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Destituição de Dilma Rousseff transforma ruas de São Paulo em zona de guerra

Sebastião Moreira / Lusa

Protestos em São Paulo em apoio à Presidente afastada Dilma Rousseff

Protestos em São Paulo em apoio à Presidente afastada Dilma Rousseff

Um protesto contra a destituição de Dilma Rousseff com milhares de pessoas no centro de São Paulo, no Brasil, transformou-se, esta quarta-feira, num cenário de guerra, com episódios de vandalismo e gás lacrimogéneo lançado pela polícia.

A manifestação foi marcada nas redes sociais e começou por volta das 18h (22h em Lisboa) junto ao Museu de Arte de São Paulo (MASP), para protestar contra a destituição de Dilma Rousseff, aprovada na quarta-feira no Senado brasileiro (câmara alta parlamentar).

A concentração começou de forma pacífica, com os manifestantes a saírem da Avenida Paulista em direção à Rua da Consolação, onde se verificou então uma forte reação da polícia, que lançou dezenas de bombas de gás lacrimogéneo sobre os manifestantes. Os manifestantes responderam com fogueiras de lixo na Rua da Consolação, transformando a zona num cenário de guerra.

Uma fonte policial explicou à agência Lusa que a reação das forças de segurança presentes no local, incluindo dezenas de agentes, se deveu a autocarros queimados nas ruas.

Além de gritarem “Fora, Temer”, numa referência ao Presidente da República empossado na sequência da aprovação da destituição de Dilma Rousseff, a mesma frase foi escrita em prédios que não estavam a ser vigiados.

Quando o cheiro a gás já estava impregnado em toda a Rua da Consolação, os manifestantes voltaram ao local e começaram a gritar frases de ordem como “Não tem arrego”, uma expressão que significa “Não vamos desistir”.

Fascistas, golpistas não passarão” foi outra das frases repetidas pelos manifestantes, num dia histórico para o Brasil, que finalizou um processo de impeachment (destituição) polémico que dividiu a população.

Pelo menos uma pessoa ficou ferida durante o protesto. O funcionário público, que não quis ser identificado, contou à agência Lusa que estava a caminho da igreja, onde ia buscar a sua mulher, quando se viu no meio das bombas de gás lacrimogéneo, sentindo-se mal. Sentado na calçada, o homem explicou, no meio de uma crise de choro, que sofre de ataques de pânico.

A palavra “golpe” foi muito mais mencionada nesta manifestação do que no protesto do dia anterior, também no centro de São Paulo, testemunhou a agência Lusa.

Os tumultos continuam noutras áreas do centro da cidade.

61 contra 20

Dilma Rousseff perdeu esta quinta-feira o mandato presidencial depois de uma votação no Senado em Brasília, em que dos 81 senadores brasileiros presentes, 61 votaram pela sua destituição e apenas 20 a apoiaram.

Uma segunda votação, quanto à manutenção ou não dos direitos cívicos de Dilma Rousseff não teve os votos suficientes para a cassação dessa prerrogativa.

Apenas 42 votos senadores votaram a favor da cassação dos direitos cívicos, 36 manifestaram-se contra e três optaram pela abstenção.

Com a destituição, foi colocado um ponto final num processo que se prolongou por nove meses e dividiu o país com argumentos jurídicos e políticos.

Dilma Rousseff foi condenada por ter assinado três decretos de créditos suplementares em 2015 sem autorização do Congresso e por ter usado dinheiro de bancos públicos em programas do Tesouro, realizando manobras contabilísticas, as popularmente chamadas “pedaladas fiscais”.

Dilma Rousseff tornou-se a primeira Presidente deposta no Brasil depois do fim do regime militar na década de 1980.

O Presidente interino Michel Temer foi empossado no cargo de Presidente do Brasil numa cerimónia realizada no Senado, em Brasília, ainda na quarta-feira.

O novo chefe do poder Executivo brasileiro chegou à cerimónia de posse acompanhado de ministros de Estado e políticos, tendo sido saudado e aplaudido por um grande número de parlamentares e assessores presentes no evento.

Michel Temer foi anunciado pelo Presidente do Senado, Renan Calheiros, e em seguida leu o juramento em que promete defender a Constituição e a independência do Brasil.

“Dia de luto para a democracia brasileira”

José Eduardo Cardozo, advogado da agora ex-Presidente Dilma Rousseff afirmou ontem no Senado, em Brasília, que vai recorrer da decisão dos senadores e falou num “dia de luto para a democracia brasileira“.

Em declarações aos jornalistas após a decisão dos senadores de destituir Dilma Rousseff, mas de autorizar que ocupe cargos públicos, José Eduardo Cardozo disse que irá recorrer ao Supremo Tribunal Federal (STF) com “duas ações”.

“Entendemos que não existem pressupostos formais. Há uma serie de violações ao devido processo legal e também porque falta a chamada justa causa, o motivo para o impeachment”, disse.

Em resposta à Lusa sobre se tenciona recorrer a instâncias internacionais num processo que a defesa tem apelidado de “golpe”, o advogado respondeu que primeiro vai aos tribunais brasileiros, nos quais disse confiar.

José Eduardo Cardoso recusou-se a falar em vitória na segunda votação, que permitiu que Dilma Rousseff continue a poder ser eleita para cargos públicos, preferindo dizer que as votações foram “uma derrota gravíssima para o Brasil e para a democracia”.

“A questão da função pública é uma questão, diria, importante sobre um aspeto, mas não afasta a tristeza” do processo, vincou.

A senadora Fátima Bezerra, do Partido dos Trabalhadores (PT), respondeu à Lusa que “isto tudo é uma infâmia de um colégio eleitoral” onde a maioria que “está sendo investigada por atos de corrupção” e que decidiu “cassar o mandato presidencial, cuja titular não cometeu crime de responsabilidade”.

“A lição que fica hoje para o Brasil e para o mundo é uma lição deplorável de desrespeito à Constituição e de desrespeito pela soberania popular”, vincou.

“O PT não reconhecerá este Governo”, disse ainda numa referência ao Executivo de Michel Temer, do Partido do Movimento Democrático Brasileiro (PMDB) e ex-vice-Presidente de Dilma Rousseff, que passou agora a assumir a titularidade do mais alto cargo do país.

A defensora de Dilma Rousseff avisou ainda que os “movimentos sociais” estão “fortemente mobilizados para enfrentar a agenda do golpe”, numa referência ao processo de impeachment.

“Grande desafio”

O senador Romero Jucá, presidente em exercício do PMDB e ex-ministro do governo de Michel Temer, disse que “não houve acordo do PMDB com ninguém” para a segunda votação e que ele votou para que Dilma Rousseff não pudesse ser eleita para cargos públicos durante oito anos.

O esclarecimento surge depois da polémica em torno da votação de vários senadores do PMDB contra a inabilitação de Dilma Rousseff para cargos públicos e perda de direitos políticos, gerando desconforto entre outros partidos que apoiam o governo de Michel Temer.

Para Romero Jucá, “uma é consequência da outra”.

“Essa questão da inabilitação vai parar no STF, porque é algo diferente do usual”, acrescentou.

O senador destacou que o impeachment foi aprovado por 61 votos, logo, é “algo inquestionável”.

Agora, acrescentou, “temos um grande desafio para recuperar o Brasil“.

ZAP / Lusa

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