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Novo Banco. “Necessariamente um ou outro banco tinham que ser resolvidos”

O ex-diretor de supervisão do Banco de Portugal (BdP) Carlos Albuquerque disse esta sexta-feira que face à opção de utilizar os 12 mil milhões da capitalização da ‘troika’, “necessariamente um ou outro banco tinham que ser resolvidos”.

Ao deputado Miguel Matos (PS), falando na Comissão Eventual de Inquérito Parlamentar às perdas registadas pelo Novo Banco e imputadas ao Fundo de Resolução, Carlos Albuquerque referiu que o BdP “assumiu todo o risco de supervisão” no período em que estava disponível a linha de capitalização da ‘troika’, de 12 mil milhões de euros.

“Se o Banco de Portugal tivesse optado ou tivesse sugerido que a solução portuguesa fosse igual à solução irlandesa, por exemplo, em que houve um resgate total ao sistema bancário, seriam necessários 40 a 45 mil milhões de euros em vez de 12”, disse, citado pela agência Lusa. Nessa situação, “o risco de supervisão era baixíssimo”, acreditando Carlos Albuquerque que “mais nenhum banco seria resolvido”.

No entanto, com 12 mil milhões, com aquela decisão, “necessariamente um ou outro banco tinham que ser resolvidos, ou entrar em liquidação, ou não suportariam” as circunstâncias, referiu. Anteriormente, em resposta ao deputado João Cotrim Figueiredo, o atual administrador da Caixa Geral de Depósitos (CGD) já tinha afirmado que entre 2007 e 2017 os bancos portugueses constituíram 48 mil milhões de imparidades, dos quais 23 mil milhões entre 2011 e 2014.

O Novo Banco era “igual” aos outros bancos nacionais, mas sem os ativos como os do BES”, disse ainda Carlos Albuquerque, realçando o caráter sistémico dos problemas.

“O Novo Banco era um banco bom no sentido em que estava completamente limpo? Não era. Era um banco igual à generalidade dos bancos portugueses, sem aquele tipo de ativos e passivos que geraram e foram na altura considerados no princípio que foi utilizado” para a separação do BES, disse esta sexta-feira Carlos Albuquerque no parlamento.

O diretor de supervisão prudencial do BdP entre 2014 e 2017 referiu que “não haveria capital” para ‘limpar’ o balanço da instituição. “Se calhar precisava de mais seis, sete, oito ou nove mil milhões, não sei, dentro daquele momento, dentro dos tais 45 [mil milhões] que eu acho que seriam necessários”, disse, referindo-se ao número que acreditava ser preciso para ‘limpar’ o sistema bancário nacional.

Carlos Albuquerque indicou que os valores de exposições não produtivas do Novo Banco “não são excecionalmente superiores aos outros bancos”, sendo “muito próximos daquilo que é o sistema”. “Chamou-se banco bom e banco mau de uma forma que eu acho que não é absolutamente correta. Não foi o banco bom e o banco mau, porque efetivamente o Novo Banco foi um banco que ficou, grosso modo, igual aos outros bancos do sistema”, reforçou.

Mais tarde, apontou que “se todos os ativos segregados que deram origem ao Novo Banco tivessem ficado no BES, os números que disse eram muito mais graves”, respondendo à enumeração de imparidades feita por Miguel Matos.

O deputado socialista tinha comparado o Novo Banco face aos restantes cinco maiores bancos, referindo, em 2015, “o peso mais elevado de créditos não produtivos, menos 15 pontos percentuais de crédito a clientes, o ‘portfolio’ de crédito em risco, de 20% comparado com 11%, e um rácio de solvabilidade inferior, de 9% versus 11%”.

Consultoras “são poucas”

Carlos Albuquerque disse ainda que as quatro grandes consultoras “são poucas” e que o processo de auditoria no mundo financeiro “devia ser mais” independente.

André Kosters / Lusa

Questionado pelo deputado Duarte Alves, do PCP, se “faz sentido as mesmas entidades poderem prestar consultoria e auditoria externa em nome do supervisor”, afirmou: “Há uma questão muito relevante, que é o facto de serem poucas”, apontou, acrescentando que “as grandes instituições têm uma das ‘big four’ e não saem das ‘big four'”, as quatro grandes consultoras mundiais: Deloitte, KPMG, PwC e EY.

Realçando que “não é só cá em Portugal, é em geral”, questionando-se Carlos Albuquerque “se não deveriam existir mais” e “o que é que se deveria fazer para o mundo não ficar limitado a estas ‘big four'”.

“Devia haver uma grande separação entre atividades, mas é um tema que não tenho resposta. Penso que é um tema relevante na supervisão financeira, penso que é um tema relevante em geral, nas empresas cotadas, na sociedade”, prosseguiu.

No seu entender, “o tema relevante é como é que se consegue atingir um nível de independência que seja mais satisfatório do que é, pelo menos, nesta altura”. “Tem sido independente, mas eu acho que devia ser ainda mais”, disse, admitindo, porém, não saber “como é que se faz” para atingir tal objetivo.

O tema surgiu depois de durante a audição ter sido discutida a saída do antecessor de Carlos Albuquerque na supervisão do BdP (esteve no cargo entre 2014 e 2017), Luís Costa Ferreira, para a consultora PwC, bem como de Pedro Machado, que fez o mesmo percurso.

Ao deputado Miguel Matos (PS), defendeu que uma situação como aquela deve compreender um ‘período de nojo’. “Se me perguntar se acho que a saída de um banco central para uma entidade que supervisiona ou que faz esse tipo de trabalhos deveria exigir um período de nojo? Acho que sim”, referiu.

No entanto, no caso concreto de Costa Ferreira e Machado, disse que não iria “julgar”, e “naquele tempo não foi tema”.

Questionado pelo deputado socialista se a PwC “tinha condições para fazer uma avaliação independente do balanço de abertura do Novo Banco quando tinha acabado de roubar dois grandes arquitetos da resolução” do BES, considerou “que isso pode subjetivamente levar a um tipo de interpretação dessa natureza”.

“Acho que, apesar de tudo, tinha e continua a ter” capacidade, admitindo “que do ponto de vista de independência, o pudesse fazer de forma independente”, concluiu.

À deputada Mónica Quintela (PSD), disse ainda que a mudança de funções não “põe em causa a atuação da pessoa” naquele caso concreto. “Conheço bem a pessoa [Luís Costa Ferreira], não vejo que tenha posto”, disse.

// Lusa

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