“Muitas deixaram de falar e não se mexem”. Na Ucrânia, o trauma da guerra já se nota nas crianças

Bartlomiej Wojtowicz / EPA

Os especialistas notam que várias crianças que estão a fugir da guerra têm sintomas de traumas, mas não têm tempo de fazer diagnósticos devido aos movimentos rápidos da população.

Apenas dois dias depois do início da guerra na Ucrânia, a 26 de Fevereiro, a administração militar do país apelou à criação de um sistema de apoio psicológico na estação de comboio de Lviv. Os especialistas reportam que milhares de ucranianos estão a mostrar sinais de trauma — e as crianças não são exceção.

“Já vi crianças com sintomas catatónicos, em que ‘gelam’ e não reagem a nenhum estímulo exterior. Muitas delas deixaram de falar, outras não conseguem mexer as mãos ou os dedos. Ficam congeladas”, revela Viktor Balandin, psicólogo da organização não-governamental Osonnya.

De acordo com os dados do Governo ucraniano, já mais de 90 crianças morreram no conflito e a mudança súbita nas suas vidas, com a saída das escolas e em muitos casos, a fuga para outros países afetam a saúde mental dos mais novos. A ausência dos pais, que são obrigados a ficar a combater, também tem um impacto negativo.

“Para as crianças mais novas, até aos dois ou três anos, as suas condições mentais dependem nas condições dos pais, geralmente das mães. Se a mãe estiver estável, a criança fica também mais estável. Com os adolescentes é diferente, porque já entendem o que se passa. Os adolescentes já estão naturalmente a processar e aceitar os seus egos. Mas muitas mudanças nas suas vidas significam mais dificuldades para se adaptarem”, acrescenta Balandin.

A arte também pode ajudar a trazer algum alívio nestes momentos difíceis. Bohdan Tykholoz, director do Museu Franko em Lviv, acolhe 1000 crianças todos os dias no teatro que gere com uma equipa de pedopsicólogos, artistas e professores.

“A ideia nasceu quando os meus dois filhos e a minha mulher tiveram de deixar o país e foram para a Alemanha, logo depois do início do conflito”, revela ao The Guardian.

O director avança que a decidiu criar o projeto Fun for Courage quando a esposa fez uma lista das coisas de que precisava — e os papéis e lápis de cor eram as coisas mais urgentes, o que mostra que as crianças querem continuar a “criar e desenhar”.

“Disse a mim mesmo, ‘se não posso ajudar os meus filhos porque estão longe, posso ajudar outras crianças'”, acrescenta. A expressão criativa dos mais novos também não escapa ao contexto da guerra, com desenhos de bombas e tanques, mas há também alguns que mostram cenários mais otimistas e de paz.

De acordo com Orest Suvalo, psiquiatra e coordenador do centro, o fluxo rápido de pessoas não dá tempo aos especialistas para diagnosticarem doenças mentais, mas o trauma pode ser ultrapassado num contexto mais estável.

“Se olharmos para a história da Ucrânia nos séculos XX e XXI, está cheia de grandes traumas. As guerras mundiais, a ocupação soviética e as revoluções internas dos últimos dez anos e agora esta terrível invasão. No entanto, apesar da destruição, das bombas e das tragédias, apesar de tudo, estamos vivos“, remata.

ZAP //

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