Prestes a enfrentar o terceiro ano da invasão russa, a Ucrânia prepara uma nova fase da guerra, tentando manter vivo o apoio ocidental e alargar a sua frente diplomática, enquanto investe numa indústria de defesa a longo prazo.
Sem avanços de relevo no terreno há meses, e com as partes concentradas na divulgação de proezas diárias nas suas investidas aéreas, a Ucrânia procura colmatar a escassez do seu arsenal e os impasses no envio de ajuda dos seus dois maiores aliados, Estados Unidos e União Europeia (UE).
Para tal os ucranianos estão a recorrer à produção própria de armamento, não só para sobreviver no imediato à agressão russa, mas com a meta de ser autossuficiente e uma potência a longo prazo.
“Os Estados Unidos não precisarão de enviar grande ajuda de segurança à Ucrânia indefinidamente se a Ucrânia conseguir produzir as suas armas”, sustenta um relatório divulgado na última semana pelo Instituto para os Estudos da Guerra, ISW, um ‘think tank’ com sede em Washington.
A Ucrânia poderia tornar-se num “centro de produção de armas modernas na Europa”, através da cooperação com a indústria internacional, como já sucede com pelo menos dez parcerias europeias, declarou em junho Denys Shmyhal, o primeiro-ministro ucraniano, e ultrapassar não só as suas necessidades próprias de mísseis, projéteis e munições, como abastecer a escassez global.
“As perspetivas da Ucrânia de sustentar as suas forças militares com assistência limitada a longo prazo são excelentes. A Ucrânia é fortemente industrializada, com uma população altamente qualificada e tecnicamente sofisticada. Teve uma enorme indústria de armas durante o período soviético e continuou a ser um importante exportador de armas após a independência”, assinala o documento do ISW.
De acordo com o Presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, a Ucrânia produziu três vezes mais equipamentos e armas em 2023 em comparação com ano anterior, e a estatal Ukroboronprom (Indústria de Defesa Ucraniana) aumentou sua produção em 62 por cento.
No entanto, adverte o documento, para se tornar autossuficiente e tornar-se num “arsenal do mundo livre” a Ucrânia precisa no imediato de conter as investidas da Rússia, que voltou a ter a iniciativa total na guerra, com exceção da região Kherson, e depois recuperar os territórios ocupados em Zaporijia (sul) e parte do Donbass, no leste, onde se encontra a sua capacidade extrativa de recursos e a indústria relacionada.
Este objetivo ficou comprometido, na contraofensiva ucraniana no segundo semestre de 2023, por “entregas de equipamento insuficientes e mal cronometradas” dos aliados, afirma o ISW, contra “uma melhoria militar” da Rússia, que terá aprendido com os seus erros e aumentou a sua capacidade de reposição de combatentes e de ‘stocks’ de mísseis e ‘drones’.
Aproveitando a insuficiência de munições da defesa antiaérea da Ucrânia, a Rússia fustigou as principais cidades e infraestruturas ucranianas com uma violência sem precedentes desde o início da invasão, em 24 de fevereiro de 2022, e prepara, por sua vez, um aumento de 67,6% para a defesa no período 2024-26, um terço da despesa total e um valor recorde e que supera pela primeira vez os gastos sociais.
Apesar disso, a Ucrânia, dotada de grande capacidade de inovação e de integração dos sistemas soviéticos e da NATO, além de pioneira no desenvolvimento de armas de guerra eletrónica e de ‘drones’, “tem a oportunidade de se manter sozinha no futuro se for decisivamente fortalecida agora”, conclui o ISW.
Nos últimos meses, face à escassez de armamento e diminuição da ajuda internacional ao seu esforço de guerra, a Ucrânia tem acrescentado ao seu arsenal armamento improvisado, construído a partir de “restos” de armas soviéticas e dos EUA.
Atenções divididas e um “balão de oxigénio”
Com as atenções disputadas pela guerra entre Israel e o Hamas e os novos conflitos emergentes no Médio Oriente, Kiev conseguiu ganhar protagonismo nos primeiros instantes do Fórum Económico Mundial, no início da semana.
Na reunião de Davos, os Alpes suíços serviram de cenário para reuniões ao nível de conselheiros de segurança nacional de 83 países envolvidos nas discussões sobre a fórmula de paz do Presidente ucraniano, mas nenhum deles é a Rússia. Nem a China, cuja presença Kiev considera indispensável, mas que, para já, se demarcou da iniciativa, que pode evoluir para um formato de cimeira global.
As abordagens à paz, quer de Zelensky, quer do Presidente russo, Vladimir Putin, continuam a sustentar-se numa derrota total dos respetivos adversários, quando a frente de combate em terra parece “congelada” e o Kremlin procura saturar as forças de Kiev, cujas investidas aéreas continuam, todavia, a provocar perdas severas na frota do Mar Negro e na aviação de Moscovo e a lançar o alarme nas regiões russas próximas da fronteira.
Na passada terça-feira, durante uma visita a Moscovo da chefe da diplomacia da Coreia do Norte, um estado quase pária a que em troca de armamento o Kremlin tenta dar a respeitabilidade internacional que nunca teve, Putin afirmou que qualquer processo de negociação é uma tentativa de encorajar a Rússia “a abandonar os ganhos que obteve no último ano e meio”, assegurando: “É impossível”.
No mesmo registo e em simultâneo, o Presidente ucraniano reiterou em Davos a importância de derrotar a Rússia e observou que Putin não mudará em relação aos seus objetivos maximalistas, comentando que todas as tentativas de restaurar a paz falharam dois anos após o início da invasão das tropas de Moscovo e dez depois da anexação ilegal da Crimeia e do levantamento pró-russo no Donbass.
Face ao alarme de uma possível derrota militar e do impasse em Washington e Bruxelas, vários parceiros têm reforçado o seu apoio à Ucrânia.
O primeiro-ministro britânico, Rishi Sunak, visitou a capital ucraniana em 12 de janeiro, onde declarou a promessa do aumento da ajuda para 2,5 mil milhões de libras (cerca de 2,9 mil milhões de euros) em 2024, sinalizando a “gravidade da situação”: um “balão de oxigénio” de que Zelensky precisava que o deixou “mais otimista” em relação ao apoio ocidental.
A maioria republicana no Congresso dos EUA continua a bloquear um pacote de ajuda solicitado há meses pelo Presidente Joe Biden avaliado em 56 mil milhões de euros e a Casa Branca declarou entretanto que a ajuda “parou por completo”, enquanto, na UE, a Hungria tem persistido no veto da transferência de 50 mil milhões de euros para Kiev.
A França prepara-se, por sua vez, para anunciar uma ajuda semelhante, tendo já assumindo o compromisso de envio de 40 mísseis de longo alcance Scalp e “centenas de bombas” para Kiev, onde é esperado em fevereiro o Presidente francês, Emmanuel Macron,.
A Alemanha, por seu turno, numa declaração conjunta com Paris, reiterou o seu apoio no tempo que for necessário, mas não autorizou ainda os seus mísseis de cruzeiro Taurus, amplamente solicitados pelas forças ucranianas.
Ainda no capítulo do apoio, 2024 é ano de eleições presidenciais nos Estados Unidos e um regresso do republicano Donald Trump à Casa Branca poderá representar o fim da ajuda do maior parceiro bilateral de Kiev – com 44,2 mil milhões de dólares (40,3 mil milhões de euros), em ajuda financeira e militar, segundo o Departamento de Estado, desde o inicio da guerra – e da própria NATO.
“Se 2024 nos trouxer novamente a ‘América em primeiro lugar’, lema de Trump, será mais do que nunca a Europa por si só”, advertiu no parlamento Europeu Alexander De Croo, primeiro-ministro da Bélgica, país que exerce a presidência semestral rotativa da UE, desafiando para que a Europa não receie esse cenário e que “o assuma”.
ZAP // Lusa
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