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A alheira não é de Mirandela. E a melhor do mundo é de Vinhais

ZAP

Alheiras produzidas no concelho de Vinhais

Grande parte do país andará, há anos, a pensar que a alheira de Mirandela teve mesmo origem em Mirandela… Pois, desenganem-se. A verdadeira história das alheiras vai muito além da Terra Quente.

A origem da alheira remonta aos tempos da Inquisição portuguesa (1536-1821).

Para evitar suspeitas de que não consumiam carne de porco, os judeus criaram aquele enchido singular, convencendo o resto da população de que tinha carne de porco “lá para o meio”, quando, na realidade, não tinha.

Ao longo dos anos, o enchido foi adotado e adaptado pelas populações cristãs, que começaram a meter outros tipos de carne, na tripa, incluindo a de porco.

A origem da alheira ficou ligada, principalmente, às aldeias e localidades do nordeste transmontano (nomeadamente nos concelhos do distrito de Bragança), onde muito judeus se refugiaram, durante a Inquisição.

As alheiras atingiram fama nacional, quando começaram a ser enviadas para outros pontos do país. A partir de onde? De Mirandela.

Mesmo que grande parte das alheiras exportadas não fosse fabricada em Mirandela, era a partir daquela estação de comboios – a mais importante do distrito de Bragança – que era enviada para o resto do país.

Por levar o selo da Estação de Mirandela, o enchido transmontano começou a ficar conhecido como “alheira de Mirandela”.

Apesar de, com o passar dos anos, a cidade ter criado a fama, a origem da alheira não é Mirandela. O mesmo aconteceu, por exemplo, com o “vinho do Porto” que não era mesmo do Porto, apesar de ser exportado da cidade Invicta.

“[A alheira de Mirandela] é como o vinho do Porto. O Porto não tem vinhos. O vinho fino saía de Freixo de Espada-à-Cinta, São João da Pesqueira, Régua. Só que ele, quando ia para fora, era carregado em Gaia, na foz do Douro e era dali que levava o selo do Porto”, disse, em 2016, ao Sol, o presidente da Associação Comercial e Industrial de Mirandela.

Mirandela soube, no entanto, aproveitar a fama e a ótima localização para produzir alheiras, tendo-se tornado, assim, um centro de distribuição de alheiras para o mundo.

Hoje, a “alheira de Mirandela” é a principal imagem de marca daquela região transmontana, apesar de a melhor alheira pertencer a um concelho “rival”.

Alheira de Vinhais – a melhor do mundo

Pelo segundo ano consecutivo, a alheira de Vinhais foi distinguida, pela Taste Atlas, como o melhor enchido do mundo.

A alheira de Mirandela aparece logo em segundo lugar neste ranking, com a Boerewors da África do Sul a fechar o pódio.

Taste Atlas

Alheiras de Vinhais, eleito melhor enchido do mundo. Alheira de Mirandela ficou na 2.ª posição

“Cria a fama e deita-te na cama”

Nos tempos em que havia comboio no distrito de Bragança, era a posição geográfica de Mirandela que facilitava o comércio e a circulação dos produtos.

Mirandela soube aproveitar o facto de estar mais bem localizada, comparativamente a outras localidades que também produziam alheiras, mas nunca tiveram a mesma projeção.

Corrupção? “Band’alheira?”

Recentemente, Luís de Sousa, cientista político do Instituto de Ciências Sociais (ICS) da Universidade de Lisboa e mirandelense, contou ao Diário de Notícias, a verdadeira história das alheiras de Mirandela e como eram usadas para corromper.

O especialista em política começou por explicar algo que aprendeu desde muito novo: Mirandela – “Terra Quente” – é um mau sítio para produzir alheiras.

“A alheira de Mirandela não era feita em Mirandela. Mirandela é um vale fechado extremamente quente no verão, algumas vezes com temperaturas superiores a 40 graus, e muito frio no inverno. ‘Nove meses de inverno, três de inferno’. A alheira não era feita em Mirandela, era feita à volta de Mirandela, nas terras mais altas”, com mais condições para a produção deste enchido.

“O que Mirandela tinha era a estação de comboios, que levava as alheiras da região para todo o lado. As alheiras só são de Mirandela porque ali havia um entreposto comercial“, atesta.

Quanto à corrupção: Luís de Sousa explicou que os transmontanos faziam questão de enviar “inúmeras caixas de alheiras” para os governantes e gente importante, para que não esquecessem a região.

“As caixas chegavam à mesa de muitos deputados e diretores de serviço. [Nisso, os transmontanos] são brutais. Não há hipótese: nunca vão de mãos vazias, aquilo é um investimento contínuo”.

“Vai-se pondo manteiga, vai-se adoçando e eventualmente, numa ocasião qualquer no futuro, pode-se sentir a necessidade de pedir um favor. É um investimento, capital social negativo”, explicou o espacialista.

No léxico da ciência política, refere Luís de Sousa, o nome técnico deste fenómeno é: “corrupção não transativa” ou “corrupção paroquial”.

Miguel Esteves, ZAP //

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