Físicos desmentem a cena mais assustadora de Oppenheimer

Apesar de nunca ter sido colocada em cima da mesa a possibilidade de a Experiência Trinity destruir o mundo, a verdade é que a história dá azo a um grande drama cinematográfico.

Experiência Trinity, um teste realizado no Novo México em julho de 1945, foi a primeira detonação de uma arma nuclear, e a sua recriação representou um enorme desafio para o realizador Christopher Nolan, em Oppenheimer.

Estreado com grande sucesso nos cinemas a 21 de julho, o filme centra-se no físico norte-americano J. Robert Oppenheimer, figura proeminente do famoso Projeto Manhattan e frequentemente referido como o “pai da bomba atómica“.

Spoiler alert: a primeira bomba atómica do mundo acaba por explodir a cerca de dois terços do filme, mas, mesmo antes de isso acontecer, Oppenheimer garante ao General Leslie Groves que as hipóteses de isso acontecer são “quase nulas“. Mas de onde surgiu a ideia?

Em primeiro lugar, importa referir como funcionam as bombas atómicas. Quando um átomo de urânio-235 absorve um neutrão extra, o átomo torna-se instável e acaba por se partir, libertando toda a energia que o mantinha unido, juntamente com dois ou três neutrões perdidos.

Se esses neutrões também atingirem átomos de urânio-235 nas proximidades, e se houver urânio suficiente num só local e nas condições certas, acontece uma reação em cadeia que liberta uma quantidade de energia verdadeiramente destruidora.

Ao mesmo tempo que o Projeto Manhattan tentava descobrir como dividir átomos de urânio suficientes de uma só vez para fazer uma bomba, o físico Edward Teller trabalhava num projeto paralelo: uma bomba de hidrogénio, que utilizaria uma pequena bomba atómica para dar início à fusão nuclear num monte de deutério (um isótopo do hidrogénio).

Para recriar a mesma reação que alimenta o Sol, mas em miniatura, seria necessária mais uma década para que a primeira bomba de hidrogénio se tornasse uma realidade, mas em 1942 Teller já pensava em como construí-la.

Isso fez com que se preocupasse, durante algum tempo, com a possibilidade de fazer explodir toda a atmosfera. O princípio era o mesmo: uma bomba alimentada por fissão nuclear poderia produzir calor e pressão suficientes para dar início a uma fusão nuclear ainda mais destrutiva.

Teller questionava-se se o calor e a potência da bomba não seriam também suficientes para desencadear um tipo diferente de reação em cadeia, em que os átomos de azoto da atmosfera se fundissem. Como Hans Bethe, físico do Projeto Manhattan, recordou mais tarde, Teller colocou a questão numa reunião do projeto em 1942.

“Há azoto no ar e podemos ter uma reação nuclear em que dois núcleos de azoto colidem e se transformam em oxigénio e carbono e, neste processo, libertamos muita energia. Isto não pode acontecer?”, terá perguntado Teller.

Bethe fez as contas, à mão, e chegou a uma resposta. “Nunca houve qualquer possibilidade de provocar uma reação termonuclear em cadeia na atmosfera”, escreveu Bethe no Bulletin of the Atomic Scientists, em 1975. “A ignição não é uma questão de probabilidades; é simplesmente impossível.”

Os átomos da atmosfera terrestre não estão suficientemente compactados para que a reação de fusão funcione. A fusão nuclear acontece nos núcleos das estrelas graças a quantidades de pressão literalmente astronómicas, e não é possível que isso aconteça na atmosfera da Terra.

“Ele não levou em conta algumas coisas importantes, como o quanto o combustível tinha de ser não só aquecido, como também comprimido”, explicou Richard Rhodes, autor de The Making of the Atomic Bomb, à Inverse.

Quando Oppenheimer e a sua equipa estavam à espera que a tempestade passasse, na manhã de 16 de julho de 1945, todos sabiam que não estavam prestes a destruir o mundo com uma única explosão. Fermi terá feito apostas sobre o assunto, mas os cálculos de Bethe tinham resolvido a questão anos antes.

As probabilidades “quase nulas” com que Oppenheimer enerva Groves no filme provêm provavelmente do físico do Projeto Manhattan, Arthur Compton, que disse à escritora Pearl S. Buck, numa entrevista de 1959, que tinham calculado as probabilidades em “ligeiramente menos de um em três milhões“.

Em 1975, Bethe negou que alguma vez tivesse existido uma probabilidade inferior a um em três milhões de incendiar a atmosfera, mas a ideia já se tinha alojado na imaginação do público. “Assim nasceram os mitos urbanos”, rematou Rhodes.

ZAP //

Deixe o seu comentário

Your email address will not be published.