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Vítor Bento diz que Novo Banco nasceu “filho de um fantasma e de uma ilusão” (e garante que ministra não lhe mentiu)

José Sena Goulão / Lusa

O economista Vítor Bento

O antigo presidente do Novo Banco Vítor Bento disse esta terça-feira no Parlamento que a solução encontrada para a resolução do BES foi filha do “fantasma” do BPN e de “uma ilusão” sobre o seu valor.

“A solução adotada foi filha de um fantasma e de uma ilusão: o fantasma foi o BPN, e obviamente que era um susto ficar-se com um BPN nas mãos naquelas condições; a ilusão era sobre o valor do banco”, disse aos deputados na sua audição na comissão parlamentar de inquérito às perdas no Novo Banco imputadas ao Fundo de Resolução.

Respondendo ao deputado do PSD Hugo Carneiro, Vítor Bento disse estar convencido que “quem teve de tomar as decisões que tomou tinha uma ideia sobre o valor do banco que depois não se veio a confirmar“, e que “seria facilmente concretizável numa venda muito rápida”.

Sobre o processo de resolução do BES, o economista que transitou para o Novo Banco já tinha referido ao deputado João Cotrim Figueiredo que um dos erros no processo foi a confusão entre a autoridade de supervisão e de resolução.

Respondendo à questão de “quem era o cocheiro” do processo pela parte do Banco de Portugal, Vítor Bento disse que “do ponto de vista formal era o presidente do Fundo de Resolução, que era o acionista, mas quem tinha a incumbência, o chapéu maior, era a governação do Banco de Portugal, por direito”.

“Um dos erros que eu acho que foi cometido neste processo, e que eu acho que seria desejável evitar para futuro, foi a confusão entre a função de supervisor e a função de agente de resolução”, disse Bento, considerando-a como “uma das coisas terríveis” do processo.

“A nossa relação com o Banco de Portugal ficou sempre inquinada por esta confusão. O próprio Banco de Portugal não distinguia”, prosseguiu, ressalvando que não estava a fazer uma acusação sobre o tema.

Já sobre a sua saída do Novo Banco, Vítor Bento afirmou que foi um processo longo de expectativas goradas, primeiro no BES e depois no Novo Banco, tendo utilizado uma metáfora para explicar o tema.

Vítor Bento contou a “história do almocreve que estava a sua carregar a mula para ir para o interior do país com a sua carga, a carregá-la de sardinhas, vai pondo sardinhas e às tantas põe uma sardinha e o burro cai”. “O almocreve diz: ‘raio do burro não aguenta com uma sardinha’. Obviamente não foi a sardinha que derrubou o burro, eram as que já lá estavam”, prosseguiu.

Assim, no BES, as “sardinhas” foram “a acumulação de factos”, não havendo “um facto concreto que determinasse a saída”. “Mais cedo ou mais tarde iríamos ter de sair. Tínhamos tido demasiadas expectativas frustradas ao longo do tempo”, no BES com “garantias que não se concretizaram”, com a não resolução do “problema de Angola” e da ausência da capitalização pública.

“Aceitámos ficar na resolução. Começámos por recusar”, explicou o economista, dado que os advogados “chamaram à atenção do que é que a resolução implicava” em termos de separação de balanço e necessidade de vendas rápidas, algo que “não fazia parte” do projeto de Vítor Bento.

No entanto, a equipa também entendeu que não podia “abandonar o banco enquanto ele não estivesse minimamente estabilizado, porque isso além de ser irresponsável, iria agravar a própria situação de instabilidade do banco”.

“Acabámos por sair quando o banco já estava razoavelmente estabilizado”, mas não “totalmente”, disse Vítor Bento aos deputados, acrescentando que “a própria relação de confiança entre as partes ia ficando muito desgastada“, sendo “preferível entrar uma equipa que estivesse liberta do lastro” da anterior.

“A ministra das Finanças a mim não me mentiu”

O antigo presidente do BES assegurou que a ex-ministra das Finanças Maria Luís Albuquerque, com quem só falou uma vez, não lhe mentiu e deixou claro a inexistência de vontade política para um apoio público ao banco.

Vítor Bento garantiu aos deputados que, no período da resolução do BES, só falou com a ex-ministra das Finanças no dia 30 de julho de 2014 e, portanto, não sabe qual era visão de Maria Luís Albuquerque no início do processo porque não manteve contacto com a antiga governante.

Ricardo Graça / Lusa

A antiga ministra das Finanças, Maria Luís Albuquerque

“Se calhar devia ter falado, não sei. Eu sou institucionalista e, portanto, como os meus contactos foram com o Banco de Portugal, eu parti do princípio que o que havia a acertar com o Governo, o Banco de Portugal acertaria com o Governo“, justificou.

O antigo presidente do Novo Banco recordou que o BdP “deu reiteradas garantias públicas que estava disponível a linha de capitalização pública”, não lhe passando “pela cabeça” que “não tivesse havido um acerto de posições prévia”. “A senhora ministra comigo foi clara: não havia vontade política para dar esse apoio público e, portanto, que essa não seria a sua solução preferida. A senhora ministra das Finanças a mim não me mentiu”.

 

Governo envia carta de compromissos junto de Bruxelas

De acordo com o jornal ECO, o Governo começou a enviar documentos pedidos pela comissão de inquérito ao Novo Banco, após as reclamações dos deputados.

Um dos documentos enviados é a carta assinada por Mário Centeno, então ministro das Finanças, em 2017, juntamente com a lista dos compromissos assumidos pelo Estado português para a Comissão Europeia (CE) dar “luz verde” ao acordo de capital contingente de 3.890 milhões de euros

Este acordo está no centro de toda a discussão da comissão de inquérito que visa apurar as perdas registadas pelo Novo Banco e imputadas ao Fundo de Resolução.

Em 2017, para concluir a venda de 75% do capital do Novo Banco ao fundo americano Lone Star, o Estado teve de assumir compromissos junto da CE para aprovar um auxílio público. Além de um plano de reestruturação, incluindo a redução de pessoal, a venda de operações internacionais e a redução do malparado, o Novo Banco ficou obrigado a cumprir várias exigências do ponto de vista do desempenho operacional.

 

Ao assumir estes compromissos, o Governo obteve a aprovação europeia para criar o mecanismo de capital contingente, que vinculou o Fundo de Resolução à parte má do Novo Banco. Até hoje, do envelope de 3,89 mil milhões de euros, cerca de três mil milhões já foram “gastos”.

Também chegou ao Parlamento o documento confidencial de autorização da CE para o auxílio de estado.

Continua a faltar documentação pedida pelos deputados, como a correspondência trocada com Bruxelas, o Banco de Portugal e o próprio Novo Banco.

 

Maria Campos, ZAP // Lusa

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