A canábis é uma das drogas mais consumidas no mundo. No entanto, ainda há muito que não sabemos sobre ela e sobre os efeitos que tem no cérebro — incluindo a razão pela qual a canábis desencadeia psicose em algumas pessoas que a consomem.
Um recente estudo, publicado na revista Molecular Psychiatry, acaba de nos aproximar da compreensão do impacto biológico do consumo de canábis de alta potência.
A investigação, realizada por Marta Di Forti, Cientista Clínica do Colégio do Rei de Londres e Emma Dempster, Professora Sénior de Ciências Clínicas e Biomédicas, da Universidade de Exeter, demonstra que a canábis de alta potência deixa uma marca distinta no ADN.
“Descobrimos também que estas alterações no ADN eram diferentes nas pessoas que sofriam o seu primeiro episódio de psicose, comparativamente com os consumidores que nunca tinham sofrido de psicose. O que sugere que a análise da forma como o consumo de canábis modifica o ADN pode ajudar a identificar as pessoas com maior risco de desenvolver psicose”, explicam as cientistas.
A quantidade de THC, o principal ingrediente da canábis que faz com que as pessoas se sintam “pedradas”, tem vindo a aumentar constantemente desde os anos 90 no Reino Unido e nos EUA. No Colorado, onde a droga é legal, é possível comprar canábis com 90% de THC.
Embora o THC seja uma das mais de 144 substâncias químicas presentes na planta da canábis, é o principal composto utilizado para estimar a potência da canábis.
Muitos estudos demonstraram que quanto maior a concentração de THC, mais fortes são os efeitos no consumidor. Por exemplo, a investigação revelou que as pessoas que consomem diariamente canábis de alta potência (com THC igual ou superior a 10%) têm cinco vezes mais probabilidades de desenvolver uma perturbação psicótica do que as pessoas que nunca consumiram canábis.
As perturbações psicóticas associadas ao consumo diário de canábis de alta potência manifestam-se frequentemente através de uma série de sintomas, que podem incluir alucinações auditivas, delírios de perseguição e paranoia. Todas estas experiências são muito angustiantes e incapacitantes.
Segundo o Science Alert, o estudo teve como objetivo explorar a marca que o consumo atual de canábis deixa no ADN. “Queríamos também perceber se esta marca é específica do consumo de canábis de alta potência — e se isso pode ajudar a identificar os utilizadores que correm maior risco de sofrer de psicose”, explicam as cientistas.
Para o efeito, “examinámos os efeitos do consumo de canábis num processo molecular denominado metilação do ADN”, acrescentam. A metilação do ADN é um processo químico que regula a atividade genética, ligando ou desligando genes e controlando a forma como os genes são expressos sem alterar a estrutura do próprio ADN.
O estudo combinou dados de dois grandes estudos de caso-controlo: o estudo Genetic and Psychosis, realizado no sul de Londres, e o estudo EU-GEI, que incluiu participantes de Inglaterra, França, Países Baixos, Itália, Espanha e Brasil.
Ambos os estudos recolheram dados sobre pessoas que tiveram o seu primeiro episódio de psicose e sobre participantes que não tinham problemas de saúde e que representavam a população local.
No total, foram analisadas 239 pessoas que estavam a viver o seu primeiro episódio de psicose e 443 voluntários saudáveis. Cerca de 65% dos participantes eram do sexo masculino. A idade dos participantes variava entre os 16 e os 72 anos. Todos forneceram informações sobre o seu consumo de canábis, bem como amostras de ADN do seu sangue.
Cerca de 38% dos participantes consumiam canábis mais do que uma vez por semana. Dos que tinham consumido canábis, a maioria tinha consumido canábis de alta potência mais de uma vez por semana — e tinha começado quando tinha cerca de 16 anos.
Foram então efetuadas análises da metilação do ADN em várias partes de todo o genoma. A análise teve em conta o impacto potencial de vários fatores de confusão biológicos e ambientais que podem ter afetado os resultados — como a idade, o sexo, a etnia, o tabagismo e a composição celular de cada amostra de sangue.
O estudo revelou que o consumo de canábis de alta potência altera a metilação do ADN — particularmente nos genes relacionados com as funções energéticas e do sistema imunitário. Isto verificou-se nos participantes que tinham consumido canábis de alta potência. No entanto, as pessoas que tinham sofrido psicose apresentavam uma assinatura diferente de alteração no seu ADN.
Estas alterações epigenéticas mostram como fatores externos (como o consumo de drogas) podem alterar o funcionamento dos genes. De referir que estas alterações não foram explicadas pelo tabaco — que é normalmente misturado nos charros por muitos consumidores de canábis e que é conhecido por alterar a metilação do ADN.
Esta investigação também destaca as alterações epigenéticas como uma potencial ligação entre a canábis de alta potência e a psicose. A metilação do ADN, que faz a ponte entre a genética e os fatores ambientais, é um mecanismo fundamental que permite que influências externas tenham impacto na atividade dos genes.
Ao estudar as alterações epigenéticas, os investigadores poderão desenvolver uma melhor compreensão do modo como o consumo de canábis — em especial os tipos de elevada potência — pode influenciar vias biológicas específicas. Isto pode, por sua vez, “ajudar-nos a compreender por que razão alguns consumidores de canábis correm um risco acrescido de psicose”, afirma as cientistas.