Titanic, Oppenheimer, 007. Quando a censura chega ao grande ecrã

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Motion Picture Reel/Youtube

Jack Dawson (Leonardo diCaprio) pasmado com a figura nua de Rose DeWitt (Kate Winslet) no filme ‘Titanic’.

Enquanto muitos filmes de Hollywood são simplesmente banidos, outros têm cenas “problemáticas”, cortadas ou alteradas no estrangeiro. Cinéfilos indianos, russos ou chineses passam a vida irritados.

Cinéfilos na Índia indignaram-se ao descobrir que um beijo de 33 segundos no Super-Homem foi transformado num simples “chocho” pela censura do país. Apesar de o filme estar classificado para maiores de 13 anos, o Comité Central de Certificação Cinematográfica da Índia (CBFC) achou necessário suavizar a aproximação “demasiado sensual”.

Quando o CBFC foi criado, em 1952, a sua função oficial era classificar os filmes de acordo com as faixas etárias. Mas desde então, a entidade tornou-se sobretudo conhecida pelo seu papel censório.

Exemplos recentes de alterações em grandes produções de Hollywood incluem a substituição de um emoji do dedo do meio exibido em F1, com Brad Pitt, de Joseph Kosinski, por um punho cerrado; a eliminação de palavrões em Thunderbolts (Jake Schreier) e Missão Impossível – Acerto de Contas (Christopher McQuarrie), todos lançados este ano; e a edição posterior de uma cena de Oppenheimer (Christopher Nolan, 2023) para cobrir a nudez da atriz Florence Pugh, encoberta por um vestido gerado por um computador.

“Se uma cena é destinada a audiências mais maduras, deveria simplesmente ser classificada de forma apropriada”, argumenta a escritora Disha Bijolia num artigo para a revista online indiana Homegrown. “Em vez disso, o CBFC interfere repetidamente na visão de um cineasta, atravessando o guião, interrompendo arcos emocionais e simplificando as intenções por trás de narrativas inteiras.”

Mais eficaz do que banir os filmes

Para além da prática comum de proibir filmes por completo, a divulgação de versões alternativas é uma estratégia bem estabelecida em muitos países, não só na Índia.

Regimes autoritários sabem que, mesmo que um filme seja banido, este poderá continuar a circular ilegalmente, o que os motiva a distribuir versões “mais adequadas”.

Muito antes de a inteligência artificial se tornar uma ferramenta amplamente disponível, o Irão já tinha equipado os seus censores, em 2010, com tecnologia digital avançada para permitir alterações em diálogos e imagens que não estivessem de acordo com os ideais de modéstia do Islão.

A atuação foi detalhada numa reportagem de 2012 na revista The Atlantic, ilustrada com imagens que comparam as cenas originais com as versões retocadas pela censura iraniana. O resultado: mulheres que desaparecem do enquadramento, ou que têm os decotes cobertos por objetos ou roupas. Até o tronco nu de Will Ferrell é ocultado por uma parede na comédia Ricky Bobby (Adam McKay, 2006).

LGBTQ+ nos ecrãs: nem pensar!

Desvios de tudo o que foge ao padrão heterossexual ou ao binário homem-mulher definido com base no sexo biológico continuam a ser tabu em muitos países.

Cenas que fazem referência à homossexualidade do cantor Freddie Mercury, dos Queen, foram apagadas das versões de Bohemian Rhapsody (Bryan Singer e Dexter Fletcher, 2018) em vários países, como o Egito. A Human Rights Watch denunciou a hipocrisia do governo egípcio à época, que celebrou a vitória do protagonista Rami Malek, filho de egípcios cristãos, mas não permitiu que ele falasse publicamente sobre o filme no país.

Na Rússia, o musical biográfico Rocketman (Dexter Fletcher, 2019), sobre a vida de Elton John, teve cerca de cinco minutos removidos — essencialmente cenas de beijos e atos sexuais entre homens.

Mas a censura não partiu originalmente do Kremlin. Foi a própria distribuidora russa do filme que se antecipou e fez cortes “preventivos”, para se adequar a uma “lei anti-gay” de 2013 que proíbe a promoção de tudo o que esteja associado ao universo LGBTQ+.

Na altura, o cantor Elton John denunciou a censura como “um triste reflexo do mundo dividido em que ainda vivemos, e de como ele ainda pode rejeitar cruelmente o amor entre duas pessoas”.

Drogas, não; strippers, sim

Apesar de muitos grandes estúdios de Hollywood não distribuírem os seus filmes na Rússia desde que o país invadiu a Ucrânia, em 2022, alguns projetos ocidentais continuam a ser lançados em salas de cinema russas ou em plataformas de streaming que ainda operam no país.

Um exemplo recente de filme que circulou na Rússia numa versão ligeiramente alterada é Anora (Sean Baker, 2024), premiado com cinco Óscares, incluindo o de Melhor Filme, e protagonizado por atores russos como Yura Borisov.

Enquanto as cenas em que a stripper interpretada por Mikey Madison aparece nua permaneceram inalteradas, os censores alteraram o enquadramento de outras cenas para ocultar o consumo de drogas, conforme relatou o site independente Meduza.

Turquia anti-cigarros e álcool

Na Turquia, um filme como Anora jamais seria exibido na televisão. O governo de Recep Tayyip Erdogan levou cerca de 95% dos meios de comunicação nacionais a alinharem-se com os valores conservadores do partido AKP.

As emissoras evitam principalmente cenas de sexo e personagens LGBTQ+. Temas históricos que promovam “retórica anti-turca” também podem ser problemáticos. Álcool e cigarros são também tabu, e alguns canais adotam soluções criativas para censurar esses elementos.

Para antecipar a censura, alguns estúdios de Hollywood lançam versões editadas dos seus próprios filmes.

A Sony Pictures, por exemplo, preparou uma versão alternativa de Blade Runner 2049 (Denis Villeneuve, 2017) para a Turquia e outros mercados não ocidentais, removendo ou reenquadrando cenas de nudez, como avançou o crítico turco de cinema Burak Göral. A associação nacional de críticos de cinema Siyad condenou a iniciativa numa carta aberta, considerando-a um “insulto” ao público cinéfilo turco.

Finais alternativos na China

Outro país conhecido pela censura cinematográfica é a China.

As diretrizes oficiais do governo proíbem, entre outras coisas, a “promoção de cultos ou superstições”. Por isso, a exibição do remake de Caça-Fantasmas (Paul Feig, 2016) foi impedida no país, mesmo depois de rebatizado. Já a animação Coco (Adrian Molina e Lee Unkrich, 2017), cujo tema é o Dia dos Mortos no México, foi surpreendentemente autorizada um ano depois.

Entre as grandes produções alteradas pela censura chinesa está 007 – Skyfall (Sam Mendes, 2012), cujas legendas foram modificadas e uma cena em que um segurança chinês é morto foi removida, para não dar a entender que Pequim não consegue proteger o seu território de agentes estrangeiros.

Outro blockbuster censurado foi a versão em 3D do relançamento de Titanic (James Cameron, 1997), que, em 2012, teve a nudez da protagonista Kate Winslet reenquadrada e escondida. “Considerando os vívidos efeitos em 3D, receamos que os espectadores possam estender as mãos para a tocar, o que perturbaria os outros”, justificou um responsável chinês na altura.

Em 2022, utilizadores das redes sociais ridicularizaram o final alternativo imposto à animação Minions 2. Na versão original, os vilões Gru e Willy Kobra fogem das autoridades depois de Kobra fingir a própria morte. Na versão chinesa, alterada com frames de baixa qualidade, Kobra é preso por 20 anos e forma um grupo de teatro na prisão, enquanto Gru simplesmente “volta para a família”, sendo a paternidade o seu “maior feito”.

Hollywood colabora com censura

Os estúdios de Hollywood também produzem versões alternativas dos seus filmes para o lucrativo mercado chinês, com o objectivo de evitar a censura estatal.

Pequim começou a admitir um número limitado de filmes norte-americanos por ano em 1994. À medida que os grandes estúdios competiam por essas vagas escassas e valiosas, começaram também a adaptar os seus guiões para agradar a um mercado de 1,4 mil milhões de pessoas.

Um relatório de 2020 da organização sem fins lucrativos PEN denunciou a crescente tendência de produtores dispostos a alterar as suas obras para as tornar mais aceitáveis para os censores chineses, tomando decisões “difíceis e perturbadoras” em termos de liberdade de expressão.

Um caso exemplar é o de Homem de Ferro 3 (Shane Black, 2013). Enquanto as alterações geralmente encurtam os filmes, neste caso a produção da Marvel ganhou quatro minutos, com cenas exclusivas dos atores chineses Fan Bingbing e Wang Xueqi, bem como merchandising de uma marca local de leite — que, na versão chinesa, ajuda o Homem de Ferro a recuperar de um ferimento.

// DW

2 Comments

  1. E a censura que estamos (Oeste) a fazer nos filmes antigos por piadas negras? Como fizeram por exemplo no Crocodilo Dundee…
    Entretanto, tanto Hollywood como os repórteres que cobrem a indústria fizeram vista grossa, enquanto os leitores sensíveis censuravam livros clássicos, os filmes eram apagados pelos principais serviços de streaming e eram emitidos alertas de gatilho para tudo, desde “Peter Pan” a “Os Bons Companheiros”.

    Sem indignação. Frequentemente, silêncio.

    O mais recente ataque da censura está a atrair grilos dos suspeitos do costume.

    A comédia dos anos 80 “Crocodilo Dundee” deu início a um franchise e revelou-se um dos sucessos mais improváveis da década. Paul Hogan interpretou um australiano duro que suporta os clássicos momentos de “peixe fora de água” nos Estados Unidos.

    O filme valeu a Hogan, co-argumentista do filme, uma nomeação para Melhor Argumento Original.
    Crocodilo Dundee (5/8) CLIP do Filme – A Mente Vencendo a Matéria (1986) HD

    Vistos hoje, algumas sequências são hoje consideradas “problemáticas” para a Esquerda Consciente.

    Um exemplo? A personagem Mick Dundee, de Hogan, agarra uma pessoa trans, vestida de mulher, pela virilha e encontra os genitais masculinos. O momento não causou grande indignação na altura e conectou-se com as rudimentares competências sociais de Mick.

    Ou seja, não tinha nenhuma. Isso faz parte da sua personagem, para o bem e para o mal.

    Este momento é um dos vários excertos cortados da recente reestreia do filme. O corte de “Crocodile Dundee”, exibido no mês passado no OpenAir Cinema, nos Royal Botanic Gardens, em Sydney, retirou várias cenas importantes do filme.

    Isto inclui a fala mais icónica do filme.

    “Isto não é uma faca. ISTO é uma faca”, diz Mick, mostrando a sua lâmina pessoal a um assaltante assustado.
    Crocodile Dundee – “Isto não é uma faca…”

    Outro momento cortado? Mick pergunta sobre a herança de um estranho, um pormenor considerado racista em certos círculos.

  2. A censura paranóica da extrema-esquerda no Ocidente imponho a imbecil cultura Woke,também tem censurado imensa cultura por forma satisfazer a sua sanha de forçar a sua narrativa anti-social! Mais, impoe-na nos filmes, séries, livros e até jogos onde todos levamos com a lavagem cerebral com a conivência da comunicação social.

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