Mas “novos mandados de detenção podem ou poderão ser emitidos contra ele”, uma vez que ex-presidente sírio já não é chefe de Estado.
A justiça francesa considerou esta sexta-feira que nenhuma exceção pode levantar a imunidade pessoal de um chefe de Estado, anulando assim o mandado de detenção emitido por juízes de instrução parisienses contra o ex-presidente sírio Bashar al-Assad.
No entanto, a deliberação ressalva que desde que Bashar al-Assad foi deposto em dezembro de 2024, e já não é chefe de Estado, “novos mandados de detenção podem ou poderão ser emitidos contra ele” por crimes de guerra e crimes contra a humanidade, segundo declarou o presidente do mais alto tribunal da ordem judicial francesa, Christophe Soulard, durante uma audiência pública.
Segundo o presidente do Tribunal de Cassação, o inquérito judicial aberto contra o ex-ditador sírio pode prosseguir.
Em novembro de 2023, juízes franceses emitiram um mandado de prisão por cumplicidade em crimes contra a humanidade e crimes de guerra contra Bashar al-Assad, pelos ataques químicos atribuídos ao seu regime em 2013, que mataram mais de mil pessoas.
Estes ataques ocorreram entre 4 e 5 de agosto de 2013 em Adra e Douma (provocando cerca de 450 feridos) e a 21 de agosto na região de Ghouta Oriental, onde mais de 1.400 pessoas, segundo os serviços secretos norte-americanos, foram mortas por gás sarin.
Assad não constituiu defesa para estas acusações e negou qualquer envolvimento nos ataques químicos. Em junho de 2024, o Tribunal de Recurso de Paris validou o mandado.
Porém, tanto a Procuradoria Nacional Antiterrorismo (PNAT), em primeira instância, como posteriormente o Ministério Público, apresentaram objeções, defendendo a imunidade absoluta perante tribunais estrangeiros de que beneficiam os chefes de Estado, primeiros-ministros e ministros dos Negócios Estrangeiros em funções.
Em 4 de julho, o procurador francês Rémy Heitz pediu que o mandado de prisão contra o ex-chefe de Estado sírio fosse mantido, contestando a análise do Tribunal de Recurso, que considerava que esses crimes “não podiam ser considerados como fazendo parte das funções oficiais de um chefe de Estado”.
No entanto, o procurador acabou por sugerir ao tribunal “uma terceira via”, ao excluir a imunidade pessoal de Bashar al-Assad, argumentando que, desde 2012, a França já não reconhecia o ditador como chefe de Estado legítimo da Síria, devido aos “crimes em massa” cometidos pelo “regime sírio”, o que anularia o princípio da imunidade pessoal.
O advogado das partes civis (organizações não-governamentais e vítimas), Paul Mathonnet, pediu ao tribunal que fosse possível “afastar caso a caso a imunidade pessoal”, sobretudo quando está em causa a impunidade, por exemplo no caso de ataques químicos, que são considerados como “proibidos em absoluto” no direito internacional.
O Tribunal Penal Internacional (TPI), mais vocacionado para julgar crimes de guerra e crimes contra a humanidade, não tem jurisdição sobre crimes cometidos na Síria, uma vez que o país não ratificou o Estatuto de Roma que criou o tribunal.
Outra opção seria o Conselho de Segurança das Nações Unidas, no entanto, não foi solicitada nenhuma resolução especial para intervir no caso sírio, já que países como a Rússia e a China (membros permanentes do órgão) usaram o seu poder de veto para bloquear qualquer tentativa nesse sentido e para proteger o regime de Assad.
Bashar al-Assad, que sucedeu ao pai Hafez em 2000, fugiu para a Rússia em dezembro passado, pouco antes de uma coligação rebelde jihadista tomar Damasco e pôr fim a cinco décadas de poder da família do ex-presidente.
Esteve 24 anos no poder e a sua liderança ficou marcada pela repressão de protestos pró-democracia em 2011, desencadeando uma guerra civil. O conflito provocou mais de meio milhão de mortos e obrigou à deslocação de vários milhões de pessoas.
ZAP // Lusa