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Bancos acusam Berardo de “golpe de Estado” na fundação

António Cotrim / Lusa

A CGD, o BCP e o Novo Banco, com uma exposição de quase mil milhões de euros a José Berardo, queixam-se que o seu cliente quebrou os compromissos assumidos. 

Além disso, garantem que o empresário se movimentou nos bastidores para os afastar do acesso e do controlo da única garantia com valor que receberam do investidor: o acervo de arte moderna parqueado no Centro Cultural de Belém e detido pela Associação Coleção Berardo (ACB).

Entre as iniciativas polémicas de Berardo está a realização, à revelia e sem conhecimento dos três bancos, de uma assembleia-geral que lhes restringiu os direitos e aprovou um aumento de capital que diluiu a sua posição de credores.

Os passos dados por José Berardo nos bastidores para retomar o controlo da coleção de arte moderna com o seu nome e neutralizar a posição dos bancos credores, com um penhor constituído a seu favor sobre os títulos de participação da ACB começaram em 2013. A ida do investidor madeirense ao Parlamento, onde esteve a depor no quadro da Comissão Parlamentar de Inquérito à CGD, colocou o tema na agenda mediática.

Nos últimos dias as duas mais altas figuras do Estado deixaram recados e críticas. O Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, avisou que é necessário “respeitar as instituições, a começar nas instituições do poder político”, enquanto o primeiro-ministro declarou que o país está “chocado” com o “desplante” de Berardo e que “espera” que pague as suas dívidas ao banco público.

Berardo disse que “não tinha nada” em seu nome e que as dívidas aos bancos não eram suas, pois foram contraídas, entre 2006 e 2008, pela Metalgest (a sua sociedade familiar) e pela ACB. Berardo acabou a reconhecer o que os bancos chefiados por Paulo Macedo (CGD), por Miguel Maya (BCP) e por António Ramalho (Novo Banco) consideram ser agora claro: que “dobrou” os estatutos da ACB com o propósito de os afastar do único colateral de valor, ou seja, das obras de arte da Colecção Berardo que receberam.

Em 2006, o acervo cultural estava avaliado entre 316 e 400 milhões. Os primeiros episódios que sinalizam uma exposição descontrolada de Berardo à banca, remontam a 2008, quando já eram visíveis as suas dificuldades para liquidar responsabilidades, parte substancial assumida no período da luta de poder dentro do BCP, de que foi um dos protagonistas.

Adquiriu 7% do BCP financiado pela Caixa e pelo próprio BCP, entregando as ações como garantia, conta o Público. Em 2008, a dívida de Berardo ao principal banco do sistema, a CGD aproximava-se, de 400 milhões de euros. A linha vermelha foi pisada a 16 de janeiro daquele ano, com a cotação do BCP a cair para 1,86 euros, abaixo do nível fixado pelos serviços da Caixa (de 1,87 euros) para cobertura de 100% da dívida. O BCP ainda tombou mais e chegou a valer 10% do preço inicial.

A Caixa, o BCP e o BES (agora Novo Banco), e as suas várias administrações e diferentes governos, foram sempre arrastando a decisão. Berardo teve direitos de voto no BCP, participou nas reuniões estratégicas e teve encontros com governadores do BdP.

No final de 2008, continua o jornal, a exposição da banca a Berardo situava-se em torno dos mil milhões de euros: meio por cento do PIB. A 31 de dezembro de 2008, Berardo aceitou dar mais garantias. Foi constituído um penhor, a favor da CGD (40%), BCP (40%) e Novo Banco (20%), sobre 75% dos títulos de participação emitidos pela ACB, com promessa adicional de penhor sobre os restantes 25%.

Os estatutos da ACB passaram a incluir um mecanismo de proteção dos interesses dos três credores, o que conferiu aos bancos controlo sobre as principais decisões e voto nas assembleias-gerais (AG), que teriam de lhes ser comunicadas com antecipação. As AG da ACB são consagradas como o espaço das resoluções mais importantes: contratação de dívida e venda de obras de arte.

Para garantir a observação dos estatutos, explica o Público, a CGD, o BCP e o Novo Banco indicaram o advogado João Vieira de Almeida para presidir à mesa da AG. Por proposta de Berardo, o seu advogado, André Luís Gomes, foi nomeado secretário da mesa da AG.

Nos anos seguintes, muito por força da crise que se alastrou da bolsa, à divida pública e à economia, e por atos de gestão de risco dos banqueiros, as garantias dadas por Berardo à banca mantiveram a trajetória de degradação, sem nunca dar lugar a qualquer execução. A 15 de junho de 2010, houve nova negociação para reforço dos colaterais, passando os bancos credores a ter a penhora de 100% dos títulos da ACB.

A partir de 2013, intensificaram-se as movimentações para afastar os bancos credores. Nesse ano, um cidadão anónimo, requereu junto do Tribunal a declaração de nulidade de um conjunto de normas dos estatutos da ACB acordados em 2008. A iniciativa visava eliminar os direitos estatutários da banca.

Em 2014, a CGD, BCP e Novo Banco, sobrevivem à custa de ajudas do Estado e enfrentam pressões acrescidas para executarem os grandes credores, um dos maiores era Berardo.

A 8 de março de 2016, o Tribunal da Comarca de Lisboa, atende ao pedido de cidadão anónimo e, por sentença, declara nulos os direitos dos credores negociados em 2008. O mecanismo de proteção da Caixa, BCP e Novo Banco é restringido e o investidor madeirense ganha autonomia para alterar as regras da ACB sem depender da sua opinião.

A 6 de maio de 2016, Berardo reúne a AG e modifica os estatutos com reforço das competências da administração da ACB e com perda de direitos das três instituições financeiras. A 4 de outubro de 2016, a CGD, o BCP e o Novo Banco tentam readquirir os direitos de voto na ACB ao invocar legitimidade contratual e legal para regressar aos termos acordados em 2008. A iniciativa não dá frutos.

A 12 de julho de 2017, a CGD, o BCP e o Novo Banco deram instruções para executar a penhora sobre 75% da colecção Berardo, dando preferência a um entendimento que minimize perdas para todas as partes.

Nos últimos dias, Berardo voltou a surpreender ao revelar na Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) que a Associação tinha aumentado o capital para diluir a posição de credores da CGD, BCP e Novo Banco. Os responsáveis dos três bancos disseram que “não sabiam de nada” até à presença de Berardo no Parlamento, na última sexta-feira, acusando o empresário de ter manobrado para os afastar da coleção de arte.

A Caixa, o BCP e o Novo Banco entregaram, no final do mês passado, no Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa, uma ação executiva para conseguir reaver parte do que emprestaram a Berardo.

ZAP //

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