Presidente da República, primeiro-ministro e procuradora-geral da República pelo meio: as dúvidas prolongam-se e prolongam as críticas políticas.
O dia 7 de Novembro de 2023 vai mesmo ficar na história de Portugal, sobretudo na história da política portuguesa.
Não só por causa da demissão de António Costa (a primeira demissão de um primeiro-ministro português por causa de um processo judicial), mas também pelas horas que antecederam esse anúncio.
A Operação Influencer envolveu buscas a diversos ministros, incluindo à residência oficial do primeiro-ministro, o Palácio de São Bento.
Na sequência dessas buscas, Marcelo Rebelo de Sousa recebeu – duas vezes – António Costa. Pelo meio, na mesma manhã, recebeu a procuradora-geral da República (PGR), Lucília Gago.
Quem teve a ideia de chamar a PGR ao Palácio de Belém? Foi o primeiro-ministro, segundo o presidente da República. Costa queria saber se tinha condições para liderar o Governo.
O primeiro-ministro não gostou desta revelação do presidente. Há conversas que era suposto permanecerem confidenciais: “A confidencialidade é importante, seja em conversas entre duas pessoas, que, por definição, são entre duas pessoas, ou de forma ainda mais evidente em órgãos onde, nos termos da lei, todos estão obrigados à confidencialidade”.
“Em oito anos como primeiro-ministro, tenho o princípio de nem por mim, nem por heterónimos que escrevem nos jornais, dizer o que acontece nas conversas entre mim e o senhor Presidente da República – e agora não vou alterar seguramente esta prática”, acrescentou.
Na mesma conversa com os jornalistas, António Costa falou sobre o famoso parágrafo que originou a sua demissão: “Saiu a notícia curiosa de que foi escrito pela PGR: ninguém partiria do princípio que não fosse assim. É daquelas notícias que, em vez de esclarecer mais, mais dúvidas suscita”.
António Lobo Xavier, conselheiro de Estado, revelou depois que essa partilha – de ter a iniciativa de chamar a PGR – foi do próprio António Costa durante o Conselho de Estado, na véspera do anúncio de eleições antecipadas.
O primeiro-ministro não gostou. Há conversas que era suposto permanecerem confidenciais: “Não me ocorre ter tido nenhuma conversa pública com Lobo Xavier. Lembro-me de ter falado com Lobo Xavier em privado ou em órgãos onde ambos participamos e onde o dever de confidencialidade impera sobre todos“.
O Diário de Notícias destaca que, ainda nesta terça-feira, o Chega e a Iniciativa Liberal exploraram estas divergências.
André Ventura acha que “não podemos esperar de António Costa a verdade” e, por isso, pediu a Marcelo Rebelo de Sousa uma medida rara, ou mesmo inédita: “Que divulgue as actas do Conselho de Estado”.
“Excepcionalmente, pelo momento crítico em que vivemos, que divulgue as actas do Conselho de Estado onde se discutiu precisamente a dissolução da Assembleia da República e a demissão do Governo. Entendemos que este é um daqueles casos que justifica um regime excepcional para se conhecer a discussão que houve no Conselho de Estado sobre esta matéria”, alegou o líder do Chega.
Rui Rocha, da Iniciativa Liberal, pergunta: “O senhor primeiro-ministro sugeriu ou não ao Presidente da República que a procuradora-geral da República se deslocasse ao Palácio de Belém?”.
“Ou o primeiro-ministro aproveita esta oportunidade para esclarecer definitivamente o que fez ou o que não fez, ou então teremos de tomar como boa a versão do Presidente da República“, concluiu Rui Rocha.