O milionário Xavier Niel acaba de inaugurar, na Califórnia, a Universidade 42 – uma universidade sem professores, onde não há livros e nada é pago. A ideia é receber, por ano, mil estudantes interessados em programação de computadores e no desenvolvimento de software.
O nome da nova universidade, “42” , é uma referência à resposta sobre “qual seria o sentido da vida” segundo o clássico de ficção científica The Hitchhiker’s Guide to the Galaxy, “À Boleia pela Galáxia”, de Douglas Adams.
O clássico foi criado nos anos 1970 como uma série de ficção científica cómica transmitida na BBC Radio 4 e que, posteriormente, foi transformada num livro, peça de teatro, série televisiva, longa-metragem, livro ilustrado e jogo de computador.
A primeira Universidade 42 foi fundada em 2013, em Paris, por Xavier Niel, um empresário e milionário do setor de tecnologia.
Muitos dos indivíduos que se formaram na universidade revolucionária trabalham hoje em grandes empresas como a International Business Machines (IBM), Amazon e Tesla – e alguns até criaram suas próprias empresas.
Facebook e Airbnb como modelos
O empresário Xavier Niel e os seus sócios querem revolucionar a educação tal como o Facebook fez com a comunicação na Internet e o Airbnb com a hotelaria convencional.
Para atingir essa meta, a Universidade 42 combina uma forma radical de ensino colaborativo com a aprendizagem através de projetos, dois métodos bastante populares mas que normalmente envolvem a supervisão de professores.
Os alunos da 42 poderão escolher projetos – como criar um site ou um jogo de computador – algo que fariam se estivessem a desenvolver softwares numa empresa.
Durante a realização dos projetos, os estudantes vão recorrer a fontes gratuitas disponíveis na Internet e vão ter a ajuda dos colegas.
Os jovens vão trabalhar lado a lado, numa sala com várias filas de computadores, e a avaliação será feita por um colega, escolhido aleatoriamente.
Tal como nos jogos de computador, os alunos vão poder avançar níveis, concluindo o curso ao atingir o nível 21, algo que demora entre três a cinco anos.
Fim da aprendizagem passiva
Os criadores da 42 afirmam que este novo método de aprendizagem é muito melhor que o sistema tradicional que, segundo eles, incentiva os alunos a serem apenas recetores passivos de conhecimento.
“A resposta que recebemos dos empregadores é que os jovens que formamos estão mais preparados para procurar informações por si mesmos, sem necessidade de perguntar ao supervisor o que devem fazer,” destaca Brittany Bir, diretora de operações da Universidade 42 na Califórnia.
“A aprendizagem colaborativa permite aos estudantes desenvolverem a confiança necessária para que consigam procurar soluções de forma autónoma, com métodos criativos”, explica.
Brittany Bir afirma que quem estudou na Universidade 42 consegue trabalhar em grupo, discutir e defender ideias – qualidades que são procuradas no mercado de trabalho na área de tecnologia.
Este método de ensino não é novidade e já é adotado em várias escolas e universidades, especialmente em áreas como engenharia.
Aliás, investigadores concluíram que, na Grécia antiga, alguns alunos da escola do filósofo Aristóteles exerciam a função de monitores e ajudavam os colegas.
Estudos recentes revelam que a aprendizagem colaborativa pode fazer com que o aluno desenvolva um conhecimento mais profundo sobre determinado assunto.
O professor e especialista em educação, Phil Race, explica que determinados assuntos são mais fáceis de entender quando são explicados por alguém que os aprendeu sozinho, sem nenhuma ajuda.
O diretor da escola de educação e política social do Merrimack College de Massachusetts, nos EUA, Dan Butin, defende que a aprendizagem colaborativa deve ser introduzida nos colégios e nas universidades.
Segundo Butin, este tipo de “ferramenta de ensino” é muito melhor do que palestras, que normalmente não propõem desafios ao raciocínio dos ouvintes.
No entanto, Butin considera que a Universidade 42 “foi longe demais” ao abolir os professores porque a maneira mais eficaz de ensino colaborativo inclui a supervisão de um professor especializado.
“A razão decisiva para a existência de um professor é orientar os estudantes que se deparam com assuntos complexos, ambíguos e que normalmente escapam à sua capacidade de entendimento. Os bons professores são capazes de criar, nos estudantes, o que chamo de ‘momento do arrá!’”
O especialista destaca que “a função da universidade” é desafiar conhecimentos e opiniões preconcebidas – e uma universidade sem professores pode permitir que os estudantes simplesmente “reforcem e regurgitem” as ideias que já têm sobre o mundo.
Um ensino sem professores exige um aluno disciplinado
Mas será que o modelo sem professores da Universidade 42 iria resultar nas grandes universidades?
De acordo com Britanny Bir, este método não é indicado para todos os alunos. Alguns estudantes ficam irritados pelo stress de trabalhar em grupo, e não é difícil imaginar a reação de alguém que recebe uma má nota de quem está no computador do lado.
“O método é indicado para pessoas muito disciplinadas e confiantes, que não se intimidam com a liberdade de trabalhar ao seu próprio ritmo”, diz Britanny.
Para o diretor da Universidade 42 em Paris, Nicolas Sadirac, este modelo de ensino funciona com os estudantes que fracassaram ou foram colocados de parte pelo sistema tradicional de educação.
“Em França, o sistema de educação dececiona muitos jovens que se sentem frustrados com o que são obrigados a fazer”, acrescenta.
“A 42 relembrou aos alunos que aprender pode ser divertido se seguirem os seus interesses, em vez de serem ensinados a concentrar-se numa coisa só,” conclui Sadirac.
ZAP / BBC