Um agente dos serviços secretos norte-americanos fez uma “denúncia urgente” contra o Presidente dos EUA sobre uma promessa que Donald Trump terá feito em privado relacionada com a Ucrânia.
Os pormenores ainda não são conhecidos, mas a recusa do Departamento de Justiça em enviar a queixa para o Congresso, como é habitual nestes casos, está a agravar ainda mais a tensão entre a Casa Banca e o Partido Democrata, e entre Trump e a comunidade de serviços secretos.
Na quarta-feira, o jornal norte-americano The Washington Post noticiou que a denúncia foi feita na sequência de um telefonema entre Trump e o Presidente de outro país, em que o Presidente norte-americano terá feito uma promessa tão alarmante que o agente reportou o caso ao inspector-geral dos serviços secretos, Michael Atkinson. Na quinta-feira, o New York Times noticiou que a queixa em causa foi motivada por vários acontecimentos, e não apenas pelo telefonema de Trump.
Duas semanas antes de a denúncia ter chegado ao gabinete do inspector-geral, Trump falou ao telefone com o Presidente da Ucrânia, Volodimir Zelenski. Após pedidos insistentes do Congresso norte-americano e do Governo ucraniano, a Casa Branca autorizou finalmente a transferência de 250 milhões de dólares (226 milhões de euros) para ajuda militar à Ucrânia nos combates contra os separatistas pró-russos no Leste do país.
Na quinta-feira, quando o envio da verba passou o último bloqueio burocrático, o Presidente ucraniano salientou as boas relações com a Casa Branca. “Agora podemos dizer que temos muito boas relações com os EUA, porque vamos receber não apenas 250 milhões, mas também um pacote adicional de 140 milhões. Eu gosto de uma relação em que estamos à espera de 250 milhões e temos a oportunidade de receber 390 milhões”, disse Zelenski, que é também um conhecido ator cómico no seu país.
O motivo oficial para o adiamento da ajuda militar à Ucrânia era uma discordância entre a Casa Branca e o Governo ucraniano sobre a melhor forma de usar a verba, mas os críticos do Presidente Trump acusam-no de ter chantageado o Presidente ucraniano: em troca do desbloqueio da verba, a Ucrânia teria de prejudicar um dos possíveis adversrios de Trump nas eleições presidenciais de 2020, Joe Biden.
A Comissão de Serviços Secretos da Câmara dos Representantes, atualmente com maioria do Partido Democrata, está a investigar se o advogado pessoal de Trump, Rudolph Giuliani, pressionou responsáveis ucranianos a tomarem decisões sobre algumas suspeitas de corrupção no país.
Entre abril de 2014 e abril de 2019, o filho de Joe Biden, Hunter Biden, fez parte da administração da Burisma Holdings, a maior empresa privada de exploração e produção de gás na Ucrânia. Antes de essa informação ter sido conhecida do grande público, Joe Biden, então vice-presidente dos EUA, esteve na Ucrânia a incentivar o Governo local a reduzir a sua dependência de gás da Rússi , o que deixou Hunter Biden exposto à acusação de conflito de interesses.
Esta sexta-feira, de acordo coma CNN, Rudolph Giuliani admitiu que pressionou um responsável ucraniano a investigar o possível envolvimento de Joe Biden no afastamento do procurador que investigou a Burisma Holdings, mas o atual procurador-geral da Ucrânia disse à Bloomberg, em maio, que não há provas contra Joe Biden ou Hunter Biden.
Na quinta-feira, o Presidente norte-americano disse que está a ser vítima de “assédio presidencial” e classificou as notícias sobre a denúncia contra ele como “mais fake news”. “Sempre que falo ao telefone com um líder estrangeiro, sei que pode haver muitas pessoas a ouvir a conversa, de várias agências dos serviços secretos norte-americanos e também do outro país”, disse Trump no Twitter.
“Sabendo isto, será que alguém é assim tão estúpido que acredite que eu diria algo inadequado a um líder estrangeiro durante um telefonema com tantos ouvintes? Seja como for, eu só faço o que é o mais correto, e só faço o bem para os EUA!”, afirmou o Presidente norte-americano.
Segundo a lei, uma “denúncia urgente” feita ao inspetor-geral da comunidade de serviços secretos norte-americanos deve ser enviada para as comissões do Congresso que supervisionam agências como a CIA ou a NSA.
O diretor das agências de serviços secretos, Joseph Maguire, vai ser ouvido na Câmara dos Representantes na próxima quinta-feira, dia 26 de setembro, mas é provável que mantenha a recusa em desviar-se da sua argumentação.
Segundo o Departamento de Justiça, a denúncia não tem de ser enviada ao Congresso porque envolve um responsável que tem um poder alargado para desclassificar informação. Nesses casos, não cabe aos serviços secretos avaliar se as promessas ou as ações de um Presidente são ilegais ou se passaram a ser legais apenas porque foi um Presidente quem as fez.
Se o caso chegar aos tribunais, e se a Casa Branca alegar privilégio executivo para não divulgar a denúncia em causa, o Supremo pode vir a ter de se pronunciar tal como o fez em 1974, quando o então Presidente, Richard Nixon, se recusou a entregar as gravações das suas conversas na Casa Branca.
A decisão do Supremo de ordenar o Presidente a entregar as gravações levou à queda de Nixon duas semanas mais tarde para evitar ser destituído num processo de impeachment do Congresso.