Militares afirmam ter descoberto 8km de túneis, só no bairro de Jabalia. No sul do enclave, dois jornalistas foram mortos num bombardeamento neste domingo.
As forças israelitas anunciaram na noite deste sábado que destruíram a estrutura do Hamas a norte da Faixa de Gaza, e que os membros do grupo radical islâmico que restaram na região agora “agem sem comandante”.
Apenas no bairro de Jabalia, a norte da Faixa, os militares alegam ter encontrado 8 km de túneis subterrâneos com 40 acessos.
O porta-voz do Exército, Daniel Hagari, não descartou a possibilidade de combates e disparos esporádicos de foguetes em direção a Israel, mas disse que os militares agora devem focar-se as suas ações no centro e sul do enclave — onde está refugiada, em condições precárias, a maioria dos pouco mais de 2 milhões de habitantes do enclave palestiniano.
Nas últimas semanas, Israel foi diminuindo a sua atuação no norte de Gaza e intensificando as investidas no centro e no sul.
Este fim de semana, a contagem do Escritório das Nações Unidas para a Coordenação de Assuntos Humanitários aponta para mais 225 palestinianos mortos e quase 300 feridos devido aos ataques israelitas na Faixa de Gaza.
Mais dois jornalistas mortos
Um bombardeamento perto da cidade de Rafah, sul do enclave, matou dois jornalistas este domingo. Um deles é Hamza Dahdouh, filho mais velho do correspondente da Al Jazeera Wael Dahdouh, segundo informou o veículo catari.
Desde o início da guerra Israel-Hamas, Dahdouh perdeu a mulher, dois filhos e um neto. A outra vítima, Mustafa Thuria, colaborava com as agências de notícias AFP, AP e Reuters.
Segundo a AFP, Thuria e Dahdouh estavam num carro a caminho de Rafah para registar danos de um bombardeamento. Ao deixarem a área, o carro em que estavam teria sido bombardeado.
A Al Jazeera condenou o episódio e acusou Israel de “violar os princípios da liberdade de imprensa”. A ONG Repórteres Sem Fronteiras também lamentou as mortes. O Exército israelita ainda não tinha comentado o caso.
O Comité para Proteção dos Jornalistas (CPJ) afirma que o conflito, que completou três meses neste domingo, já matou pelo menos 77 profissionais de imprensa.
Também este domingo, a organização Médicos Sem Fronteiras anunciou a saída da equipa e familiares do hospital al-Aqsa, na cidade de Deir al-Balah, região central da Faixa de Gaza. A decisão foi tomada face à orientação do Exército israelita a civis para que evacuem a região.
“É com a consciência pesada que temos de evacuar enquanto pacientes, funcionários e muitas pessoas à procura de refúgio continuam dentro do hospital”, afirmou Carolina Lopez, coordenadora de emergência no al-Aqsa.
Chefe de ajuda humanitária das Nações Unidas, Martin Griffiths disse no sábado que a Faixa de Gaza se tornou “inabitável”, assolada por bombardeamentos e uma crise humanitária sem precedentes.
Mortes na Cisjordânia
Fora de Gaza, a Cisjordânia ocupada continua a registar novos episódios de violência. Ainda este domingo, a polícia israelita confirmou a morte de uma criança palestiniana, alvejada por agentes que reagiram a um ataque num posto de controlo.
Outros sete palestinianos foram mortos pelo Exército israelita, segundo a Autoridade Palestiniana, em reação a um ataque às tropas na região.
As autoridades israelitas também comunicaram a morte de uma polícia israelita num atentado à bomba em Jenin.
“Tsunami” de morte e dor. Tempo está a esgotar-se
O relatório deste fim de semana indica ainda que a Agência das Nações Unidas para a Infância (UNICEF) constatou, através de uma avaliação de campo realizada no final de dezembro, que 90% das crianças menores de dois anos consumiam apenas algum tipo de cereal (incluindo pão) ou leite.
Paralelamente, os casos de diarreia em crianças com menos de cinco anos de idade aumentaram para 3.200 novos casos por dia, em comparação com uma média de 2.000 por mês antes da guerra.
“O tempo está a esgotar-se. Muitas crianças já sofrem de subnutrição aguda grave em Gaza. À medida que a ameaça da fome se intensifica, centenas de milhares de crianças poderão em breve sofrer de subnutrição grave e algumas delas poderão morrer. Não podemos permitir que isso aconteça”, alertou a UNICEF.
O médico britânico-palestiniano Ghassan Abu Sitta afirmou esta segunda-feira que o conflito na Faixa de Gaza tem uma intensidade sem precedentes, esperando que o seu testemunho possa levar a justiça britânica a avançar com uma investigação por crimes de guerra.
O cirurgião plástico especializado em traumas de guerra, de 54 anos, passou 43 dias como voluntário no território palestiniano, nomeadamente a trabalhar nos hospitais Al-Ahli e Al-Shifa, no norte da Faixa de Gaza. De acordo com o Ghassan Abu Sitta, a intensidade do conflito excedeu todos os outros nos quais também trabalhou, seja em Gaza, Iraque, Síria, Iémen ou no sul do Líbano.
“É a diferença entre uma cheia e um tsunami. A magnitude é completamente diferente”, afirmou o médico, entrevistado hoje pela agência francesa France-Presse (AFP), após regressar de Gaza.
Para o cirurgião, o conflito é distinto pelo “número de feridos”, pelo “número de crianças mortas, pela intensidade dos bombardeamentos e pelo facto de nos dias após a guerra ter começado o sistema de saúde de Gaza ter ficado completamente submerso”.
O anúncio do Exército israelita antecede a visita do secretário de Estado americano Antony Blinken, que começou neste domingo uma nova série de viagens pelo Médio Oriente. Perante as mais de 22,8 mil mortes em Gaza desde o início do conflito, os EUA têm pressionado Israel a moderar a sua campanha militar e concentrar-se em ações mais específicas contra líderes do Hamas.
Embora se baseie em números fornecidos por entidades controladas pelo Hamas, a contagem oficial de vítimas no lado palestiniano é tida como plausível por órgãos como as Nações Unidas. Os dados não distinguem civis de combatentes, mas estima-se que cerca de dois terços das vítimas sejam mulheres e menores de idade.
Israel, por sua vez, afirma ter morto mais de oito mil terroristas em Gaza e perdido 176 soldados desde o início da invasão por terra, no final de outubro. O governo israelita sustenta que o Hamas, ao operar em áreas densamente habitadas e ao usar a população como escudo humano, é quem deve responder pelas mortes de civis.
O país declarou guerra ao grupo radical islâmico após uma série de atentados em 7 de outubro que mataram cerca de 1.200 pessoas e resultaram no sequestro de outras 240 – destas, estima-se que 129 ainda estejam em cativeiro.
O primeiro-ministro israelita Benjamin Netanyahu já frisou diversas vezes que a guerra só acabará quando o Hamas for eliminado, todos os reféns forem libertados e Gaza deixar de ser uma ameaça ao Estado judeu.
Guerra no Médio Oriente
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