Os analistas acreditam que o silêncio de Trump pode acabar por ajudar à acusação, já que pode ser visto como um sinal de que tem algo a esconder.
Na sua deposição de ontem perante a procuradora-geral de Nova Iorque, Letitia James, Donald Trump invocou a Quinta Emenda da Constituição dos Estados Unidos — que protege o direito dos suspeitos contra a auto-incriminação e lhes dá a possibilidade de recusar responder às perguntas das autoridades para que as respostas não sejam usadas contra si — mais de 440 vezes.
Trump apenas respondeu à questão sobre qual era o seu nome, tendo citado a Quinta Emenda na resposta a todas as outras perguntas relativas à avaliação das suas propriedades, os seus negócios, e empréstimos. Em causa está uma investigação a suspeitas de fraude fiscal na Trump Organization.
Em 2016, Trump sugeriu que as pessoas que citam a Quinta Emenda o fazem porque são culpadas, referindo-se aos ex-funcionários do gabinete de Hillary Clinton, que recusaram falar sobre os ataques nos edifícios diplomáticos norte-americanos em Benghazi, na Líbia, quanto Clinton era Secretária de Estado de Obama.
Num comunicado emitido após a deposição, o ex-Presidente justificou a sua escolha de ficar em silêncio, alegando que está a ser vítima de uma perseguição política.
“Uma vez perguntei: “‘Se és inocente, porquê invocar a Quinta Emenda?’ Agora sei a resposta a essa pergunta. Quando a tua família, a tua empresa, e todas as pessoas à tua volta são alvo de uma caça às bruxas infundada e politicamente motivada apoiada pelos advogados, procuradores e os media falsos, não tens escolha”, afirmou.
O antigo chefe de Estado diz ainda que não teve escolha a não ser ficar em silêncio “porque a actual administração e muitos procuradores neste país perderam os limites éticos da decência”.
Na quarta-feira, Trump também acusou James, que é uma mulher negra, de ser “racista” e de estar a levar a cabo “a maior caça às bruxas na história dos EUA!”.
O gabinete de Letitia James também falou sobre a deposição: “Apesar de não comentarmos sobre detalhes específicos, podemos confirmar que hoje o nosso escritório levou a cabo uma audição ao ex-Presidente Donald Trump. A procuradora-geral Letitia James participou na deposição onde o Sr. Trump invocou o seu direito da Quinta Emenda contra a auto-incriminação”.
Em Fevereiro, um juiz do Supremo Tribunal de Manhattan ordenou que Trump e dois dois seus filhos, Ivanka e Donald Trump Jr., respondessem às questões da procuradora-geral, salvaguardando o seu direito a ficar em silêncio. No entanto, o juiz ressalvou que o júri num caso civil pode fazer “inferências negativas” quando os suspeitos invocam a Quinta Emenda.
A família de Trump tinha pedido ao juiz, Arthur Engoron, que bloqueasse as intimações, mas o pedido não foi concedido. Trump Jr. e Ivanka falaram com Letitia James na semana passada, tendo o primeiro invocado a Quinta Emenda mais de 500 vezes durante o testemunho, relata a NBC.
O que o silêncio de Trump significa
Apesar de ter ficado em silêncio para tentar não se auto-incriminar, esta estratégia de Trump pode acabar por sair pela culatra.
Vários analistas ouvidos pelo Politico lembram que a deposição de Trump perante James pode ser um sinal de que o caso civil está a entrar na fase final, recordando a investigação da procuradora-geral ao ex-Governador de Nova Iorque, Andrew Cuomo, que foi alvo de várias acusações de assédio sexual.
A entrevista de 11 horas de James a Cuomo foi um dos passos finais da investigação antes da divulgação do relatório que acabou por ser uma das razões para a demissão do então Governador. Os especialistas acreditam que, tal como alertou o juiz, o silêncio pode criar a impressão no júri de que Trump tem algo a esconder.
“O que está a dizer é que ele tem medo de testemunhar porque o que ele diz será usado contra ele num procedimento criminal”, explica Vincent M. Bonventre, professor de Direito na Albany Law School.
Agora, a procuradora-geral pode usar a situação a seu favor. “Agora, James pode dizer que se ele invoca a Quinta Emenda, então está preocupado com uma possível responsabilização criminal, o que significa que a sua investigação tem mérito e que pode avançar com acusações contra ele e levá-lo a julgamento”, acrescenta Joshua Schiller, advogado que já trabalhou com Letitia James.
“Por outro lado, imagino que Trump diga ‘não vou responder às perguntas porque este tribunal não é sério e ninguém me iria ouvir de qualquer das formas'”, refuta.
No entanto, o silêncio do magnata pode complicar os esforços da procuradora de o ligar pessoalmente às alegadas fraudes fiscais. “Se ele está directamente ligado com as declarações de impostos que dizem ser falsas, isso já é uma questão que podem não conseguir resolver sem o seu testemunho e sem provas documentais ou testemunhos de outros nesse sentido”, diz Schiller.
Cerco aperta em torno de Trump
Menos de dois anos depois de ter saído da Casa Branca, Donald Trump está a levar com fogo legal de todos os lados.
Para além destas suspeitas de fraude fiscal e de uma outra investigação parlamentar sobre as suas declarações de impostos, o gabinete do procurador-geral de Manhattan também acusou a Trump Organization no ano passado de liderar um esquema criminal para fugir aos impostos.
Na terça-feira, um tribunal de recurso federal em Washington D.C. segurou a decisão de uma instância inferior que rejeitou a tentativa de Trump de bloquear o acesso de um comité da Câmara dos Representantes às suas declarações de impostos.
O ex-Presidente também foi esta semana alvo de uma busca sem precedentes na história dos Estados Unidos, com o FBI a fazer uma rusga à sua casa para reaver documentos confidenciais que Trump levou indevidamente consigo quando saiu da Presidência.
As buscas foram alvo de críticas de muitas figuras importantes dos Republicanos, que dizem que as autoridades estão a ser instrumentalizadas para fins políticos. Trump até já acusou o FBI de plantar provas falsas e Chistopher Wray, director da agência federal, disse que está preocupado com as ameaças que os agentes têm recebido por parte dos apoiantes do ex-Presidente.
A investigação parlamentar sobre o ataque ao Capitólio também ainda não terminou. Já foram ouvidos muitos testemunhos de conselheiros que apontaram o dedo a Trump, que ainda não está livre de ser acusado formalmente pelo Departamento de Justiça devido ao seu alegado envolvimento na insurreição dos seus apoiantes.
Na Geórgia, um júri também está a investigar e ouvir testemunhos sobre possíveis tentativas criminosas de Trump e de outros membros da sua equipa de reverter a vitória de Joe Biden no estado nas presidenciais de 2020.
“Circo aperta em torno de Trump” e o palhaço bem no meio hahahaha
E não esquecer a Investigação ao papel de Trump na invasão do Capitólio. Agora entendi porque ele vai concorrer a Presidente outra vez, para ter imunidade a estes processos todos.
@ZAP
*Circo* aperta em torno de Trump?
Circo ou cerco? Se «circo» é propositado, acabam de subir na minha consideração. LOL!
Caro leitor,
Obrigado pelo reparo. Tratou-se efetivamente de um lapso.
Mas, como diriam os italianos, si non e vero e ben trovato.
Não percebi a seguinte frase: «Na quarta-feira, Trump também acusou James, que é uma mulher negra, de ser “racista” e de estar a levar a cabo “a maior caça às bruxas na história dos EUA!”»
Porque temos que saber que a senhora é de raça negra?
Caro leitor,
Obrigado pelo reparo.
Não nos parece que neste caso concreto a referência em causa seja irrelevante.