Quatro estátuas localizadas no exterior da fachada do histórico Hotel Shelbourne, em Dublin, na Irlanda, foram removidas. Porém, ninguém sabe bem porquê.
No final de julho, o Hotel Shelbourne retirou voluntariamente as quatro estátuas que durante 153 anos passaram despercebidas pelos transeuntes.
Porém, no dia seguinte ao seu desaparecimento, o jornal irlandês Irish Times publicou um comunicado do gerente do hotel, JP Kavanaugh. A decisão “já estava para acontecer há várias semanas devido ao que está a acontecer no mundo”, disse.
De acordo com o artigo, as estátuas representavam “escravas algemadas”. Duas delas retratam mulheres egípcias e as utras mulheres núbias. Historicamente, de acordo com o Atlas Obscura, os antigos egípcios escravizaram o povo núbio, mas a relação entre essas figuras ainda é debatida.
A reação dos locais foi mista. Alguns aplaudiram a decisão de abordar de forma proativa a presença das estátuas. Para alguns, incluindo a administração do hotel, as estátuas fazem referência ao comércio transatlântico de escravos, do qual a Irlanda foi cúmplice.
Por outro lado, houve quem lamentasse a remoção, considerando-a falaciosa e argumentam que as estátuas são simplesmente uma homenagem à decadência da arte francesa do século XIX.
Esta tradição artística também foi criticada como orientalista e racista: é um lembrete indireto de que a Irlanda fez pouco para reconhecer os seus laços históricos com a escravidão e o colonialismo.
O estatuto do hotel como um marco histórico, inaugurado em 1824, acrescentou outra complicação: a Irish Georgian Society divulgou um comunicado a dizer que não foi consultado antes de o hotel remover as suas estátuas. “Tais obras requerem permissão de planeamento, que acreditamos que não foi procurado”, lia-se.
A Câmara Municipal de Dublin também anunciou que investigaria a remoção das estátuas.
O historiador da arte Kyle Leyden forneceu outra teoria: as mulheres não eram escravas, mas sim uma “figura visual do século XIX bem conhecido e fetichizado”. Segundo Leyden, duas das estátuas foram descritas na época da sua encomenda como “négresse”, uma palavra francesa com conotação racista e pejorativa. Leyden acredita que, se as estátuas representassem mulheres escravizadas, o arquiteto original do hotel, que encomendou as estátuas do catálogo da fundição Val d’Osne na França, as teria descrito como tal.
Já Ebun Joseph, teórico racial crítico nigeriano-irlandês, considera essa explicação insuficiente. “Não está provado, sem sombra de dúvida, que essas estátuas não representam escravidão”, disse. “É uma narrativa e, por se adequar ao que o país deseja, é aceite sem provas. Duas dessas estátuas foram descritas como négresse. Essa, para mim, é a versão feminina da palavra com n”.
Joseph, que fundou o primeiro módulo de Estudos Negros na University College Dublin, aponta que, na arte do século XIX, os corpos negros eram sexualizados – e isso poderia justificar a sua remoção.
Laura McAtackney, antropóloga, argumentou que a identidade irlandesa foi forjada sob o colonialismo britânico, mas isso inspirou uma falsa noção de que as lutas irlandesas eram comparáveis à escravidão nas Américas.
Como Joseph, McAtackney acredita que a controvérsia em torno da remoção das estátuas não é só sobre a história do século XIX, mas também a luta atual do país para se adaptar às mudanças demográficas. “A Irlanda é um país muito branco há muito tempo”, afirmou. “Tem havido um impulso de extrema direita para fundir irlandês com brancura e essa ideia de que não se pode ser irlandês se não for branco.”
O futuro das quatro estátuas ainda é incerto. Duas estátuas semelhantes permanecem em exibição num café a cerca de um quilómetro do Hotel Shelbourne.
Em agosto, a Câmara Municipal de Dublin concedeu ao hotel uma extensão de quatro semanas para lidar com questões legais em torno da remoção das estátuas.
A polémica das estátuas
No seguimento da morte do norte-americano George Floyd e das manifestações que se lhe seguiram, vários monumentos têm sido vandalizados e derrubados em cidades dos Estados Unidos, mas também na Europa, por serem associados ao racismo e a períodos da escravatura por alguns movimentos.
Uma multidão derrubou e atirou para as águas do porto de Bristol a estátua do comerciante de escravos do século XVII Edward Colston, mas o monumento foi já recuperado pela autarquia para que possa ser colocada num museu.
A estátua de outro esclavagista do século XVIII, Robert Milligan, foi removida de Londres na sequência de uma petição popular. A estátua de Winston Churchill foi coberta com tábuas de madeira para evitar ser vandalizada por “manifestantes violentos”.
Outros monumentos, como uma estátua do imperialista Cecil Rhodes, na universidade de Oxford, e a estátua do fundador da polícia britânica Robert Peel na praça central de Manchester, são alvo de controvérsia.
Uma estátua do rei Balduíno, tio do atual monarca e do príncipe Laurent, falecido em 1993, apareceu também coberta de tinta vermelha no centro histórico de Bruxelas.
A estátua do explorador Cristóvão Colombo vai ser retirada da cidade a que deu nome, Colombo, no Estado norte-americano do Ohio.
A permanência da estátua do navegador português Gaspar Corte-Real em São João da Terra Nova, no este do Canadá, está a ser analisada pelo governo provincial local.
Em Braga, a estátua do Cónego Melo, no centro da cidade de Braga, foi vandalizada. Já em Lisboa, foi vandalizada, a estátua do Padre António Vieira no Largo Trindade Coelho. O conjunto de esculturas, que inclui uma do padre António Vieira e outras de três crianças, foi pintado com tinta vermelha, tendo sido igualmente escrita a palavra “Descoloniza” na base do monumento.
Ainda por cima na Irlanda, colónia secular britânica… A parvoíce ao quadrado. E agora reparem: “A Irlanda é um país muito branco há muito tempo”. Fica tudo dito sobre qual a agenda deste tipo de gente. A Europa e os europeus estão sob ataque.
Na minha visão esta é uma questão muito simples de ser resolvida. O hotel deveria ter envolvido toda a comunidade num debate e até audiência pública, criar uma enquete e saber o que a comunidade pensa. Estas estátuas e pinturas como na Capela Sistina podem ser interpretadas de maneira diferente. Alguns podem se sentir ofendidos mas outros podem entender que são símbolos para nos recordarem sempre de nunca mais deixarmos acontecer. Se o hotel tivesse envolvido a cidade, teria ganho notoriedade e ter sido bem visto carinhosamente, deixando a decisão pra todos. MAS AINDA ESTÁ TEMPO!
A inclusão da vandalização da estátua do Cónego Melo neste artigo está completamente descontextualizada. Esse padre não teve nada a ver com racismo mas com casos políticos ocorridos no Verão Quente no tempo do PREC, incluindo a suspeita de ter estado envolvido no assassinato do Padre Max. Aliás, a estátua já tinha sido vandalizada muito antes de terem surgido estes problemas, importados dos EUA, do racismo e do antirracismo (2013 e 2017). As próprias pichagens são, ou eram, elucidativas pois apenas referiam o 25 de Abril e o P. Max, não contendo qualquer referência a racismo.
Assim vão apagando símbolos da história quer ela seja boa ou má, quem ganha com tudo isto?
Pior e mais perigosa do que a censura, só a auto-censura. É a ditadura do politicamente correcto em todo o seu esplendor. Mais do que apagar as figuras da história, é negar a própria história. Um dos conceitos mais caros da esquerda intelectual, sempre foi a necessidade de se interpretar e enquadrar os acontecimentos na época em que ocorreram. Outra ideia é a da oposição a toda e qualquer forma de censura (excepto a por eles próprios promovida). Ironia das ironias esta ditadura do politicamente correcto, bem alinhada à esquerda, no seu habitual registo de coerência, vem agora negar aquilo que sempre defendeu.
Mexer com a história e com a memória colectiva dos homens, apagar as partes que não interessam é meio caminho andado para o esquecimento do que, neste caso, foi a escravatura. E, claro, abrir a porta à sua repetição… Voltando ao início: o pior e mais perigoso é quando nos auto-censuramos… É, claramente, aqui o caso destes cavalheiros!