A Rússia esteve a um passo de aderir à NATO. Documentos secretos revelam ideia de Clinton

William J. Clinton Presidential Library and Museum

Os presidentes Boris Yeltsin e Bill Clinton durante conefrência de imprensa após a Cimeira de Hyde Park, em 1995, nos EUA

Documentos do governo alemão dos anos 1990 agora desclassificados mostram que os EUA, sob a presidência de Bill Clinton, consideraram seriamente a possibilidade de a Rússia aderir à NATO. Forte oposição de aliados europeus, sobretudo da Alemanha, impediu que o plano avançasse.

No início dos anos 1990, a Rússia esteve a um passo de aderir à NATO, revelam documentos secretos recentemente desclassificados, a que o Der Spiegel teve acesso.

Segundo o jornal alemão, a questão foi discutida numa cimeira na Casa Branca, em setembro de 1994, entre os então presidentes Bill Clinton e Boris Yeltsin.

Na altura, revelam os documentos, Clinton terá assegurado a Yeltsin que o alargamento da NATO a que então se assistia se destinava à inclusão, não à exclusão.

“Por favor, note que nunca disse que não devíamos considerar a Rússia para a adesão”, disse Clinton a Yeltsin, que respondeu que compreendia e agradeceu ao presidente norte-americano.

Na altura, a NATO preparava a sua primeira vaga de alargamento a Leste. A Polónia, a Chéquia e a Hungria aderiram em 1999, seguidas por outros antigos membros do Pacto de Varsóvia. A Rússia, porém, permaneceu de fora e a sua relação com a Aliança foi-se deteriorando ao longo dos anos seguintes.

NEXO / NATO

Mapa de expansão da NATO / países europeus: membros fundadores, expansão a Leste (países da chamada “Cortina de Ferro” soviética), adesão da Suécia e Finlândia após a invasão russa da Ucrânia

De acordo com telegramas e memorandos da diplomacia alemã analisados pelo Der Spiegel, em 1994 a administração Clinton apresentou a adesão russa como uma posição oficial dos EUA.

Responsáveis norte-americanos, incluindo o então subsecretário de Estado dos EUA Strobe Talbott, informaram os membros da NATO sobre a ideia, e chegaram a sugerir que as negociações de adesão poderiam começar por volta de 2004.

A perspetiva de uma NATO a estender-se “de São Francisco a Vladivostoque” criaria uma aliança que controlaria quase todo o arsenal nuclear mundial, com a China como única grande exceção — e criaria a maior aliança militar de toda a História da Humanidade.

Mas o plano de Bill Clinton encontrou bastante resistência em Washington, e foi liminarmente rejeitado na Europa.

Em discussões internas, o governo do então chanceler Helmut Kohl argumentou que admitir a Rússia enfraqueceria a NATO enquanto organização de defesa coletiva.

Os diplomatas de Bona advertiram que os membros da Aliança poderiam um dia ser chamados a defender as longas fronteiras da Rússia com a China e a Mongólia — um cenário considerado irrealista e perigoso. O ministro da Defesa, Volker Rühe, classificou a ideia como o “atestado de óbito” da NATO.

Os documentos revelam que os responsáveis políticos alemães acreditavam que mesmo uma Rússia democrática nunca poderia ser um membro credível da Aliança.

Uma mensagem classificada, enviada a várias embaixadas no final de 1994, instruía os diplomatas alemães a informar discretamente a Rússia, tal como a Ucrânia e a Bielorrússia, de que a adesão à NATO não era uma opção. Tais afirmações deveriam ser evitadas em público para preservar as relações com Moscovo.

Dentro do próprio governo dos EUA, Clinton enfrentava ceticismo. Diplomatas alemães que reuniram com altos responsáveis do Pentágono, da CIA e do Departamento de Estado relataram que muitos se mostravam surpreendidos por Clinton apoiar a ideia, que consideravam irrealista e desestabilizadora.

O clima político em Washington aumentava a pressão. Os republicanos acusavam Clinton de ser demasiado brando com a Rússia e defendiam uma rápida expansão da NATO para tranquilizar os Estados da Europa Central e de Leste. Após vitórias importantes dos republicanos nas eleições intercalares de 1994, a Casa Branca acelerou o processo de alargamento.

No final de 1994, os responsáveis russos já expressavam abertamente a sua indignação com os planos da NATO.

O então diplomata russo Yuri Ushakov — o mesmo que representa atualmente Vladimir Putin nas negociações para um acordo de paz na Ucrânia — descreveu a expansão da Aliança como “uma espécie de traição”.

Os responsáveis de Moscovo acreditavam que os líderes dos países ocidentais tinham prometido implicitamente não avançar para Leste quando a União Soviética aceitou a reunificação alemã, em 1990.

Embora Yeltsin tivesse inicialmente colocado a hipótese de a Rússia aderir à NATO, e o então ministro dos Negócios Estrangeiros, Andrei Kozyrev, procurasse uma maior integração com as instituições ocidentais, a ideia foi praticamente abandonada em 1995.

Vista à distância, a ideia de Clinton parece ter sido uma tentativa genuína de reconciliar os russos com a iminente adesão da Polónia e de outros países de leste à Aliança Atlântica – uma tentativa que acabou por falhar, conclui o Der Spiegel.

ZAP //

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