Porque uma espécie humana antiga não tem nome científico — e qual seria, se tivesse

Maayan Harel

Um grupo extinto de humanos que outrora esteve amplamente distribuído pela Ásia não têm um nome científico oficial. Parte da razão é arqueológica, e parte é uma questão legal.

Os Denisovanos, um grupo humano extinto que outrora povoou grande parte da Ásia, continuam a carecer de um nome científico oficial mais de uma década após a sua descoberta.

A ausência de designação científica como espécie resulta de uma complexa intersecção entre as evidências arqueológicas e as regulamentações taxonómicas que governam a forma como classificamos humanos antigos, explica a New Scientist.

Primeiro identificados em 2010 a partir de um fragmento de osso de dedo encontrado na Caverna de Denisova nas Montanhas Altai da Sibéria, os Denisovanos são uma das descobertas paleontológicas mais significativas das últimas décadas.

A análise de ADN revelou que não eram nem Homo sapiens nem Neandertais, mas um grupo distinto que se cruzou com os nossos antepassados.

Atualmente, muitas pessoas, particularmente no Sudeste Asiático e na Melanésia, são portadoras de material genético Denisovano, confirmando que estes humanos antigos estiveram outrora amplamente distribuídos pela Ásia oriental.

O Desafio Taxonómico

A ausência de um nome oficial de espécie deriva de convenções científicas rigorosas de nomenclatura que exigem descrições físicas detalhadas de espécimes, não apenas evidências genéticas.

O ADN Denisovano afasta-se dos Neandertais tanto quanto o ADN Neandertal difere do Homo sapiens – o que sugere que merecem estatuto de espécie. No entanto, as regras taxonómicas exigem uma análise esquelética abrangente, que tem sido difícil de obter até recentemente.

Em junho deste ano, dois estudos liderados pela paleontóloga Qiaomei Fu encontraram evidências moleculares que permitiram a identificação do crânio do “Homem Dragão” de Harbin, no Norte da China, como sendo Denisovano.

Esta foi a primeira vez que os investigadores tiveram acesso a um rosto Denisovano completo, o que permitiu um avanço significativo na compreensão da sua aparência física.

Outros fósseis Denisovanos entretanto identificados incluem um maxilar do planalto alto do Tibete e outro do canal Penghu de Taiwan, ambos identificados através de proteínas preservadas.

Os investigadores estão agora a trabalhar para identificar quais dos numerosos fósseis misteriosos de hominídeos asiáticos poderão ser Denisovanos.

Um estudo conduzido em 2024 por uma equipa liderada por Xijun Ni, investigador da Academia Chinesa de Ciências, analisou 57 fósseis de hominídeos, revelando três grupos distintos entre hominídeos eurasiáticos: humanos modernos, Neandertais, e um terceiro nicho, que inclui restos Denisovanos confirmados juntamente com espécimes previamente não classificados.

Este terceiro grupo engloba possivelmente fósseis encontrados em Hualongdong, no Sul da China, incluindo um crânio quase completo com 300.000 anos com 14 dentes, bem como o antigo crânio Dali e esqueleto parcial Jinniushan, ambos com aproximadamente 260.000 anos.

Contudo, continua a haver desacordo entre os investigadores sobre que fósseis pertencem verdadeiramente à linhagem Denisovana.

A Controvérsia da Nomenclatura

Nos últimos anos, várias propostas foram surgindo para designar os Denisovanos como espécie.

Em 2021, os investigadores que descobriram o crânio do “Homem Dragão” de Harbin propuseram a designação Homo longi. Por seu turno, os antropólogos Christopher Bae e Xiujie Wu sugeriram, com base nos fósseis encontrados no sítio arqueológico de Xujiayao, no norte da China, o nome de “Homo juluensis”.

Esta última proposta enfrenta desafios, já que os seus proponentes excluíram o crânio Harbin da sua definição de espécie.

Anatoly Derevianko, o arqueólogo que originalmente descobriu os primeiros fósseis na Caverna de Denisova, propôs o nome de “Homo sapiens denisovan“. Outras designações propostas incluem “Homo denisovensis“, “Homo denisensis“, e “Homo sapiens altaiensis“.

Contudo, a maioria destas propostas carece das descrições formais adequadas exigidas pelas regras taxonómicas.

Prioridade e Precedência

A nomenclatura taxonómica segue normalmente o princípio de “primeiro a chegar, ganha o lugar” — o que dá a “Homo longi” vantagem potencial, já que o nome foi proposto três anos antes de “Homo juluensis“.

Os investigadores pesquisaram também se publicações mais antigas e obscuras poderiam conter nomes válidos para fósseis asiáticos que poderiam revelar-se Denisovanos, mas não encontraram espécimes adequadamente descritos que ganhassem precedência.

A crescente coleção de fósseis Denisovanos identificados aproxima os cientistas de fornecer a descrição abrangente de espécie que é exigida para reconhecimento taxonómico oficial.

Embora o crânio Harbin tenha fornecido características faciais cruciais, os investigadores ainda precisam de um esqueleto completo, que é necessário para uma análise morfológica minuciosa.

O processo de identificação permanece desafiante, porque requer ADN ou proteínas preservadas para confirmação molecular, que muitos espécimes antigos carecem.

Contudo, técnicas analíticas cada vez mais avançadas continuam a revelar novos espécimes Denisovanos, preenchendo gradualmente lacunas na nossa compreensão das suas características físicas e distribuição geográfica.

Assim, enquanto a comunidade científica se move em direção ao consenso sobre quais fósseis representam Denisovanos e que nome deveria tomar prioridade taxonómica, estes humanos antigos estão cada vez mais perto de receber a sua designação oficial de espécie — que há muito lhes é devida.

Independentemente do seu eventual nome científico, os Denisovanos já garantiram o seu lugar como uma peça crucial no puzzle da evolução humana, representando um grupo humano sofisticado que se adaptou com sucesso a diversos ambientes asiáticos durante centenas de milhares de anos.

Armando Batista, ZAP //

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