A secretária de Estado Adjunta e do Património Cultural, Ângela Ferreira, autorizou a cedência de obras de arte do Estado para um hotel do grupo Vila Galé no Alentejo, mas fica dependente do cumprimento de condições técnicas, disse à agência Lusa.
A secretária de Estado disse ainda que, de futuro, haverá mais cedências, no âmbito do Programa Revive, embora as condições ainda não estejam totalmente definidas.
Ângela Ferreira assinou um despacho em janeiro que indica que “a cedência pode ser concretizada desde que asseguradas as condições técnicas e de segurança para a sua instalação no núcleo museológico” previsto para o hotel que o grupo Vila Galé está a instalar na Coudelaria de Alter do Chão, no distrito de Portalegre.
Em causa está a cedência ao grupo Vila Galé, por 25 anos, de cerca de 50 peças da denominada Coleção Rainer Daehnhardt, pertencentes ao Estado, para a instalação de um núcleo museológico num edifício que a empresa hoteleira está a converter em hotel, no âmbito do Programa Revive.
A informação da cedência de obras de arte pública a uma entidade privada foi revelada na semana passada pelo grupo parlamentar do PCP, num requerimento a pedir uma audição da ministra da Cultura, Graça Fonseca, sobre o assunto. Para o PCP, a situação é “gravíssima pelo que é em si e pelo precedente grave” que pode “constituir de apropriação de património público para fins privados“, lê-se no requerimento.
À Lusa, Ângela Ferreira explicou que técnicos da Direção-Geral do Património Cultural (DGPC) já foram ao local das obras para determinar as condições em que as peças da coleção poderão ser expostas; terá ainda de haver uma visita final e só depois será dada autorização.
Segundo a secretária de Estado, o núcleo museológico no hotel da Coudelaria de Alter estará aberto ao público e “à partida sem pagar” bilhete de entrada: “Não foi alvo de avaliação qualquer tipo de contrapartida financeira relativamente à visita da coleção”.
Questionada sobre uma possível privatização de obras de arte pública para fins hoteleiros, Ângela Ferreira sublinhou que “as obras continuam sob património do Estado, de onde nunca vão sair”. “Há uma cedência temporária ao Hotel Vila Galé nos termos que a Direção-Geral do Património Cultural determinar”, disse Ângela Ferreira à Lusa.
De acordo com informação disponibilizada na página oficial do Programa Revive, o investimento total para a recuperação do edifício da Coudelaria de Alter, para um hotel, está estimado em oito milhões de euros e prevê-se o início de exploração hoteleira “até ao último trimestre de 2020”. O contrato de concessão do edifício feito entre o Estado e o grupo Vila Galé é por 50 anos.
Em articulação com o núcleo museológico do hotel funcionará, nas imediações, um outro espaço museológico, o Centro Interpretativo da Coudelaria, da responsabilidade da Companhia das Lezírias, que contará com outras 15 obras de arte. “Vamos ter um percurso expositivo de uma coleção que volta a estar disponível ao público em Alter do Chão, onde ela sempre esteve, e em condições de projeto museológico”, disse a secretária de Estado.
A coleção de arte em causa, ligada à temática equestre, inclui esporas, selas e “pequenas peças”. Está sob a alçada da DGPC desde 2018 e guardada em reserva no Museu Nacional dos Coches, em Lisboa.
As obras “foram transportadas de Alter do Chão para o Museu dos Coches, onde se fez desinfestação, inventariação, algumas obras de restauro, mas nunca chegaram a ser expostas. Esta coleção mantém-se no Museu dos Coches em reserva e nunca foi feito nenhum tipo de exposição”, disse Ângela Ferreira.
Contactado pela agência Lusa, o presidente da Câmara de Alter do Chão, Francisco Reis, disse que “uma parte da Coleção Rainer Daehnhardt está no Museu dos Coches, outras peças estão à guarda da Direção-Geral do Património Cultural e outras à guarda da Companhia das Lezírias, na Coudelaria de Alter”.
Segundo Ângela Ferreira, de futuro haverá mais cedências de obras de arte da coleção do Estado, no âmbito do Programa Revive, cujas condições não estão ainda totalmente definidas. “Será permitido aos concessionários poderem fazer exposições temporárias destas obras no seu empreendimento turístico, desde que asseguradas todas as condições técnicas necessárias para este tipo de exposição. Não é o concessionário que escolhe as obras de arte, é a DGPC. Finda a exposição, a coleção, esses quadros regressarão à posse física da DGPC”, exemplificou.
O programa Revive é uma iniciativa conjunta dos Ministérios da Economia, da Cultura e das Finanças de “promover a requalificação e subsequente aproveitamento turístico de um conjunto de imóveis do Estado com valor arquitetónico, patrimonial, histórico e cultural que não estão a ser devidamente usufruídos pela comunidade”.
A 8 de janeiro, a ministra da Cultura, Graça Fonseca, revelou que “os contratos de concessão celebrados no âmbito do programa conjunto Revive passarão a incluir uma verba destinada à aquisição de obras de arte contemporânea”. As obras adquiridas entrarão para o acervo da Coleção de Arte Contemporânea do Estado e “será promovida uma verdadeira circulação no território”, para exibição destas obras, indicou a ministra.
Ângela Ferreira disse que está por definir qual a percentagem da renda a cobrar às entidades concessionárias, para a aquisição de obras de arte para o Estado.
Na semana passada, o Ministério da Cultura nomeou o gestor Bernardo Alabaça como novo diretor-geral do Património Cultural, substituindo no cargo Paula Araújo da Silva. A equipa de Bernardo Alabaça entra em funções na segunda-feira, dia 24.
Segundo o Governo, a mudança na DGPC insere-se na “implementação de um novo ciclo de políticas públicas para o património cultural e para as artes” e que incluirá, por exemplo, a constituição do fundo para a reabilitação do património são emblemáticas desta prioridade estratégica.