O chefe de redação do jornal francês Charlie Hebdo disse na terça-feira que não publicaria o cartoon de António sobre Trump por não se enquadrar nos códigos visuais da publicação, mas criticou o jornal “The New York Times” por ter recuado
“Não é um desenho que apareceria no Charlie porque efetivamente há muitos símbolos e a sua interpretação pode ser muito ambígua. Para nós, não é um bom desenho, mas não é isso que está em causa. A questão principal é que o NYT decidiu (…) parar a publicação de todos os cartoons políticos, portanto disse que o problema não é o antissemitismo, é o desenho em si”, afirmou Gerard Biard, chefe de redação do Charlie Hebdo.
O jornalista francês comentava o episódio no ano passado pelo cartoonista português António, quando a caricatura que fez do Presidente dos Estados Unidos, Donald Trump (como cego guiado pelo primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu, representado como um cão envergando a estrela de David na coleira), publicada na edição internacional do The New York Times, levou o jornal a preferir extinguir a secção de ‘cartoon’ político depois de receber muitas críticas.
“Os ‘cartoons’ trazem problemas às redações. […] Vivemos num mundo de imagens, mas poucas pessoas sabem ler estas imagens. E poucas pessoas sabem ler um ‘cartoon’. Tem contexto, uma coisa é o que ele parece dizer e outra é o que ele diz verdadeiramente”, defendeu o chefe de redação.
A intervenção aconteceu numa homenagem que decorreu esta terça-feira à noite na Maison de la Radio, onde se assinalaram cinco anos sobre o atentado ao jornal francês que vitimou mortalmente 12 pessoas, entre elas alguns cartoonistas emblemáticos do semanário. Vários elementos da redação estiveram presentes em debates à frente de uma plateia repleta e também um grande dispositivo de segurança.
Minutos antes de se falar do desenho de António, Biche, cartoonista do Charlie Hebdo, explicou que o jornal evita publicar desenhos em que apareçam símbolos e que, apesar de não haver um traço particular entre os seus colaboradores, há certas regras.
“Não usamos símbolos religiosos ou, por exemplo, o símbolo da paz, porque não queremos que isso crie confusão no que queremos dizer. […] Não há uma escola Charlie, cada um chega com as suas próprias experiências, estamos todos juntos e é com se fossemos todos um ingrediente da mesma receita”, indicou o cartoonista.
Neste debate, intitulado “Desenho como barómetro das nossas democracias”, o ensaísta Yannick Haenel, que contribui regularmente para este jornal francês, criticou a nova forma de puritanismo que atinge a França neste momento e ameaça a liberdade de expressão.
“Há um dispositivo, quase planetário, submisso à loucura do puritanismo. E isso exprime-se através de uma série de indignações que nos opõem uns aos outros. A liberdade é um escândalo e isso é algo muito belo. Não somos livres naturalmente, tornamo-nos livres, ao exercermos um olhar crítico sobre nós próprios e sobre os outros e tocando algo que muitas vezes é interdito”, afirmou Yannick Haenel.
ZAP // Lusa