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Em Portugal, há 31 Câmaras que nunca mudaram de cor política

Joseolgon / Wikimedia

Câmara Municipal de Braga

Sociais-democratas e socialistas são as forças políticas com mais Câmaras sob o seu poder desde 1976, data da realização das primeiras eleições autárquicas. São 11, respetivamente, seguindo-se o PCP com nove municípios.

É um fenómeno no mínimo caricato. Em Portugal, desde 1976, 31 concelhos são dirigidos pelo mesmo partido. O PSD e o PS têm, respetivamente, 11 autarquias que sempre venceram, ao passo que o PCP tem nove. O CDS só não consegue o pleno em Ponte de Lima porque, entre 2001 e 2005, o município foi governado por um independente. Mas, afinal, como se justifica o eternizar de certos partidos políticos no poder local?

O Diário de Notícias ouviu alguns dirigentes partidários para encontrar respostas. Segundo José Silvano, secretário-geral do PSD, “a influência que o poder autárquico tem no meio empresarial e social nos pequenos concelhos permite essa perpetuação”. Um fenómeno cujo nascimento Silvano situa “nas primeiras autárquicas onde existiu, claramente, uma empatia, entre o partido e o candidato, influenciada pelas eleições para a Assembleia Constituinte no ano anterior”.

Como tal, é fácil que entre os candidatos da oposição se crie “um efeito psicológico de perda”. “Aqui, por norma, não se fazem grandes apostas, concorrer para perder não atrai candidatos que podiam ser mais fortes”, explica o social-democrata.

José Luís Carneiro, secretário-geral adjunto do PS, considera que “só uma grande proximidade e confiança da população nos projetos e nas pessoas que interpretam as estratégias socialistas pode justificar a manutenção de funções maioritárias por tanto tempo” e sugere que, a partir dos resultados de um estudo desenvolvido pelo partido, “é possível verificar que quando a população escolhe os autarcas do PS, fá-lo depois consecutivamente e por vários mandatos”.

Jorge Cordeiro, membro da Comissão Política e do Secretariado do Comité Central do PCP diz, por sua vez, que os “resultados eleitorais da CDU são inseparáveis da conjugação de fatores de influência política geral e do trabalho que realizamos nas autarquias” e destaca que “sendo verdade que o valor do nosso trabalho autárquico e do apoio que lhe é reconhecido concorre para manter posições maioritárias, não é menos verdade que em concelhos onde o diferencial entre influência nacional e local é maior, mais exigente se torna obter posições maioritárias”.

O comunista faz ainda outra leitura, assente no facto de “em zonas de maior influência da CDU haver a concentração do voto à direita no PS, que conduz e obriga a que em vários casos a CDU com 40% e mais de votação não consiga ser força maioritária“.

Já o CDS, pela voz de Francisco Tavares, secretário-geral do partido, defende que, “mais do que os partidos, o que conta aqui são as pessoas. A população sente-se representada por aquele que apresenta obra”.

“Nos pequenos concelhos acredito que seja mais valorizada a pessoa do que o próprio partido, mas haverá, certamente, alguns sítios onde o hábito de votar num partido, num símbolo, seja mais forte, onde a matriz ideológica seja vincada”, acrescenta.

O jornal ouviu também investigadores e analistas políticos que ajudaram a explicar o fenómeno, como foi o caso de Luís Sousa, investigador do Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa, que avançou com um conjunto de justificações possíveis.

“Um momento de transição repleto de episódios que poderão ter marcado o eleitorado numa determinada comunidade local e influenciado o voto”; o facto de que nem todos os partidos estavam devidamente representados por todo o território e em alguns casos as estruturas descentralizadas eram muito precárias, com fracos recursos e pouca capacidade para atrair “os melhores elementos da terra”, começou por enumerar.

Continuando com “a forma como o partido, depois de ter conquistado a autarquia, procurou ocupar, de forma tentacular, os demais poderes ou forças vivas da comunidade local (misericórdias, clubes de futebol, agremiações culturais, bombeiros, etc)”.

O próprio sistema eleitoral, avança, “é bastante desproporcional e penalizador das forças políticas mais pequenas, na regra de conversão de votos em mandatos, portanto não é facilitador de mudança, mas garante de estabilidade e governabilidade… e portanto de perpetuação no poder”. Também a “organização do poder local” é apontada por Luís Sousa como concentradora de “demasiados poderes na figura do presidente”.

“A omnipotência e omnipresença dos presidentes de Câmara no sistema político local são também dois fatores que gravemente prejudicam o pluralismo e alternância no poder”, acrescenta o investigador que atribui o fracasso das inúmeras tentativas dos partidos da oposição em conquistar as Câmaras mesmo após 12 eleições autárquicas ao “exército tentacular do poder deixa pouca margem na sociedade civil para que possam ser discutidas ideias e projetos diferentes”.

“As pessoas não estão para se chatear, outras receiam represálias. É mais fácil pactuar com o poder instituído”, conclui.

ARM, ZAP //

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