Os cientistas descobriram regiões bioquímicas que parecem estar profundamente envolvidas nos fatores de risco por trás do Transtorno do Espectro Autista (TEA).
Os investigadores identificaram mais de 2,000 dessas regiões regulatórias – marcadores no nosso ADN que afetam a forma como a nossa maquinaria genética opera a um nível funcional – que estão ligados à aprendizagem e fortemente associados ao TEA.
Apesar de sabermos que muitos casos de autismo estão relacionados com diferenças no código genético, a descoberta sugere que fatores epigenéticos, que afetam a sequência não-genética de ADN, poderiam explicar o desenvolvimento da condição em muitos indivíduos.
“O nosso estudo de prova de conceito demonstra a viabilidade de procurar componentes genéticos de autismo fora dos genes e que podem eventualmente levar a melhorias no diagnóstico e tratamento do autismo”, disse a neurocientista Lucia Peixoto, da Washington State University.
Os fatores epigenéticos são um campo em crescimento da ciência que trata a forma como herdamos traços e mudanças a partir das fontes ambientais ou externas, não apenas o código ADN que, por outro lado, comanda a forma como o nosso corpo deve crescer e funcionar.
Este tipo de mecanismos epigenéticos – que modificam a forma como o nosso ADN se expressa a um nível molecular – significa que experiências significativas na infância podem modificar o nosso código genético, como por exemplo, um bebé ser bioquimicamente modificado pela quantidade de carinho que recebe.
Ainda mais fascinante é o facto de estas mudanças puderem persistir para lá de uma vida, querendo isto dizer que experiências significativas que os nossos pais possam ter tido, têm um determinado impacto na nossa saúde.
Em alguns casos, as memórias epigenéticas podem ser passadas por 14 gerações, provando isto que há muito mais do que apenas ADN a afetar o nosso destino biológico.
No estudo, Peixoto e a sua equipa fizeram uma experiência com ratos colocados numa caixa que recebiam um pequeno choque, e eram condicionados a associar a caixa a uma experiência negativa.
Quando o ADN do hipocampo – a parte do cérebro que processa a memória – dos animais foi mais tarde analisada, os investigadores descobriram que a cromatina – macromoléculas que ajudam a empacotar o ADN dentro das células – tornou-se mais acessível.
Com uma nova ferramenta bioinformática que a equipa desenvolveu – o DEScan (Scan de Enriquecimento Cerebral) – os investigadores identificaram 2,365 regiões que foram epigenéticamente reguladas, seguindo o condicionamento dos ratos. E o mais interessante é que os genes à volta destas regiões são conhecidos genes de risco para o TEA.
Um dos mais conhecidos desses genes é o Shank3, que falta numa pequena percentagem de pacientes com autismo. Num estudo recente, os investigadores descobriram que os sintomas de autismo podiam ser revertidos ao mudar este gene que foram projetados sem o Shank3 ativo.
Na presente pesquisa, a equipa analisou estudos clínicos que envolviam mais de 700 crianças (550 delas tinham autismo), e descobriram que uma das regiões regulatórias identificada nos ratos – a rs6010065 – está, de facto, associado ao TEA em humanos.
Obviamente, ainda há muita pesquisa por fazer antes de sabermos mais sobre como os controlos epigenéticos podem ter impacto no desenvolvimento de autismo em crianças, mas os investigadores estão convencidos de que ter uma nova (brilhante) pista para seguir.
“Um dos maiores desafios na genética da doença é compreender o papel de vastas porções de genoma que regulam a expressão genética”, disse um dos neurocientistas Ted Abel da Universidade de Iowa.
“Mudanças dependentes da atividade na acessibilidade da cromatina podem conter a chave para entender a função desta “matéria escura” do genoma e pode providenciar novas revelações para a natureza do autismo e outras desordens de desenvolvimento neurológico”.