O crescimento da violência, especialmente os tiroteios, nos Estados Unidos tem aumentado ainda mais a resistência dos Democratas aos apelos da ala progressista para cortar o financiamento à polícia.
Desde que o lema Defund The Police se tornou recorrente nos protestos do movimento Black Lives Matter que a questão do corte ao financiamento dos departamentos de polícia tem marcado a agenda política da ala progressista dos Democratas. No entanto, a liderança do partido teme que o apoio à medida possa custar votos com a escalada da violência armada nos Estados Unidos.
De acordo com o Gun Violence Archive, só este ano já ocorreram 340 tiroteios em massa no país, que resultaram em mais de 22 mil mortes. O último fim-de-semana, em que se celebrou o Dia da Independência, foi particularmente fatal, com mais de 180 vítimas mortais e 516 feridos, fruto de 14 tiroteios entre Sexta-Feira e Domingo.
Em 2020, os EUA viram um aumento de 25% nos homicídios, com mais 4000 mortes adicionais, de acordo com dados preliminares do FBI. Apesar do aumento de 3% no crime violento, houve uma descida de 10,4% nos assaltos e de 14,2% nas violações.
Esta semana, Andrew Cuomo, Governador de Nova Iorque, tomou uma medida inédita ao declarar o estado de emergência devido à violência armada e comprometeu-se a investir quase 139 milhões de dólares para reverter a tendência de aumento de tiroteios e homicídios no estado.
Pouco tempo depois de Nova Iorque superar o pico da covid-19, a violência armada aumentou 75% ou mais nas maiores cidades do estado. A decisão de Cuomo vai permitir aos responsáveis estaduais coordenar os recursos e financiar esforços das comunidades para prevenir ou responder a tiroteios.
“É uma questão de salvar vidas, e o futuro de Nova Iorque depende disso. As pessoas não voltam a esta cidade, não voltam a qualquer cidade, até saberem que estão em segurança”, afirmou Cuomo numa conferência de imprensa. Nova Iorque registou 1500 tiroteios em 2020, quase o dobro de 2019.
Patrick Sharkey, sociólogo da Universidade de Princeton, aplaudiu vários elementos do plano do governador. “Reverter o aumento da violência armada exige um investimento enorme e uma coordenação precisa de estratégias e recursos e este plano tem ambos”, acrescentando que unir os esforços num único escritório “é crucial para garantir que toda a gente está a trabalhar junta para o objectivo comum”.
Este crescimento na violência, especialmente a armada, tem várias causas: desde a ansiedade causada pela pandemia, até à crise económica, passando pela maior tensão entre as comunidades e a polícia desde os protestos em massa de 2020, explica o criminologista Richard Rosenfeld à CNN.
Progressistas apelam aos cortes à polícia
O impacto dos protestos contra a violência policial não se ficou só pelas ruas. Vários grupos de activistas e políticos da ala progressista dos Democratas, conhecida como a Squad, já manifestaram apoio à proposta de corte dos financiamentos da polícia.
Para além das acusações do racismo estrutural dentro do sistema de policiamento, uma das razões apontadas é a quantidade de dinheiro que os Estados Unidos gastam na lei e ordem em comparação com programas sociais, que actualmente é mais do dobro, de acordo com Emmanuel Saez e Gabriel Zucman, autores do livro The Triumph of Injustice.
Até à década de 80, os governos americanos gastavam aproximadamente a mesma quantidade de fundos no sistema criminal e nos programas sociais, cerca de 1% do PIB, mas essas linhas têm divergido desde então, escreve o Washington Post.
Os custos com a justiça e policiamento explodiram até 2010, quando chegaram ao pico de 2,5%, enquanto que o valor actual do investimento em políticas sociais é de apenas 0,8%. Muitas grandes cidades nos EUA gastam perto de 40% do orçamento municipal no policiamento.
A organização religiosa Comité de Serviço de Amigos Americanos aponta também a crescente militarização da polícia: “Desde 1990, o governo federal transferiu 6 mil milhões de dólares de equipamentos militares em excesso para departamentos locais”.
“As cidades dos EUA gastam 100 mil milhões de dólares por ano na polícia, enquanto investimentos na educação, saúde, habitação ou outros programas importantes não são cumpridos. Nova Iorque, por exemplo, gasta mais na polícia do que nos departamentos de Saúde, Apoio aos Sem-Abrigo, Habitação e Juventude e Desenvolvimento das Comunidades combinados”, critica a organização.
A União Americana pelas Liberdades Civis também apoia os cortes: “Gastar tantos recursos na polícia tem causado muitos danos nas comunidades. A violência policial é a principal causa de morte para homens negros: um estudo recente concluiu que um em cada 1000 pode esperar ser morto pela polícia, e especialistas em saúde pública consideram a violência policial um problema de saúde pública grave”.
Numa coluna no The Guardian, Alex S. Vitale contextualiza a situação em Minneapolis, a cidade onde aconteceu o caso de George Floyd. “Há cinco anos, a polícia de Minneapolis estava sob pressão depois de mortes de homens negros desarmados. Em resposta, o departamento adoptou reformas propostas pela administração Obama”, começa.
“Houve treinos nos preconceitos implícitos e para acalmar situações perigosas, a liderança do departamento tornou-se mais diversa, apertaram-se os critérios para usar a força, adoptaram câmaras nas fardas. Nada disso resultou. Em vez de gastarmos mais dinheiro em programas inúteis, vamos dirigir esses fundos para construir comunidades e indivíduos que não “precisem” de policiamento violento e abusivo”, concluiu o professor de Sociologia.
Membros da Squad também já manifestaram o apoio à medida. Ilhan Omar, congressista pelo Minnesota, respondeu a Obama, que considera o lema um “slogan impertinente” que dificulta a reforma policial.
Cori Bush, eleita em 2020 pelo Missouri, também criticou Obama: “Com todo o respeito, Senhor Presidente – vamos falar sobre perder pessoas. Perdemos o Michael Brown. Perdemos a Breonna Taylor. Estamos a perder os nossos amados para a violência policial”, escreveu no Twitter.
No entanto, a liderança Democrata teme que a associação à medida custe votos nas eleições intercalares do próximo ano. Um exemplo é a corrida para o Senado na Flórida, com o Republicano incumbente, Marco Rubio, que começou a campanha contra a congressista Democrata Val Demings na ofensiva, chamando-lhe uma “liberal Democrata de extrema-esquerda”.
“A congressista Demings virou as costas aos agentes da polícia para ser aceitada por activistas da esquerda radical”, acusou Rubio no USA Today. Demings, que trabalhou como polícia durante mais de 25 anos, respondeu imediatamente: “Cortar os fundos da polícia não é a resposta, e acho que já fui clara sobre isso, por isso o Marco Rubio e os seus facilitadores podem dizer o que quiserem”.
Este confronto entre Demings e Rubio pode ser apenas uma antevisão do que se espera para o próximo ano. O mesmo pode ser dito da campanha presidencial de Donald Trump, que repetidamente acusou Biden de ser controlado pela ala esquerdista dos Democratas e de apoiar a abolição da polícia, apesar do vice de Obama ser a favor do aumento dos fundos para os departamentos.
Mas os Democratas já estão a virar este ataque contra os Republicanos. O Plano de Resgate Americano, o pacote de medidas para combater a pandemia que Joe Biden implementou, incluía medidas para aumentar o financiamento da polícia. Todos os Republicanos, tanto na Câmara de Representantes como no Senado, votaram contra.
Num comunicado, o assessor da Presidente da Câmara dos Representantes escreveu que “os Republicanos na Câmara votaram contra o financiamento de que as suas comunidades precisavam para manter os agentes a trabalhar. Se os Republicanos procuram políticos que tenham votado para cortar o financiamento à polícia, só têm de se olhar ao espelho“.
Neste contexto, os Republicanos e Democratas apontam o dedo entre si sobre quem é que afinal quer cortar os fundos à polícia, enquanto que a ala progressista tenta que esse corte efectivamente aconteça. Mas a questão impõe-se: será que o corte é uma medida assim tão pouco popular entre os eleitores até ao ponto de poder custar uma eleição?
A popularidade da medida
A verdade é que a confiança dos americanos na polícia caiu depois dos vários casos de violência policial e consequentes protestos do Verão passado. De acordo com uma sondagem da consultora Gallup de Agosto de 2020, a confiança nas forças de segurança caiu cinco pontos para 48%, a primeira vez que o valor ficou abaixo dos 50%.
Outra sondagem do USA Today/Ipsos concluiu que 58% dos inquiridos são contra o movimento, tendo apenas 18% uma opinião favorável. 84% dos Republicanos opõem-se enquanto que apenas 34% dos Democratas são a favor.
Já um inquérito recente na cidade de Milwaukee, que tem sofrido com o aumento do crime, concluiu que 57% dos residentes se opõem à frase Defund The Police, incluindo 44% dos negros. Nas linhas partidárias, 48% dos Democratas são contra, assim como 84% dos Republicanos e 61% dos Independentes.
No entanto, a mesma sondagem apurou que 55% dos inquiridos apoia cortar alguns fundos dos orçamentos da polícia e usá-los em serviços sociais para ajudar os sem-abrigo ou os doentes mentais, o que sugere que o problema não é a medida em si.
Andra Gillespie, professora de ciência política na Universidade de Emory, explica ao USA Today que os números de Milwaukee reflectem o panorama nacional e o cepticismo e confusão sobre o que o slogan significa.
“Defund The Police” tornou-se muito cativante e atraiu a atenção. Mas a mensagem não foi testada. E se tivesse sido, acho que não se teria criado algo que tivesse ganho mais tracção”, remata Gillespie.
O problema é naturalmente dos suprematistas brancos.
Esta é a consequência de “delírios” (Defund the Police) e afins; interessante que muitos que fazem esta propaganda têm defesa pessoal armados — dois pesos, duas medidas?
Se abolissem a polícia, quando ligassem 911 quem é que iria socorrer as pessoas? — isto é uma pergunta retórica, claro.
Que os membros da polícia que não cumprem as regras sejam julgados, com provas, é uma coisa, agora julgar toda uma força policial é algo completamente desprovido de qualquer sentido. E o resultado está à vista. Adicionalmente, inclusive a comunidade negra quer policia a patrulhar os seus bairros — o que não é difundido.
Interessante que são nos estados Dems. que a taxa de crime tem disparado mais abismalmente — então, se nesses estados são os Dems. que têm o poder e controlam os mesmos segundo a lógica destes a criminalidade devia ser inexistente, o que não é.
Esta é uma das razões pelas quais os Dems não progressistas estão a reposicionar-se — vejamos as “cenas dos próximos episódios…”
Certíssimo
“A violência policial é a principal causa de morte para homens negros”
Errado. A violência entre homens negros é a principal causa de morte para homens negros.
E América sem tiros teria alguma grassa? Muito menos deixar enferrujar as armas que eles tanto adoram, em casa sem lhes dar trabalho! Viva a liberdade!