Cancro: quando fazer menos é melhor para o doente

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Em três tipos de cancro, menos tratamentos podem beneficiar os doentes. Há 30 anos, a investigação sobre o cancro consistia em fazer mais.

Os doentes com três tipos de cancro vivem mais tempo e sentem-se melhor com menos quimioterapia e menos cirurgia ou radiação.

De acordo com estudos apresentados na conferência mundial da Sociedade Americana de Oncologia Clínica, a redução de tratamentos nesses três tipos de cancro pode beneficiar os doentes sem comprometer resultados.

Um número crescente de estudos, incluindo vários apresentados nesta conferência, sugere que a abordagem pode ter benefícios para pessoas com determinados tipos de cancro.

Os estudos mais recentes, apresentados na conferência na cidade norte-americana de Chicago, envolveram o cancro do ovário e do esófago, além do linfoma de Hodgkin.

Em relação ao cancro nos ovários, investigadores franceses descobriram que é seguro evitar a remoção de gânglios linfáticos que parecem saudáveis durante a cirurgia para o cancro do ovário avançado.

Um estudo realizado numa fase tardia em mulheres com cancro do colo do útero mostrou que estas tinham um baixo risco de progressão do cancro após uma histerectomia simples, em que apenas o útero e o colo do útero eram removidos cirurgicamente.

Os resultados foram semelhantes aos obtidos após uma histerectomia radical mais agressiva, na qual são removidas, para além do útero, as partes circundantes do colo do útero, parte da vagina e alguns tecidos e ligamentos em redor da área.

Um estudo separado sobre o tratamento do cancro do reto revelou que, entre mais de 1000 doentes, os que receberam apenas quimioterapia antes da cirurgia tiveram resultados semelhantes em termos de sobrevivência e recorrência aos que receberam quimioterapia e radiação.

Os resultados sugerem que, em alguns casos, os doentes com cancro do reto podem não recorrer à radiação, que pode ter efeitos secundários na zona a tratar, como problemas de fertilidade após a radioterapia na pélvis.

O novo estudo agora apresentado comparou os resultados de 379 pacientes – metade teve os seus gânglios linfáticos removidos e a outra metade não.

Após nove anos, não houve diferença no tempo de vida das pacientes e as que foram submetidas a uma cirurgia menos radical tiveram menos complicações, como a necessidade de transfusões de sangue.

Um outro estudo alemão analisou 438 pessoas com um tipo de cancro do esófago que pode ser tratado com cirurgia, tendo metade recebido um plano de tratamento comum que incluía quimioterapia e cirurgia ao esófago, que transporta os alimentos da garganta para o estômago.

A restante metade recebeu outra abordagem que também inclui radiação. Ambas as técnicas são consideradas padrão.

Segundo este estudo, após três anos, 57% dos pacientes que receberam quimioterapia e cirurgia estavam vivos, em comparação com 51% dos que receberam quimioterapia, cirurgia e radiação.

Uma comparação de dois regimes de quimioterapia para o linfoma de Hodgkin avançado revelou que o tratamento menos intensivo era mais eficaz para o cancro do sangue e causava menos efeitos secundários.

Ao fim de quatro anos, a quimioterapia menos agressiva manteve a doença sob controlo em 94% das pessoas, em comparação com 91% das que receberam o tratamento mais intenso.

O ensaio incluiu 1.482 pessoas em nove países – Alemanha, Áustria, Suíça, Países Baixos, Dinamarca, Suécia, Noruega, Austrália e Nova Zelândia – e foi financiado pela Takeda Oncology, o fabricante de um dos medicamentos utilizados na quimioterapia mais suave que foi estudada.

Estes estudos fazem parte de uma tendência a longo prazo para fazer-se menos – menos cirurgias, menos quimioterapia ou menos radiação – podendo ajudar os doentes a viver mais tempo e a sentirem-se melhor.

Há trinta anos, a investigação sobre o cancro consistia em fazer mais e não menos.

Num exemplo preocupante, de acordo com os médicos, mulheres com cancro da mama avançado foram levadas à beira da morte com doses maciças de quimioterapia e transplantes de medula óssea.

No entanto, a abordagem não funcionou melhor do que a quimioterapia e as doentes sofreram. Agora, numa tentativa de otimizar os cuidados oncológicos, os investigadores questionam se são necessários todos os tratamentos utilizados no passado.

É uma pergunta que “deve ser feita vezes sem conta”, diz Tatjana Kolevska, diretora médica do Programa Nacional de Excelência do Cancro da Kaiser Permanente, que não esteve envolvida na nova investigação. Muitas vezes, fazer menos produz resultados devido à melhoria dos medicamentos.

“A boa notícia é que o tratamento do cancro não só está a tornar-se mais eficaz, como está a tornar-se mais fácil de tolerar e associado a menos complicações a curto e a longo prazo”, afirmou, por seu turno, William G. Nelson, investigador da Johns Hopkins School of Medicine, que também não esteve envolvido na nova investigação.

ZAP // Lusa

2 Comments

  1. O artigo trata uma verdade incómoda mas à muito tempo reconhecida por quem trabalha em saúde: Casos há, em que mais vale não fazer nada (ou o menos possível) porque vai acrescentar apenas sofrimento e potenciar complicação com pouco ou nenhum incremento da qualidade de vida.

  2. Infelizmente há muitos familiares de doentes que chegaram à mesma conclusão há muito. Uma coisa tão óbvia, mas na ciência da medicina é preciso um estudo., quando as estatísticas estão na net. Até parecia que o comercio predomina nesta valência

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