Start Campus nomeou administrador acusado de corrupção em Espanha, num processo que envolve esquema semelhante ao que o Ministério Público português pensa ter desvendado: facilitação de exploração de parques eólicos.
Foi há exatamente uma semana que António Costa se demitiu após buscas na residência oficial do primeiro-ministro e de vários ministros no âmbito da “Operação Influencer”.
A investigação aos negócios da exploração de lítio visa as concessões de exploração nas minas do Romano (Montalegre) e do Barroso (Boticas, também no distrito de Vila Real), um projeto de central de produção de energia a partir de hidrogénio em Sines (distrito de Setúbal) e o projeto de construção de um data center desenvolvido na Zona Industrial e Logística de Sines, nada mais nada menos por parte, nada mais nada menos, da sociedade Start Campus.
A empresa, que viu dois dos seus administradores serem detidos no âmbito da investigação, parece estar no centro de toda a “caça” posta em marcha pelo Ministério Público (MP), ao ligar todos os visados pela operação.
Além dos nove visados, há outro nome que vem à baila: um acusado de corrupção, no mesmo setor, que foi nomeado como administrador pela Start Campus.
Esquema semelhante em Espanha
Pedro Barriuso Otaola foi nomeado como administrador da Start Campus a 27 de dezembro de 2021, numa altura em que já se via acusado, no país vizinho, de crimes de corrupção continuada.
O Ministério Público espanhol pediu seis anos de prisão e uma indemnização de 100 milhões de euros pelos crimes de que era acusado o na altura diretor de negócios da Iberdrola Renovables, líder no setor das energias renováveis — mais especificamente no setor eólico.
Otaola ficaria no cargo de administrador da Start Campus durante três meses, segundo o Jornal Económico, enquanto já era acusado do crime de corrupção continuada em Espanha.
O processo que decorreu em Espanha envolve um esquema semelhante ao que o Ministério Público português acredita ter desvendado: facilitação de exploração de parques eólicos.
Para garantir o desbloqueio do licenciamento de grandes operações — e com a ajuda de relacionamentos próximos e contactos no Governo — os suspeitos recorreriam à entrada em capital de uma empresa local.
O “Caso Eólicas”
Tudo começou no início do século, quando a Junta de Castela e Leão foi acusada de envolver agentes regionais em grandes negócios do setor eólico através da autorização e construção de parques eólicos espalhados por Espanha — a “Trama Eólica”, como ficou conhecido o escândalo no país vizinho.
A instância anti-corrupção espanhola terá identificado pelo menos cinco casos em que os promotores destes parques cederam participações a empresas locais, uma vez que, se não o fizessem, não conseguiriam as autorizações necessárias do governo regional.
Um dos casos mais flagrantes foi o do parque eólico de Burgos. Foi pedida a autorização para operar em 2002. Só em maio de 2006 é que recebeu “luz verde” do vice-ministro regional, Rafael Delgado — apenas sete dias depois de ceder parte do seu capital a uma empresa local.
Delgado seria um dos maiores alvos da investigação: o MP pediu 42 anos de prisão para o vice-regional da Economia de Castela-Leão.
Neste cenário, a Iberdrola saía como uma das grandes beneficiárias, ao beber das suas filiais que celebravam estes contratos — nomeadamente a Biovent e Ibercyl. A gigante ficava com a escolha dos projetos em que se iria investir; já as empresas locais ficavam com a parte da obtenção de licenças.
Terá sido assim com a filial Ibercyl, que acordou com a local San Cayetano para a construção e exploração de parques eólicos. Se inicialmente a Iberdrola ficaria com 60% e a San Cayetano com 40%, a empresa local venderia mais tarde a sua parte à Iberdrola por 47 milhões de euros — um negócio “de ouro”, tendo em conta que a empresa tinha investido inicialmente apenas cerca de 24 mil euros, segundo o El Diario.
Responsável pela direção dos negócios, como administrador da empresa, parte-se do princípio que o ex-administrador da Smart Campus, Pedro Barriuso Otaola, não só conhecia como aprovou as circunstâncias dos negócios das filiais da Iberdrola.
O caso que abalou Espanha resultou em 17 arguidos, com acusações como corrupção agravada, branqueamento de capitais e associação criminosa.
Otaola acabou por pedir exclusão do julgamento alegando prescrição dos factos, uma vez que terá abandonado o cargo de administrador da Iberdrola em 2006. No entanto, a acusação acreditou que continuou a ter um papel ativo nos negócios da empresa: os crimes de que estava acusado ainda são imputáveis.
A “cópia” do esquema espanhol, agora em Portugal
O chefe de gabinete do primeiro-ministro e detido no âmbito da investigação, Vítor Escária, terá facilitado o processo de construção do enorme centro de armazenamento de dados da Start Campus.
Diz o MP que Escária apoiou os outros detidos Diogo Lacerda Machado (consultor da Start Campus), Afonso Salema (diretor executivo da Start Campus) e Rui Oliveira Neves (administrador e diretor jurídico da Start Campus) na pressão ao presidente da Câmara Municipal de Sines, Nuno Mascarenhas (também detido), para “conferir andamento mais célere e favorável” a assuntos de interesse da mesma empresa.
O advogado e consultor Diogo Lacerda Machado, por sua vez, terá sido contratado para “abrir as portas do Governo e obter a classificação do projeto” do centro de dados “como de Potencial Interesse Nacional (PIN), o que aconteceu em março de 2021”, como salienta o Público — um mês antes da apresentação do projeto do megacentro, na altura descrito como potencialmente “o maior investimento estrangeiro captado pelo país desde a Autoeuropa” — um investimento de “até 3.500 milhões de euros” .
Lacerda Machado, já identificado como sendo o “melhor amigo” de António Costa, terá usado a sua amizade com o primeiro-ministro para influenciar decisões do Governo e de outras entidades relativamente a projetos da sociedade, que está envolvida nos projetos de exploração de hidrogénio, área que ganha cada vez mais destaque no panorama energético global.
A Start Campus terá de apresentar caução de 600 mil euros, anunciou esta segunda-feira o Tribunal de Instrução Criminal, em Lisboa na apresentação das medidas de coação aplicadas aos suspeitos. A decisão do juiz está em desencontro com a caução de 19 milhões de euros pedida pelo MP.