex-presidente da Renault-Nissan.
Ghosn também lamentou a falta de apoio do Governo brasileiro e do Presidente, Jair Bolsonaro, na abertura do do processo no Japão na sequência do qual está a ser investigado por supostas irregularidades financeiras cometidas no país asiático.
Segundo o gestor, o ministro brasileiro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, pressionou Bolsonaro e convenceu o Presidente do Brasil a adotar uma posição neutra, para não incomodar os japoneses. “É uma pena, sou brasileiro e o brasileiro, na frente dos japoneses, não conta muito”, lamentou.
Ghosn reiterou que foi vítima de uma “trama” do Japão, mas disse que a subsidiária brasileira da Nissan também colaborou com a casa-mãe e ajudou nas investigações, inclusive ao entrar na casa do gestor e ao retirar-lhe documentos.
O ex-presidente da Renault-Nissan, de 65 anos, está atualmente em Beirute, no Líbano, onde chegou na noite de Ano Novo, depois de fugir do Japão. O Líbano e o Japão não têm um tratado de extradição, portanto a possibilidade ser preso naquele país pouco provável, mas o Ministério Público libanês, que está a investigar Ghosn num caso ligado aos seus interesses nacionais, proibiu-o de sair do país.
Carlos Ghosn, ex-presidente do conselho de administração e ex-presidente executivo do grupo Nissan e da aliança Renault-Nissan-Mitsubishi, foi detido em Tóquio em 19 de novembro de 2018 por suspeita de abuso de confiança e evasão fiscal.
Detido vários meses no Japão, o empresário foi libertado em março de 2019, após o pagamento de uma caução. No início de abril passado, foi novamente detido e outra vez libertado sob caução. O Ministério Público (MP) de Tóquio informou que a última detenção do ex-presidente da Nissan justifica-se pela suspeita de que Carlos Ghosn desviou cinco milhões de dólares, cerca de 4,4 milhões de euros.
No final desse mesmo mês, Ghosn ficou sob detenção domiciliária, a aguardar julgamento por evasão fiscal, entre outros crimes.
Os advogados e a família de Carlos Ghosn têm criticado fortemente as condições da detenção do empresário, bem como a forma como a justiça nipónica tem gerido os procedimentos deste caso.
Ghosn chegou à Nissan em 1999 como presidente executivo para liderar a recuperação do fabricante, com sede em Yokohama, nos arredores de Tóquio, depois de ter oficializado uma aliança com a francesa Renault.
A notícia da fuga de Carlos Ghosn apanhou de surpresa as autoridades nipónicas. Os serviços de estrangeiros e fronteiras não tinham qualquer informação sobre a saída de Ghosn. Neste momento, Ghosn está em Beirute, numa casa de família, na companhia da sua mulher, Carole, de origem libanesa.
Ghosn terá usado um avião particular com destino à Turquia e depois ao Líbano. Ghosn ter-se-á escondido numa caixa destinada a equipamentos musicais para não ser detetado. A mulher, Carole Ghosn, reagiu, dizendo tratar-se de “uma ficção”, sem detalhar mais sobre a fuga do marido.
Ghosn terá entrado no Líbano com um passaporte francês. O objetivo da fuga seria encontrar um ambiente jurídico mais favorável para Ghosn. O Líbano tinha iniciado contactos com o governo japonês para que o gestor fosse julgado em Beirute.
Desconhece-se ainda como Carlos Ghosn conseguiu escapar para a capital do Líbano e quando começou a preparar o plano que segundo o próprio foi elaborado “sozinho”. No entanto, as autoridades estão a tentar perceber se houve cúmplices.
Na quinta-feira, o Líbano recebeu um mandado internacional da Interpol para a detenção do ex-presidente da Renault-Nissan. As autoridades turcas já detiveram e colocaram sob custódia sete pessoas, incluindo quatro pilotos, todos suspeitos de ajudar Ghosn a fugir do Japão para o Líbano.
Na segunda-feira, o chefe do gabinete e ministro porta-voz do Governo, Yoshihide Suga, garantiu que Tóquio desenvolverá todos os esforços diplomáticos para conseguir que o Líbano entregue o ex-presidente da Nissan às autoridades japonesas.
ZAP // Lusa