Funcionários da fronteira têm como alvo quem possui dupla cidadania ou se manifesta contra a guerra na Ucrânia. Interrogatórios e inspeção de telemóveis podem resultar em detenção e processos arbitrários — mas há antídotos.
Doações a organizações ucranianas, publicações e comentários nas redes sociais contra a guerra desencadeada pela Rússia contra a Ucrânia, vistos “suspeitos” no passaporte: todos estes podem ser motivos para sujeitar cidadãos russos a controlos rigorosos e “interrogações”, ao entrarem no país de origem. Em alguns casos, a consequência é uma ação judicial.
Natalya cruzou a fronteira entre a Estónia e a Rússia em fevereiro de 2024. Conta que, ao folhear o seu passaporte, uma funcionária se deparou com um visto atual, da categoria D, logo, suscetível de ser convertido na hora numa autorização de residência mais prolongada. Após a observar minuciosamente, a funcionária ordenou que Natalya a seguisse para outra sala para “interrogação” onde um agente do Serviço Federal de Segurança russo (FSB) lhe fez algumas perguntas.
Com um tom severo, o agente pediu informações sobre o visto da Letónia e sobre a postura de Natalya em relação à “operação militar especial”, que é como a guerra russa contra a Ucrânia iniciada em 24 de fevereiro de 2022 deve ser oficialmente designada na Rússia.
O agente também inspecionou o seu telemóvel e, apesar de não ter encontrado nada reprovável, copiou o IMEI do seu aparelho, o código de 15 dígitos que permite identificar telefones de todo o mundo.
Desde então, Natalya só entra na Rússia pela fronteira com a Bielorrússia, onde até hoje os funcionários não demonstraram interesse nem pelo seu visto para a União Europeia, nem pelo conteúdo do seu telemóvel.
Prisão dias depois, por trivialidades
Desde 2022, os agentes de fronteira da Federação Russa realizam controlos rigorosos na entrada ou saída do país. Qualquer coisa pode ser objeto de suspeita: o pretexto para verificação pode ser uma nacionalidade estrangeira, ou uma autorização de permanência ou visto para um país do Ocidente.
Se os funcionários acreditam ter encontrado algo condenável, geralmente o indivíduo é detido por algum delito fictício, como proferir obscenidades em público ou desrespeitar as instruções de um polícia. Em alguns casos, a detenção ocorre dias após a travessia de fronteira.
Segundo o advogado Yevgeny Smirnov, este procedimento é comum entre as forças de segurança: os representantes das autoridades combinam entre si a realização de um processo criminal, enquanto a vítima é detida por “pequenas desordens”.
Foi o que aconteceu com Ksenia Khavana, de 32 anos, que em 2021 adotou a cidadania americana. Ao desembarcar na Rússia, em janeiro de 2024, o seu telefone foi inspecionado, e o agente do FSB descobriu uma doação de 51 dólares para a fundação ucraniano-americana Razom – Together we are Ukraine.
Isso foi suficiente para que se iniciasse um processo por “alta traição”, por apoiar as Forças Armadas da Ucrânia. Khavana ainda conseguiu chegar até Ecaterimburgo, onde vivem os seus pais, mas uma viatura policial prendeu-a à chegada por ter supostamente proferido insultos em local público.
Fotos de gatinhos contra as autoridades russas
Como explica Smirnov, os agentes de fronteira costumam inspecionar os SMS e emails dos telemóveis. Verificam se o suspeito segue contas ucranianas nas redes sociais, quais canais subscreve na plataforma Telegram e examinam a sua correspondência pessoal.
Em alguns casos, a pessoa já está na mira das autoridades, por aparecer em alguma “lista negra” dos serviços de segurança.
Os afetados pela arbitrariedade judicial podem ignorar totalmente uma ação penal já engendrada contra eles. Foi o caso do cidadão russo-americano Yuri Malev, de 60 anos, que viajou para o país natal em dezembro de 2023. Duas semanas mais tarde foi preso em São Petersburgo e enviado para um centro de detenção provisória.
A acusação diz que estaria “a reabilitar o nazismo“, com base em duas publicações suas contrárias à guerra na Ucrânia na rede social Odnoklassniki. Segundo os autos do seu processo, uma reformada de 86 anos de São Petersburgo terá sido responsável pela denúncia.
A partir desses e de outros casos, a ativista Anastasia Burakova aconselha que, antes de se embarcar para a Rússia, se obtenha um passaporte novo, sem vistos “suspeitos”, e que se atente para o conteúdo do próprio telemóvel e portátil. Burakova fundou o Projeto Ark em março de 2022, como reação à repressão dos russos que não concordam com a invasão da Ucrânia.
Pode-se levar para a viagem, por exemplo, um aparelho novo, com novos perfis nos programas de mensagens e redes sociais, aconselha. Este aparelho deve ser devidamente preparado com “conteúdos seguros”.
“Podem ser fotos de gatinhos ou uma conversa com a mãe sobre coisas totalmente apolíticas”, diz.
// DW
Guerra na Ucrânia
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Será que Putin é primo do Hitler. Convém verificar. Pobre povo russo.