A tributação de lucros extraordinários terá um impacto “grande” nas empresas de energia e levará “à diminuição do seu valor de mercado”, podendo “ter o efeito perverso de desincentivar” uma eventual descida de preços, segundo especialistas contactados pela Lusa.
Bruxelas propôs, em 14 de setembro, uma taxação de 33% sobre os lucros extraordinários das empresas de petróleo, gás, carvão e refinaria, cujas receitas deverão ser “cobradas pelos Estados-membros e redirecionadas para os consumidores de energia”, para aliviar preços.
O ministro das Finanças, Fernando Medina, afirmou na sexta-feira, perante a insistência do Bloco de Esquerda (BE) e PCP sobre o tema, que o executivo “não tem nenhuma posição fechada” sobre a tributação de lucros não esperados.
Questionado sobre a proposta europeia, o economista e professor da Nova SBE João Duarte considerou que “o impacto nas empresas de energia será grande” por causa “da forma como está a ser definido o que é lucro extraordinário”. Ora, esta definição, acrescentou, “é o problema fundamental da aplicação” da medida e “determinará o impacto sobre as empresas do setor da energia”.
De acordo com o economista e investigador da Nova SBE, “a definição do que são lucros extraordinários que consta na proposta da Comissão que foi publicada é de que são todos os lucros que estão acima de 20% da média dos últimos três anos (2021, 2020 e 2019)”.
Destes três anos, os dois últimos são de pandemia, “onde a economia arrefeceu brutalmente em termos históricos” e em que “as empresas de energia viram os seus lucros bastante reduzidos em 2021 e, principalmente, em 2020″, prosseguiu. João Duarte exemplificou com o caso da Galp, que teve um lucro médio “de 31 milhões de euros nos últimos três anos”.
No entanto, se forem considerados os últimos cinco anos, o lucro médio é de 334 milhões de euros, e de “685 milhões de euros se considerarmos os três anos antes da pandemia (2019, 2018, 2017)”, apontou. “Portanto, fica claro que, a depender de como é definido o que é lucro extraordinário, podemos estar a falar de uma base de tributação que é 10 ou 20 vezes menor do que o que está a ser proposta pela Comissão Europeia”, destacou o economista.
Nesse sentido, “a definição proposta implica que os lucros de 2022 das empresas de energia vão sofrer uma tributação extraordinária volumosa, o que pode trazer impactos ao nível de possíveis diminuições de investimentos programados, contratação de mão-de-obra”, entre outros.
“E importa lembrar que muitos destes investimentos estão relacionados à transição energética para fontes de energia que poluem menos”, acrescentou, apontando que, “apesar de haver uma menção generalista na proposta de que os incentivos a investimentos ‘verdes’ se mantêm, não fica claro como esta taxa solidária proposta sobre os lucros extraordinários afetará estes mesmos investimentos”, rematou.
O economista admitiu que a proposta “poderá ser benéfica” para empresas fora do setor da energia, “nomeadamente as que mais têm sido atingidas pela subida dos preços de energia”.
Já o professor catedrático de Finanças do ISEG João Duque apontou que, em primeiro lugar, “há que estimar que lucros são esses”, qual a referência sobre a qual se estimam esses resultados extraordinários.
“Sem sabermos o que seriam os lucros ‘ordinários’ nunca saberemos quais são os ‘extraordinários'”, sendo que outra questão é o “timing” da medida, uma vez que os lucros são apurados após o encerramento de contas (durante o primeiro trimestre de 2023), continuou.
“Assim, o apuramento desses lucros só terá efeito no orçamento de 2023 quando forem liquidados e pagos os impostos relativos a 2022. Quando se pretende que estes lucros sejam redirecionados para os consumidores, quando se fará esse redirecionamento? Se for em 2022, isso obriga a um esforço do Estado, agravando a sua posição financeira. Se for em 2023, talvez seja um pouco tarde”, considerou.
Já quanto às empresas, “a tributação de lucros levará à diminuição do seu valor de mercado com consequências no património dos seus acionistas”, pelo que “será normal esperar uma quebra das suas cotações”, defendeu.
“Mas gostava de deixar claro que Portugal, pelo esforço fiscal que já carrega sobre a população portuguesa e pela pouca atratividade que tem e competitividade fiscal que mostra, está longe de poder entrar neste campo sem muitas cautelas. A criar esta taxa deve ser sempre com todos os europeus”, prosseguiu.
No entanto, “o ideal seria não ter necessidade de o fazermos e tornarmo-nos atrativos do ponto de vista fiscal para atrairmos mais investimento estrangeiro que pudesse aumentar a receita fiscal em sede de IRC, mas essa estratégia em contraciclo não está no ADN deste Governo”, lamentou.
Por último, “a receita deste imposto deveria ser totalmente canalizada, ou para os consumidores/empresas, ou para abate da dívida pública que nos estrangula”, rematou João Duque.
O economista e presidente da IMF – Informação de Mercados Financeiros, Filipe Garcia, afirmou não ser “um particular defensor de ‘mudar as regras a meio do jogo’ porque se o caso fosse o inverso o Estado provavelmente não iria partilhar o risco”. Além disso, “taxar essas empresas [energia e eventualmente o retalho] poderá ter o efeito perverso de desincentivar uma eventual descida dos preços”.
Para Filipe Garcia, “o Estado parece equacionar essas medidas porque pretende arrecadar dividendos políticos, por um lado, e arrecadar receita para melhorar as contas públicas”.
Defende que o Estado deve estar “atento à boa formação dos preços”, nomeadamente “assegurar-se de que não há nem concentração excessiva, nem movimentos de cartelização”. Isso vale para todos os setores. “Ou seja, que o mercado está a funcionar e não há abusos de posição dominante nem cartelização”, frisou ainda.
Sobre uma eventual aplicação de uma taxação sobre os lucros não esperados no retalho, tanto João Duarte como João Duque afastam esse cenário. “Ainda que possa fazer algum sentido do ponto de vista conceptual creio que não faz qualquer sentido em termos práticos. Isto porque, se já é extremamente complicado definir o que é lucro extraordinário para um setor tão regulado” como o da energia, “seria impossível definir de forma precisa o que são lucros extraordinários para o setor de retalho”, considerou João Duarte.
“O retalho trabalha normalmente com margens fixas de comercialização”, pelo que “não estou bem a ver onde estarão esses lucros extraordinários. E se for verdade a quebra esperada nos consumos pela redução de atividade esperada para o final do ano de 2022 e primeira metade de 2023, então ainda estaremos a falar é de apoiar o retalho”, acrescentou João Duque.