Colapso da civilização em 72 horas: se o apagão durasse mesmo 3 dias

Brais Lorenzo / EPA

E se os rumores fossem verdade? Da corrida inicial aos supermercados ao colapso total, eis o que aconteceria em 72 horas de escuridão, segundo especialistas em infraestruturas críticas.

Agora não passou de um grande susto e é motivo de conversa miúda. “Onde é que estavas no apagão?” começa a tornar-se uma pergunta ao nível das clássicas “onde estavas no 25 de Abril?” ou no 11 de setembro, mas quando estávamos todos às escuras e sem rede na passada segunda-feira, a atmosfera era bem diferente.

O corte de energia geral que afetou Portugal e Espanha só durou cerca de 12 horas, mas rapidamente se sentiu o pânico geral, que se refletiu nos supermercados, que foram palco de uma corrida aos enlatados e água, mas também na desinformação em massa que circulou desde cedo.

O alarme instalou-se especialmente quando começaram a circular notícias de que poderíamos ficar às escuras durante três dias, rapidamente desmentidos pela REN – Redes Energéticas Nacionais e pelas autoridades espanholas e europeias.

Aí, as opiniões dividiram-se entre o “é canja, são só 3 dias” e o “vamos já comprar atum”. Os especialistas dão razão aos últimos.

Uma interrupção total da eletricidade durante 72 horas poderia desencadear o colapso absoluto da civilização tal como a conhecemos — nos sistemas de saúde, no abastecimento de água, na distribuição de alimentos e nos serviços financeiros.

Caos: as primeiras horas sem energia

Levámos uma chapada de humildade pelas 11h30 desta segunda-feira. Lembrámo-nos à força que ficar sem energia significa ficar sem eletrodomésticos, sem Internet, sem rede para falar com outras pessoas ao telemóvel ou computador.

No pânico, pareceu por vezes que o egoísmo ordena. E o meu dinheiro? E a minha comida a estragar-se no frigorífico? E as minhas reservas de água e enlatados? Nos supermercados, vídeos mostraram pessoas a empurrar-se umas às outras para levar bem mais do que aquilo que precisavam (algumas até quiseram devolver as compras no dia seguinte).

Os hospitais já estavam a geradores; os metros e comboios estavam parados; os semáforos não funcionavam. Em breve, as falhas na comunicação e preparação seriam um prenúncio para problemas bem maiores.

Hora 12: morte começa a chegar

Meio dia passado sem energia, os geradores dos serviços prioritários, como os hospitais, começam a falhar, e a morte começa a chegar para levar os pacientes dependentes de respiradores ou máquinas de diálise. Uma das 5 mortes ligadas ao apagão desta segunda-feira envolveu precisamente uma mulher de 46 anos de Valência, que dependia de uma máquina de oxigénio para respirar.

Produtos médicos sensíveis, como o plasma e vacinas armazenadas no frio, começariam a estragar-se; alimentos frescos dos supermercados, restaurantes, cafés e centros de distribuição, que deixariam de receber combustível nos geradores, teriam o mesmo destino.

A falta de água começaria a preocupar. Edifícios sem bombas hidráulicas deixariam de receber água potável, as sanitas das casas de banho entupiriam sem água corrente, e as pessoas começariam a armazenas água nas suas banheiras.

Um dia sem energia: voltamos para as aldeias

Se ao nascer do sol de terça-feira ainda estivéssemos às escuras, chegaria o maior inimigo de qualquer trabalhador com horário regular de trabalho: o trânsito.

Imagine-se o dia após o corte geral: sem transportes públicos, sem supermercados, sem dinheiro físico, com a comida estragada e vendo os aviões em terra e comboios parados, as pessoas estão nas estradas, que já estão completamente congestionadas numa tentativa desesperada de fugir das cidades. E o governo começou a mobilizar o exército para impor a ordem nas ruas.

Rumo às aldeias, onde aqueles com poços e pequenas plantações conseguem aguentar-se um pouco melhor — por agora.

48 horas: violência e lei marcial

Os hospitais colapsaram. As farmácias começaram a ser saqueadas porque não há medicamentos básicos disponíveis como insulina, antibióticos, analgésicos. Idosos e doentes em casa começaram a morrer nas suas residências.

As autoridades, confrontadas pela inesperada queda das telecomunicações, não se conseguiu coordenar. As pessoas, desesperadas, estão nas ruas a protestar e, sem dinheiro disponível — e com a ajuda do facto de não haverem câmaras de segurança ou alarmes — começaram a saquear as lojas e os demais estabelecimentos.

Hora 72: o colapso total

Passaram 3 dias, e as cidades estão inabitáveis. Sem água, sem comida, sem transporte nem serviços sanitários, a população deslocou-se em massa para o campo. Sem controlo e ordem social, a violência aumentou exponencialmente.

Voltámos à Idade da Pedra, compara a especialista em redes e gestão de recursos Sangeetha Abdu Jyothi, da Universidade da Califórnia, à conversa com o El Confidencial sobre o cenário hipotético.

“Se não tivermos eletricidade, basicamente voltaremos à Idade da Pedra. Especialmente com o tipo de densidade populacional que temos nas grandes cidades. Nem consigo imaginar o que aconteceria se ocorresse um evento em grande escala”, disse Jyothi, em alusão aos eventos extremos documentados Carrington e Miyake, relacionados com a atividade solar, capazes de afetar gravemente a tecnologia moderna, especialmente as redes elétricas e de comunicações.

O exemplo dos eventos Carrington e Miyake

O Evento Carrington foi a mais poderosa tempestade solar geomagnética já registada. Ocorreu em 1 e 2 de setembro de 1859, quando uma ejeção de massa coronal do Sol atingiu a Terra após uma erupção solar extremamente intensa.

As auroras boreais foram visíveis em latitudes tão a sul como o Caribe e o Sul de Espanha; os telégrafos, principal meio de comunicação à época, deixaram de funcionar; alguns sistemas funcionaram mesmo sem estarem ligados, por causa às correntes geomagnéticas induzidas.

Se acontecesse hoje um evento destes, estaríamos perante um blackout elétrico em massa de dias ou semanas; os satélites sofreriam, afetando os GPS, meteorologia, telecomunicações e a navegação aérea; a Internet e (desta vez) a rádio seriam perturbadas.

Já os eventos Miyake são picos súbitos e intensos de radiação cósmica registados nas árvores (através do aumento de Carbono-14) e nos gelos polares (através de Berílio-10 e Cloro-36). O primeiro foi identificado em 2012 por Fusa Miyake. Ao contrário dos Carrington, nunca foram observados diretamente, mas os seus efeitos ficaram para sempre gravados nos anéis das árvores. Suspeita-se que possam ter sido causados por explosões solares extremas ou raios cósmicos galácticos, com magnitudes várias vezes superiores à de 1859.

Hoje, destruiriam possivelmente toda a infraestrutura tecnológica global e satélites.

Se a operadora da rede elétrica espanhola garante que o apagão “não vai voltar a acontecer”, especialistas dizem o contrário. “Vai repetir-se nos próximos meses, avisou esta terça-feira Carlos Cagigal, especialista espanhol em energia elétrica, no programa La Sexta Al Rojo.

Tomás Guimarães, ZAP //

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