O perito que realizou a autópsia a Ihor Homeniuk declarou esta quarta-feira em julgamento que o relatório final da autópsia “conclui com segurança” que o ucraniano “morreu de asfixia lenta” provocada por várias fraturas nas costelas causadas por energia externa.
O médico legista Carlos Durão, que efetuou a autópsia de Ihor Homeniuk no Instituto Nacional de Medicina Legal e Ciências Forenses (INMLCF) prestou depoimento como perito durante a sétima sessão do julgamento em que três inspetores do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF) estão acusados do homicídio qualificado, por morte à pancada, do passageiro ucraniano que se recusava a regressar ao seu país de origem após ser impedido de entrar em Portugal no aeroporto de Lisboa.
“A causa da morte é asfixia. Não tenho dúvidas”, disse o perito, que, ainda antes de iniciar a autópsia, resolveu alertar a Polícia Judiciária porque “só pela análise externa percebeu que algo não estava bem”, ficando logo com a perceção de que “não era possível” haver “morte natural” naquele caso.
Confrontado em contrainterrogatório pelos advogados de defesa com eventuais lacunas no relatório da autópsia, o perito excluiu qualquer possibilidade de a morte de Ihor Homeniuk ter resultado das manobras de reanimação cardíaca a que foi sujeito pelas equipas do INEM no aeroporto, excluindo também que a morte pudesse resultar de uma arritmia cardíaca ou dos efeitos de abstinência alcoólica.
O perito, que fala português do Brasil, disse ter a especialidade de medicina legal, mas não estar inscrito ainda no colégio da especialidade da Ordem dos Médicos em Portugal. Contudo, disse que efetuava autópsias no INMLCF desde 2007 após ser autorizado por esta instituição, depois de concluir cursos complementares que lhe certificavam essa capacidade.
Carlos Durão foi perentório em afirmar que houve infiltrações hemorrágicas nos pulmões de Ihor Homeniuk devido à fratura de costelas provocadas por forças externas, assinalando que havia sinais claros de “calçado” no corpo da vítima e um outro sinal de “calçado” noutra região corporal, embora de forma menos nítida.
Escreveu, aliás, no relatório, que o cadáver tinha marcas contundentes, “suscetíveis de terem sido efetuadas com um bastão ou um cassetete e a presença da equimose modelada com a forma de uma bota, que denuncia um provável pontapé”.
Além disso, o perito explicou que não foi necessário tirar radiografias ao corpo para comprovar as fraturas nas costelas porque estas eram bastante visíveis a olho nu, insistindo que as fraturas foram causadas por “pessoas externas” e não por outra razão, nomeadamente pelos meios invasivos de reanimação.
No total, terão sido detetadas oito costelas fraturadas, o que, segundo Carlos Durão, dificultava a respiração de Ihor, tanto mais que este terá permanecido durante horas algemado nas costas e deitado de barriga para baixo, o que acentuava e potenciava a dificuldade em respirar.
“Essa posição (barriga para baixo) causa maior esforço para respirar”, esclareceu o perito, continuando a responder a todas as dúvidas da defesa sobre a credibilidade do relatório final da autópsia.
“Gostava que todos fizessem a experiência em casa” de se deitarem de barriga para baixo com as mãos atrás das costas. “Todo o mundo vai ter dificuldades respiratórias, nós precisamos de ter a caixa torácica livre”, disse ainda, citado pelo jornal Público.
Na sua opinião, as fraturas nas costelas de Ihor Homeniuk causaram uma “instabilidade torácica” que o levarou à morte, não podendo precisar quantas horas seria preciso para que isso fosse fatal.
Segundo Carlos Durão, a morte de Ihor Homeniuk resultou de “causa violenta” e externa, tendo este passageiro ucraniano morrido por asfixia lenta.
O perito disse ainda não ter detetado lesões na língua da vítima, afastando a possibilidade de este ter morrido por “aspiração do vómito”, porque não havia sinais disso na traqueia.
Ainda de acordo com o diário, Carlos Durão traçou também vários cenários em que a morte de Ihor Homenyuk poderia ter sido evitada: se tivesse ficado imobilizado, com as mãos atrás das costas, durante várias horas, mas não tivesse sido agredido, “poderia ter morrido, mas seria pouco provável”; se tivesse sido agredido “mas fosse assistido no imediato, provavelmente ainda estaria vivo”; se fosse agredido sem estar algemado, mesmo que não tivesse tido assistência “a situação poderia ter tido outro desfecho”.
Durante a sessão desta quarta-feira foram ainda ouvidos dois inspetores do SEF que relataram pormenores relacionados com os acontecimentos que antecederam a morte do passageiro ucraniano que, na véspera, já havia recusado embarcar com destino a Instambul, rumo à Ucrânia.
Os três inspetores do SEF – Duarte Laja, Luís Silva e Bruno Sousa – estão acusados de homicídio qualificado de Ihor, punível com penas até 25 anos de prisão.
Os arguidos negam, no entanto, a acusação de homicídio qualificado e referem que nem sequer agrediram Ihor Homenyuk, usaram apenas a força necessária para conter um “passageiro” que estava a ter um “comportamento autodestrutivo”.
O crime terá ocorrido a 12 de março de 2020, dois dias após o cidadão do Leste ter sido impedido de entrar em Portugal, alegadamente por não ter visto de trabalho. Após ser espancado, terá sido deixado no chão, manietado, a asfixiar lentamente até à morte. Dois dos inspetores respondem ainda pelo crime de posse de arma proibida (bastão).
Isolar passageiros naquela sala era “prática habitual”
O antigo diretor de fronteiras de Lisboa, afastado na sequência do homicídio de Ihor Homeniuk, admitiu que colocar passageiros que se “portavam mal” na Sala Médicos do Mundo era “prática habitual” e regulamentada, avança o Observador.
“Não tendo um sítio adequado para colocar uma pessoa, o único que não tem pessoas é a Sala Médicos do mundo. Tenho de retirar de lá tudo o que possa magoar. Está regulamentado e é prática habitual. Está previsto no regulamento”, disse Sérgio Henriques.
Além disso, o ex-diretor considerou “perfeitamente normal” que Ihor Homeniuk tenha sido algemado. “Os inspetores têm formação minimamente adequada em termos humanos para lidar com pessoas”, disse, explicando que “quem algema tem de comunicar à hierarquia”, que, neste caso, seria o inspetor-chefe João Diogo e o inspetor de turno João Agostinho.
ZAP // Lusa