A iniciativa partiu dos pais de uma das vítimas do tiroteio na escola secundária de Parkland, na Flórida, em 2018. O objectivo foi alertar para a necessidade de leis mais restritas para a posse de armas nos Estados Unidos.
Em tudo aparentava ser só mais um discurso de formatura como tantos outros, mas David Keene acabou por cair numa armadilha.
O activista pró-2ª Emenda e ex-presidente da Associação Nacional de Armas, um dos grupos mais fortes do lobby das armas no Congresso Americano, discursou perante 3 mil cadeiras vazias que representam as vítimas de tiroteios em escolas nos Estados Unidos que deviam concluir o ensino secundário este ano.
Manuel e Patricia Oliver, pais de Joaquin Oliver, um jovem de 17 anos que foi uma das 17 vítimas mortais do tiroteio na escola de Parkland em 2018, foram os cérebros por trás da ideia.
O tiroteio em Parkland esteve também na origem do movimento March For Our Lives, que teve lugar a 24 de Março de 2018 e incluiu mais de 800 manifestações espalhadas pelos EUA a favor de leis de porte de arma mais restritas.
“Estamos aqui para representar todos os jovens que não tiveram a oportunidade de terminar o secundário. 3000 crianças que não se sentaram naquelas cadeiras porque já não estão cá”, explica Manuel Oliver, num vídeo da associação a favor de reforma nas leis das armas Change The Ref, fundada pelo casal em honra do filho.
Um dos vídeos publicados pela associação inclui também segmentos dos discursos misturados com gravações de chamadas de emergência de alunos durante tiroteios. “Há pessoas que continuam a lutar para destruir a 2ª Emenda, mas eu apostava que muitos de vocês estão entre aqueles que vão lutar e evitar que isso aconteça”, disse Keene, perante as cadeiras vazias.
O nome usado para a escola falsa, Academia James Madison, também não foi escolhido por acaso, já que James Madison é conhecido como o pai da Constituição Americana e foi o principal promotor da 2ª Emenda que David Keene referiu, que garante o direito da população à legítima defesa através do porte de armas.
A Change The Ref acusa também David Keene de ajudar a manter armas de assalto nas ruas e de promover o lobby das armas através de doações milionárias para as campanhas eleitorais de candidatos ao congresso.
John Lott, autor do livro “Mais Armas, Menos Crime”, que é muitas vezes referida como a bíblia da Associação Nacional de Armas, foi outro dos activistas convidado a discursar.
“Os defensores da reforma das armas e os Democratas vão lutar com unhas e dentes. Podem dizer-me um lugar qualquer no mundo que tenha banido todas as armas e visto a taxa de homicídios a descer? Não consigo encontrar um único lugar”, afirma Lott no vídeo.
Keene não respondeu às tentativas de contacto do Washington Post, mas John Lott revelou só ter sabido do propósito do evento depois de ter sido contactado por jornalistas e acusou a associação de deturpar a mensagem que quis passar através da edição do vídeo.
“Eu não estava a argumentar contra a verificação dos antecedentes, estava a explicar às pessoas como podem mudar o sistema e melhorá-lo. Cortaram todas essas coisas do vídeo”, acusou Lott, acrescentando que fica desconfortável ao envolver-se em discussões políticas nos dias de formatura.
“Ironicamente, se tivessem feito uma pesquisa cuidadosa sobre a escola, teriam percebido que era falsa”, escreveu a Change The Ref num tweet, que inclui também um link para uma petição a favor da verificação universal dos antecedentes dos potenciais compradores de armas.
Former NRA president speaks at fake high school graduation representing kids killed by gun violence.
“Ironically, had the men conducted a proper background check on the school, they would have seen that the school is fake.”
Sign the petition: https://t.co/BBB3MQjFZD pic.twitter.com/30UumhCF8A
— Change the Ref (@ChangeTheRef) June 23, 2021
De acordo com a Gun Violence Archive, só este ano já ocorreram 297 tiroteios em massa nos Estados Unidos. Números como estes têm acentuado ainda mais a divisão política no país, com o crescimento de movimentos que exigem reformas nas leis, mas também a defesa mais aguerrida dos entusiastas das armas, que acreditam que as restrições são inconstitucionais.