Ataque a Alcochete foi como “marcha de um pelotão de guerra”, recorda Jesus

Mario Cruz / Lusa

O antigo treinador do Sporting comparou o ataque à academia de Alcochete à “marcha de um pelotão de guerra”, relatando que levou um soco na cara e com um cinto e que o balneário “parecia um filme de terror”.

Jorge Jesus foi ouvido por videoconferência, a partir do Tribunal de Almada, distrito de Setúbal, na 17.ª sessão do julgamento da invasão à academia leonina, em Alcochete, que decorre no Tribunal de Monsanto, em Lisboa, e que tem 44 arguidos.

Depois do ataque, o então presidente do clube, Bruno de Carvalho, chegou ao balneário da academia na companhia de André Geraldes, ex-team manager do Sporting.

“Bruno de Carvalho falou comigo. Disse-me que gostava de falar com os jogadores e eu disse: ‘não há condições, os jogadores não querem falar consigo'”, contou o antigo treinador dos leões, atualmente no Flamengo.

O técnico relatou que o grupo, entre 20 a 40 pessoas, se dirigiu, inicialmente, ao campo de treino e disse “está ali o mister” e encaminhou-se para o edifício da ala profissional, onde o plantel estava, no balneário, pois “queriam era os jogadores”. “Apareceram todos a correr. Parecia marcha de um pelotão de guerra“, descreveu Jesus, ao coletivo de juízes.

O treinador explicou que “também começou a correr” para o balneário, sublinhando que os “últimos quatro elementos da invasão” vinham separados do grupo inicial e de cara destapada, entre os quais estava Fernando Mendes, um dos arguidos e antigo líder da claque Juventude Leonina, a quem Jorge Jesus pediu ajuda.

“Esses quatro, não sei porquê, vinham atrás. Encontro esses quatro indivíduos separados do grupo e peço ajuda. Ainda não tinha entrado no edifício da ala profissional e peço ajuda para ele tentar impedir que aquilo pudesse acontecer, mas ele diz ‘não posso fazer nada, não posso fazer nada’. Naquela altura, já estão quase todos na cabine. Quando entro na ala profissional, vejo muito fumo, muitos gritos. Não consigo chegar à cabine, sou agredido, tento reagir à agressão e tento ir atrás do agressor”, explicou o treinador.

No momento em que todos os elementos já estão a sair, Jesus diz que foi novamente agredido, desta vez na cara. “Ele dá-me um soco na cara, começo a sangrar do nariz, e ele começa a correr. O William, o Petrovic, viram-me a sangrar”, disse o técnico.

Jorge Jesus não viu o que se passou no balneário, acrescentando que o ataque demorou entre cinco e dez minutos. “Foi entrar, bater, mandar tochas e sair”, declarou. Após o ataque, quando entrou no balneário, viu um cenário de destruição.

“Parecia um filme de terror. No balneário, estava tudo virado ao contrário. Jogadores super desequilibrados, a chorar, vi o Bas Dost a chorar, e todos os outros estavam sem saber muito bem o que tinha acontecido. Estavam revoltados, como eu estava. Aquilo estava tudo virado ao contrário. Os bancos, as marquesas, muitas coisas no chão”, descreveu.

Relação com Bruno de Carvalho “não era assim tanta”

Na mesma sessão do julgamento, o treinador do ‘Fla’ assumiu que a relação com o ex-presidente do clube “não era assim tanta” para falarem muitas vezes, mas que também “não dava muitas hipóteses” para que isso acontecesse.

Jesus contou que “houve um confronto verbal entre os capitães da equipa [Rui Patrício e William Carvalho] e Bruno de Carvalho” na reunião de 7 de abril de 2018, dois dias após a derrota com o Atlético de Madrid, e o post publicado no Facebook pelo antigo presidente do clube, a criticar os jogadores.

Jesus revelou que Bruno de Carvalho tentou avançar com processos disciplinares contra os atletas, depois de um post publicado pelos jogadores, em resposta ao seu, no qual deu indicações para que no jogo diante do Paços de Ferreira, a 8 de abril, jogasse a equipa B.

“Não falou muito diretamente comigo, a nossa ligação não era assim tanta para falarmos tantas vezes, nem eu dava muitas hipóteses. Na véspera do jogo com o Paços de Ferreira, faço a convocatória e jogaram os jogadores que achava que deviam jogar”, explicou Jesus que, nesse jogo, apresentou a equipa principal.

O técnico foi questionado sobre a reunião de 14 de maio de 2018, véspera do ataque e um dia depois da derrota do Sporting contra o Marítimo, que significou a perda do segundo lugar do campeonato para o Benfica e levou à troca de palavras entre jogadores e elementos da claque Juventude Leonina, primeiro no relvado e depois no Aeroporto do Funchal.

O treinador referiu que a equipa técnica foi, nesse dia, convocada para uma reunião no Estádio José de Alvalade, na qual esteve presente Bruno de Carvalho e mais três administradores da SAD.

“O que pensámos é que íamos ser todos despedidos. Quando chegámos à reunião, estava o presidente, e três elementos da direção. Só ele [Bruno de Carvalho] é que falou comigo. A primeira intervenção dele, nunca mais me esqueci, foi que tinha chegado o fim da linha, a minha continuidade. Foi apresentando os argumentos dele, falou, falou, nunca respondi. Lembro-me que ele me perguntou se eu não tinha nada para dizer e eu disse: ‘só estou aqui para ouvir'”, relatou Jorge Jesus.

Nessa conversa, acrescentou o técnico, Bruno de Carvalho explicou que os advogados do Sporting iam tratar da “nota de culpa”, mas que não sabia muito bem quanto tempo é que isso iria demorar, razão pela qual devia estar à espera de receber a notificação.

Face a esta indecisão, Jesus referiu que foi o dirigente que pediu para que o treino do dia seguinte, dia do ataque, passasse de manhã para a tarde.

“Então ele disse que o treino tinha de passar para a tarde. Falei com o Vasco Fernandes e passámos o treino para a tarde. Disse a um dos meus adjuntos para, no dia seguinte, ir então à frente, para ver se podíamos entrar na academia entre o meio dia e pouco e a uma hora”, relatou.

Ainda nessa reunião, Bruno de Carvalho contou que falou com Fernando Mendes “até às sete da manhã” desse dia, na sequência do que se tinha passado no dia anterior. “Disse que estava uma grande confusão na casa dele, que aquilo foi até às sete da manhã, que tinha falado com o Fernando Mendes, que ele é que desbloqueou tudo e que nós não sabíamos o que é que estava a ser preparado“, referiu Jesus, sem concretizar a que o antigo presidente se referia.

Fernando Mendes foi um dos elementos que esteve no Aeroporto do Funchal a confrontar os jogadores do Sporting, quando estes se preparavam para embarcar. Jesus disse ao coletivo de juízes o que ouviu o ex-líder da claque dizer: “No primeiro dia de treino, vamos lá estar”.

Questionado pela presidente do coletivo de juízes se Fernando Mendes lhe pediu autorização para ir à academia ou se falou mais alguma coisa com o arguido, a testemunha foi clara. “Só falei com esse senhor no dia da invasão”, assegurou.

ZAP // Lusa

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