Com EUA e Alemanha pela frente, o que queria Zelenskyy do “conto de fadas” NATO?

Tim Ireland / EPA

Volodymyr Zelenskyy na cimeira da NATO

Entre a irritação e a desilusão, a imagem que fica é a de (aparente) satisfação. Mas dificilmente a Ucrânia iria conseguir mais em Vilnius.

Costuma-se dizer que as palavras que ficam na memória são as últimas. Em discursos, em conferências, ou outro tipo de eventos, é isso que costuma acontecer.

Da cimeira anual da NATO, em Vilnius, ficam as declarações mais recentes de Volodymr Zelenskyy.

“Há um bom reforço nas armas. São anti-aéreos, mísseis, veículos blindados e artilharia. É uma vitória de segurança significativa para a Ucrânia”, disse o presidente da Ucrânia, já depois da cimeira da NATO.

Um bom reforço de armamento, garantias de segurança e uma perspectiva mais clara de entrada na NATO deixaram Zelenskyy reconciliado com a NATO, escreve o Handelsblatt.

É que, no dia anterior, terça-feira, o presidente da Ucrânia tinha ficado desapontado com a NATO, como reforça o canal Euronews.

Zelenskyy queria um calendário concreto para a entrada da Ucrânia na aliança do Atlântico Norte: “Parece que não há vontade nem de convidar a Ucrânia a aderir à NATO, nem de a tornar membro da Aliança. A indecisão é fraqueza”.

Ao mesmo tempo, Jens Stoltenberg, secretário-geral da NATO, lembrou dois aspectos: a Ucrânia só será convidada para aderir à aliança “quando tudo estiver acordado e as condições estiverem preenchidas”.

Mas Zelenskyy estaria à espera que esta cimeira terminasse com um convite concreto à Ucrânia, com datas definidas.

Não aconteceu.

O presidente da Ucrânia já saberá que essa adesão, se se concretizar (há questões internas por resolver, como a corrupção), só vai acontecer depois da guerra.

A Ucrânia nunca iria entrar na NATO enquanto a guerra com a Rússia decorrer. Um ataque a um país da NATO é sinónimo de contra-ataque da aliança.

O Artigo 5 da NATO não deixa dúvidas: qualquer Estado-membro atacado por um “agressor externo” tem direito a pedir intervenção militar de todos os outros países aliados.

Ou seja, adesão imediata ou próxima da Ucrânia seria sinónimo de NATO vs. Rússia.

Aí sim, seria a III Guerra Mundial.

Dentro da NATO houve resistência, sobretudo, de dois países, duas potências mundiais: EUA e Alemanha, indica o jornal alemão Handelsblatt.

A posição dos responsáveis da Alemanha é exactamente a de hesitação, talvez até receio, de um envolvimento directo (e não indirecto, como até agora) na guerra.

E Joe Biden acompanha a perspectiva alemã: “Não queremos uma situação em que estamos todos numa guerra com a Rússia. A Ucrânia não está pronta para entrar na NATO. Vai demorar”, tinha dito o presidente dos EUA, lembra o The Telegraph.

Em Vilnius, não houve avanços no processo que o presidente da Ucrânia desejava; mas houve sinais de desafios cada vez maiores na NATO.

Rússia: NATO sem cabeça?

Sergey Lavrov voltou a avisar o Ocidente que, se forem entregues os aviões F-16 à Ucrânia, os EUA e “os seus satélites na NATO criam o risco de um conflito militar directo com a Rússia, e isso pode ter consequências catastróficas“.

O ministro dos Negócios Estrangeiros da Rússia considera que esses F-16 “podem transportar armas nucleares“, por isso, acrescenta, esta cedência será uma “ameaça nuclear do Ocidente”.

Um especialista militar russo, Victor Baranets, tem outra perspectiva: o novo plano da NATO contra a Rússia é um plano para “uma guerra em grande escala na Europa”.

No jornal Komsomolskaia Pravda, Victor aborda a “velha cantiga” da aliança: a Rússia é sempre uma ameaça para a Europa.

Aliás, o especialista considera que a NATO só existe por causa da Rússia: “Sem a ameaça russa, a NATO é como um conto de fadas sobre lebres sem lobo ou urso”.

E voltam as ameaças nucleares, com ironia na introdução: “O potencial total das forças terrestres da NATO excede 4 milhões de pessoas. Já consigo ouvir os gritos de pânico dos habitantes russos: a Rússia não será capaz de resistir a esse poder!”.

“Mas não entrem em pânico. A nossa doutrina nuclear diz que, se formos atacados, mesmo com armas convencionais, isso ameaçaria a soberania e a integridade territorial da Rússia. E teríamos o direito de responder, inclusive com o uso de armas nucleares”.

“A NATO pode enviar tropas para as nossas fronteiras quantas vezes quiser, mas é improvável que queira ficar sem cabeça…”, finaliza o artigo.

Nuno Teixeira da Silva, ZAP //

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