A tese de Cândida Almeida, que disse no julgamento que um dossier sobre Manuel Vicente se tinha “extraviado” não é verdade. Além de estar guardado, o dossier foi consultado por duas procuradoras que investigaram a Operação Fizz.
A 8 de fevereiro, a ex-diretora do Departamento Central de Investigação e Ação Penal (DCIAP), Cândida Almeida, disse que um dossier sobre a compra de um apartamento de Manuel Vicente se teria “extraviado” daquele departamento do Ministério Público, aquando de uma mudança de instalações, em 2015.
Dias depois, José Góis, o procurador que está a acompanhar o julgamento da Operação Fizz, esclareceu os juízes, afirmando que tudo não passara de um “manifesto lapso” de Cândida Almeida e que esses documentos estavam arquivados “no local próprio”.
A Visão avança agora com a origem deste esclarecimento de José Góis. Na verdade, conta a revista, o esclarecimento teve por base um ofício, enviado nesse mesmo dia pelo atual diretor do DCIAP, Amadeu Guerra.
“No depoimento de hoje, a Dra. Cândida Almeida terá referido que tinha tudo no seu dossier de acompanhamento do DCIAP, mas que o mesmo terá sido extraviado quando este mudou de instalações. Informo que o dossier se encontra no DCIAP, não se extraviou, e para além das magistradas que investigaram o inquérito 333/14.9TELSB, mais ninguém me solicitou a sua consulta”, lê-se no ofício a que a Visão teve acesso.
Fica assim claro que as procuradoras Patrícia Barão e Inês Bonina, que conduziram a investigação do processo Fizz, tiveram acesso ao dossier e tinham também conhecimento de que este não se tinha extraviado.
Aliás, foi por esta razão que Paulo Amaral Blanco, um dos arguidos, escreveu duas cartas – uma a Cândida Almeida e outra a Amadeu Guerra, nas quais acusa as procuradoras de enganar a antiga diretora do DCIAP.
“É evidente que V. Exa. foi enganada, isto é, afinal o dossier de acompanhamento, ao invés do que a Dra. Inês Bonina lhe disse e V.Exa. sublinhou especificamente no depoimento prestado em julgamento, nunca se extraviou, aliás, o atual diretor do DCIAP esclarece ali, dissipando quaisquer dúvidas, que, para além das magistradas que investigaram o inquérito, mais ninguém solicitou a respetiva consulta”, escreveu.
O advogado reitera que Cândida Almeida “foi induzida em erro” para, desta forma, “induzir em erro o tribunal” e “sustentar a acusação com base num facto falso, desfavorável às defesas”.
Além disso, Paulo Amaral Blanco argumenta que foram as declarações de Cândida Almeida que motivaram a decisão de manutenção das medidas de coação de alguns arguidos. “Ficou criada a ideia de um eventual envolvimento dos arguidos no extravio do referido dossier de acompanhamento, à guisa de cereja no topo do bolo cozinhado pelo Ministério Público”, afirma na carta.
Já na carta enviada a Amadeu Guerra, Paulo Blanco esclarece que só teve conhecimento da carta, que o diretor do DCIAP enviou, no dia 5 deste mês de março, depois de ter pedido o acesso formal ao dossier.
Além disso, escreve ainda que nas declarações que prestou em julgamento, Cândida Almeida sublinhou que essa informação sobre o extravio lhe tinha sido prestada precisamente “pela Dra. Inês Bonina“.
“O que é sintomático, não apenas do incumprimento de deveres profissionais mas também de um problema de carácter incompatível com a isenção e boa-fé que são exigidas ao Ministério Público e de enormíssima deslealdade colegial”, acusa Paulo Amaral Blanco.
O advogado é um dos quatro arguidos do processo Fizz.