Já desde Agosto que a popularidade de Joe Biden tem estado em queda e a perda de energia nos eleitores independentes está a preocupar os Democratas na preparação para as intercalares do próximo ano. Uma sondagem sobre um confronto entre Biden e Trump em 2024 dá também uma vitória ao ex-presidente.
Joe Biden assumiu a presidência dos Estados Unidos numa altura difícil, com o país a continuar a ser o líder mundial em mortes por covid-19, a enfrentar uma crise económica e a tentar sarar as feridas depois da tentativa de insurreição dos apoiantes de Donald Trump a 6 de Janeiro e da enorme polarização política da população.
O ex-vice de Obama prometeu ser capaz de unir o país, mas o seu tom mais conciliador não tem chegado para convencer os norte-americanos. Entre a saída caótica das tropas no Afeganistão que levou ao regresso dos talibãs ao poder, o impasse na aprovação da sua agenda política no Congresso e as promessas eleitorais que até agora ainda não foram cumpridas, a popularidade de Biden tem estado em queda nas últimas semanas.
Nos primeiros meses do mandato, o ocupante da Casa Branca teve uma popularidade razoável, mas já desde Agosto que Biden tem uma taxa de aprovação no vermelho. Segundo o site agregador de sondagens FiveThirtyEight, 49,6% dos norte-americanos desaprovam a actuação do Presidente enquanto que 44,5% têm uma opinião favorável.
Já os números do RealClearPolitics são ainda mais duros com Joe Biden, com 52,3% a não aprovarem o seu trabalho contra apenas 43% que se mostram satisfeitos. Estes números mostram que apenas um Presidente norte-americano teve uma popularidade mais baixa que Biden nesta fase do mandato – precisamente o seu antecessor, Donald Trump.
Biden tem segurado o apoio na base Democrata, no entanto, é entre os eleitores que nem se assumem Republicanos nem Democratas e que são decisivos nas eleições que a quebra se nota, tendo o chefe de Estado números semelhantes aos de Trump neste segmento do eleitorado.
Uma média de apenas 39% dos independentes aprovou a performance de Biden em três sondagens feitas entre 18 e 26 de Setembro enquanto que 52% não se mostrou fã. Entre 22 e 27 de Setembro de 2017, apenas 38% dos independentes aprovavam Trump e 50% reprovavam.
Isto significa que a diferença negativa de 13 pontos de Biden é parecida com a de 12 de Trump na mesma altura da presidência e é ainda mais preocupante quando se tem em conta o contexto desta fase para o ex-presidente – o protesto da extrema-direita em Charlottesville tinha acabado de acontecer, o polémico conselheiro Steve Bannon também tinha sido afastado há pouco e a investigação ao envolvimento da Rússia na campanha de Trump tinha rebentado nas notícias.
Dadas as polémicas e o tom mais inflamatório de Donald Trump, é preocupante para Joe Biden ter números comparáveis com os do seu antecessor entre os eleitores independentes, principalmente para as prospecções dos Democratas de segurar a Câmara dos Representantes e o Senado nas próximas intercalares.
Mesmo assim, a porta-voz da Casa Branca diz que o foco da administração não é “as subidas e descidas” nas sondagens. “O nosso foco é em controlar a pandemia, voltar a uma versão da vida normal para que as pessoas possam estar seguras em voltar ao trabalho e deixar os seus filhos nas escolas. É aí que temos de gastar o nosso tempo e energia”, afirma Jen Psaki. Mas afinal, o que está por detrás desta quebra na popularidade?
A pandemia descontrolada
A resposta de Joe Biden à pandemia não tem convencido os norte-americanos, depois do crescimento de casos com a variante Delta. A média do FiveThirtyEight mostra que a taxa de aprovação da resposta da Casa Branca ao coronavírus caiu de 62,7% em Junho para 49,6% agora.
Numa sondagem da CNBC publicada no início de Agosto, a aprovação do trabalho de Biden em controlar a covid sofreu uma queda de nove pontos relativamente ao primeiro trimestre do ano.
De 62%, a aprovação sobre a pandemia baixou para 53%. “Se a situação da covid tivesse continuado a melhorar da maneira que estava a melhorar no primeiro trimestre, estes números seriam muito diferentes. Mas alguém tem de ser responsável, e agora esse alguém é Joe Biden”, explica o analista Jay Campbell.
Mais recentemente, uma sondagem Axios/Ipsos revelou que 42% dos inquiridos tem um alto ou razoável nível de confiança em Biden para os guiar com informação durante a pandemia, uma quebra de 10% em relação a Abril e de 16% em comparação com o seu primeiro dia na presidência.
Para combater a insurgência da variante Delta, Biden anunciou em Setembro um plano de vacinação obrigatória que exigiu que todas as empresas com mais de 100 funcionários obrigassem os funcionários a serem vacinados ou então testados semanalmente e todos os funcionários públicos a serem vacinados, sem opção de teste.
O plano abrangia 100 milhões de americanos e foi anunciado numa altura em que quase 2000 americanos morriam diariamente com covid. Numa sondagem da Associated Press, 51% dos inquiridos apoiaram o plano de Biden, enquanto que 34% desaprovavam e 14% não tinham opinião definida.
No entanto, apesar de três quartos dos Democratas apoiarem a vacinação obrigatória, apenas um quarto dos Republicanos tem a mesma opinião.
Já uma sondagem da Gallup perguntou aos eleitores qual a opinião sobre as principais medidas incluídas no plano. Sobre a vacina obrigatória para funcionários públicos, 94% dos Democratas são a favor, 49% dos Independentes e apenas 19% dos Republicanos.
Questionados sobre a opção da vacina ou testes semanais para as empresas com mais de 100 funcionários, 93% dos Democratas eram a favor, tal como 17% dos Republicanos e 47% dos Independentes.
Os desafios políticos causados pelos processos que vários estados Republicanos têm aberto contra o seu plano de vacinação obrigatória também não têm ajudado a facilitar a resposta ao vírus, num país onde apenas 66% da população elegível para ser inoculada já tem o processo completo.
A saída caótica do Afeganistão
Apesar do fim das chamadas “guerras sem fim” dos EUA ser consistentemente uma ideia popular entre os eleitores de ambos os partidos e os independentes nos últimos anos, sendo até usada como trunfo eleitoral por candidatos e Presidentes que faziam oscilar os números das tropas consoante o momento político, muitos americanos não estão convencidos com a actuação de Joe Biden na retirada do Afeganistão.
As sondagens mostram consistentemente que os americanos não aprovaram a forma como a saída foi feita, apesar de estarem divididos sobre o que devia ter sido feito para se evitar que os talibãs regressassem ao poder. A crise no Afeganistão foi também o ponto em que a popularidade de Biden começou a cair a pique.
Segundo uma sondagem do NPR, 61% dos inquiridos desaprovam a actuação do chefe de Estado, incluindo 71% dos independentes. A maioria também não aprova a política externa de Biden no geral.
Apesar das críticas a Biden, 71% acham que a guerra no Afeganistão em si foi um fracasso, mas estão divididos sobre como o caos que se seguiu à saída podia ter sido evitado – 38% acham que os EUA deviam ter deixado algumas tropas, 37% defendem a saída total dos soldados e só 10% acreditam que as tropas deviam ter permanecido todas.
A polarização está também evidente nas escolhas sobre quais dos Presidentes dos últimos 20 anos é mais responsável por esse fracasso. A maioria de 36% culpa Bush, que foi quem começou a guerra no seguimento do 11 de Setembro.
Enquanto que o eleitorado Democrata aponta o dedo aos dois Presidentes Republicanos Bush e Trump, sendo que este último negociou o acordo com os talibãs para a saída, os eleitores Republicanos culpam Obama e Biden.
As promessas por cumprir
As promessas eleitorais que Biden não cumpriu até agora são também uma das principais razões que explicam a quebra na popularidade, especialmente devido à importância dos 100 primeiros dias da presidência para se impor a agenda política.
Parte deste problema está fora do alcance da Casa Branca, com a lei das infraestruturas de Biden, que já foi bastante diluída relativamente à promessa original, presa no Congresso.
Apesar de ter tido uma aprovação bipartidária histórica no Senado, a lei está encalhada na Câmara dos Representantes, onde os Democratas da ala progressista se recusam a aprová-la até que o Senado aprove o pacote de medidas sociais Build Back Better, outra peça importante da agenda do Presidente.
O problema é que o Senado tem 50 Senadores para cada lado e todos os votos contam, no entanto os dois Democratas mais conservadores Joe Manchin e Kyrsten Sinema ainda não garantiram que vão aprovar o pacote.
Ambos concordam que o custo do plano deve ser cortado, mas não concordam nos detalhes e arriscam-se assim a afundar a promessa eleitoral de Joe Biden. Mesmo assim, o Presidente ainda acredita que se possa alcançar um acordo. “Vamos aprovar ambas estas leis e começar a construir a economia para derrotar a competição e cumprir com as famílias trabalhadoras”, afirma.
No entanto, há outras promessas que não estão num impasse no Congresso e que Biden não cumpriu, pelo menos por enquanto. Os cheques de estímulo de 2000 dólares prometidos acabaram por ser de apenas 1400 dólares. A nível da saúde, que era o tema mais importante para os eleitores Democratas durante as primárias, a criação de uma opção de seguro pública também ficou na gaveta até agora.
A subida do salário mínimo para 15 dólares por hora foi uma das garantias que o então candidato Democrata deu na campanha, mas que acabou por cair no Senado. O salário mínimo federal nos EUA é actualmente de 7.25 dólares por hora e não é aumentado desde 2009, com muitos eleitores a achar que Biden não fez o suficiente para pressionar os legisladores e para acabar com o filibuster.
W. Mondale Robinson passou uma grande parte do último Outono em discotecas, bares e concertos no estado decisivo da Geórgia a tentar convencer homens negros a votar nos Democratas, tanto nas Presidenciais como para o Senado. Mas cada vez mais sente que esse tempo foi desperdiçado.
O momento em que o seu optimismo relativamente a Biden começou a desaparecer foi quando os Democratas começaram a diluir muito as leis de reforma na polícia para satisfazer os Republicanos, mas seguiram-se outras desilusões com o salário mínimo e a falta de luta contra as leis de votação na Geórgia, que Biden chegou a comparar com as política segregacionistas de Jim Crow.
“Acho que a frustração está num nível alto histórico e o Biden não pode ir à Geórgia ou a qualquer outro estado com negros no sul e dizer “isto é o que conquistamos em 2021. Os homens negros estão zangados com o nada que tem acontecido… Se isto torna o nosso trabalho mais difícil? Torna-o quase impossível”, explica Robinson, que é fundador do Black Male Voter Project, ao Washington Post.
Ao mesmo tempo, apesar das promessas de mudança e de regresso a uma América mais comedida na resposta à crise migratória, parece que as palavras de Biden não passaram disso mesmo – palavras.
A política na fronteira da administração Democrata tem sido practicamente igual à de Donald Trump e as recentes imagens de polícias norte-americanos a chicotear migrantes do Haiti no Texas trouxeram memórias pesadas aos eleitores negros – uma das principais bases de Biden – do passado de um país construído nas costas de escravos.
“As imagens dão um sinal aos negros de que o nosso governo não fez o suficiente para erradicar os comportamentos racistas estruturais na nossa polícia… A mensagem que passa muito facilmente pelas imagens é de que a América não quer saber dos negros, ponto final”, explica Christine White, directora executiva da Geórgia Alliance for Progress.
Já Adelina Nicholls, que lidera uma aliança latina na Geórgia, revela que o seu grupo bateu à porta de muitos latinos no estado, mas que está desmotivada pela actuação do Presidente na questão migratória.
“A preocupação que temos é de que o Partido Democrata continue a repetir os mesmos erros. Trabalhámos para alguma coisa aqui. Vamos experimentar uma coisa nova. Vamos fazer algo diferente. Para que serve um político que não trabalhe em benefício da comunidade que o elegeu?“, questiona.
Parece que o benefício da dúvida dado a Joe Biden já chegou ao fim e isso está a pôr em causa o entusiasmo da base para as eleições intercalares do próximo ano. “Se as intercalares são sobre entusiasmo e comparecimento, quem é que acham que está entusiasmado para votar neste momento? Porque não são os Democratas. Não são os negros. Não são os jovens”, afirma Nsé Ufot, chefe do New Georgia Project.
O impacto nas intercalares
Em 2022, um terço do Senado e a totalidade da Câmara dos Representantes vão a votos. Actualmente, o Congresso é todo controlado pelos Democratas, sendo que é necessário chamar a vice-presidente Kamala Harris em caso de empates no Senado.
A fraca popularidade de Biden está a preocupar o seu partido, especialmente devido à tendência histórica que há nos EUA de que o partido do Presidente tenha um mau resultado e perca lugares nas intercalares.
As sondagens sugerem também que o apoio a Biden tem caído em grupos demográficos fundamentais para os Democratas, como negros, latinos, mulheres e jovens. 85% dos negros aprovavam do Presidente em Julho, em Setembro o número caiu para 67%. Já entre os latinos, houve uma queda de 16 pontos e uma descida de 14 entre os asiáticos, aponta o Pew Research Center.
Biden ganhou o voto independente a Trump por 13 pontos, mas uma sondagem se Setembro do Emerson College deu uma pequena vantagem ao ex-presidente em relação ao actual num potencial reencontro em 2024, algo que Trump tem dado pistas de que pode ser possível.
Com 47% das intenções de voto, Trump fica à frente dos 46% de Biden, apesar de ainda estar dentro da margem de erro de 2,7%. Dada a forte polarização partidária, cativar do voto independente é ainda mais importante, o que não traz bons agoiros para Biden nesta altura.
No caso de estados que não são nem bastiões Democratas nem Republicanos e que podem cair para qualquer um dos lados – conhecidos como estados roxos – a performance de Biden pode ser uma dor de cabeça para os candidatos no Congresso.
Actualmente, o chefe de Estado tem uma taxa de aprovação de -17% no Arizona e de -10% no Wisconsin, Pensilvânia, Geórgia e Carolina do Norte. Todos estes estados têm candidatos no Senado que vão a eleição.
Dada a associação forte que há nos Estados Unidos entre os Presidentes e a imagem do partido em geral, os Democratas têm na popularidade de Biden mais um desafio para segurarem as duas câmaras do Congresso em 2022. Resta saber se a Casa Branca vai conseguir voltar às boas graças dos norte-americanos no ano que ainda falta até às intercalares.