É possível sentir nas ruas de Havana um cepticismo “conformado” quando o assunto é um eventual desanuviar da tensão de Cuba com os Estados Unidos.
Embora analistas digam que o momento atual é favorável para que o presidente Barack Obama se aproxime de Cuba, o sentimento de muitos moradores da ilha é de descrença.
Um dos sinais mais marcantes desse possível aquecimento nas relações entre os dois países foi o aperto de mãos entre o presidente americano e Raúl Castro durante o funeral de Nelson Mandela, na África do Sul, em dezembro de 2013.
Dias depois, o líder cubano sugeriu, numa rara reunião da Assembleia Nacional de Cuba, que as nações mantenham “relações civilizadas”, baseadas no respeito às diferenças. Na prática, Havana quer dizer que quase tudo é negociável, excepto a mudança do sistema de governo da ilha.
No início do seu mandato, em 2009, Obama já tinha dado um sinal ainda mais concreto de que abrandaria o embargo imposto a Cuba desde a década de 1960.
Hipóteses de aproximação
Segundo Luis Fernando Ayerbe, coordenador do Instituto de Estudos Económicos Internacionais da Universidade Estadual Paulista (Unesp), o presidente americano tem agora a oportunidade de concretizar novas medidas de aproximação.
Isso porque ainda tem dois anos de mandato e não poderá concorrer à reeleição. Assim, em tese, teria condições mais favoráveis para adotar ações que podem desagradar o eleitorado cubano nos EUA.
Esse ponto é extremamente sensível aos Estados Unidos, já que a questão cubana não está apenas na agenda de política externa de Washington.
Uma grande comunidade cubano-americana – acirradamente oposta ao regime dos irmãos Castro – está estabelecida no Estado americano da Flórida, e os seus líderes historicamente têm conseguido mobilizar boa parcela dos eleitores no Estado.
Tullo Vigevani, especialista do Departamento de Ciências Políticas e Económicas da Unesp, considera que esse eleitorado é particularmente caro a qualquer candidato à Presidência dos EUA porque, devido ao sistema de votação por colégios eleitorais usado no país, pequenas diferenças numéricas de votos em alguns Estados – como a Flórida – podem ter forte influência na corrida à Casa Branca.
Descrença
Para os cubanos nas ruas de Havana, uma eventual aproximação dependerá muito mais de uma iniciativa do governo americano do que do cubano, e veem com ceticismo a possibilidade de Obama fazer grandes mudanças políticas relacionadas com o embargo.
“Só quando eu vir os americanos tomarem alguma atitude é que vou acreditar”, afirmou à BBC Ignácio, de 19 anos, que vende CDs pirata no centro antigo de Havana.
O embargo não é o único elemento de tensão entre os dois países. Um dos temas mais presentes no dia a dia da população cubana – particularmente devido à propaganda do Estado – é a controvérsia sobre a prisão de um grupo de espiões cubanos detidos em solo americano em 1998.
É difícil andar pela capital cubana sem se deparar com alguma placa ou panfleto referindo-se aos “Cinco de Cuba“.
Segundo o governo cubano, os cinco agentes infiltraram-se no Estado da Flórida na década de 1990 para investigar grupos de extremistas cubano-americanos que teriam realizado mais de uma centena de atentados em Cuba – entre eles explosões em hotéis, ataques armados contra turistas nas praias e até a derrubada de um avião de passageiros.
O governo americano argumenta que os agentes cubanos infiltraram-se numa base militar e estariam ligados a um ataque contra um avião civil de organizações cubano-americanas pela Força Aérea Cubana, que deixou quatro mortos. Os agentes foram condenados por conspiração para cometer atos de espionagem e assassinato.
A maioria dos panfletos de Cuba traz as fotos dos prisioneiros ou mensagens para Obama como “Honre o seu prémio Nobel, liberte os cinco de Cuba”.
Havana, por sua vez, mantém um prisioneiro americano desde 2009, que teria sido preso ao trabalhar para a Agência de Desenvolvimento internacional americana (USAID) por fornecer equipamentos para ligações de Internet via satélite para supostos dissidentes na ilha.
Até agora, apenas um dos cinco sentenciados foi libertado pela Justiça americana. A falta de perspectivas para a libertação de três dos seus colegas (um deles pode ser solto nos próximos meses) e a experiência no país vizinho também deixam o ex-agente cubano René González com poucas esperanças. “Eu queria poder pensar que nestes dois anos que faltam [para o fim do mandato de Obama] ele poderia dar os primeiros passos para uma normalização [da relação entre os dois países]”.
“É verdade que o limitam bastante, mas há coisas que ele pode fazer na prerrogativa do Executivo, e uma dessas coisas é sentar-se com Cuba”. À BBC, o ex-agente considera que não há nenhuma lei nos Estados Unidos que impeça o presidente de estabelecer um diálogo de alto nível com Cuba e argumentou que se Washington mantém relações com a China, também deveria fazê-lo com Havana.
“Quando Obama foi eleito, acreditar não seria o termo, mas senti um pouco de esperança. Agora não tenho certeza se a tenho”, disse.
Diáspora
O “clima de aproximação” entre Havana e Washington sugerido pelos analistas está em parte ligado também às reformas económicas internas que vêm sendo promovidas pelo regime cubano – entre elas a possibilidade de cubanos terem negócios privados e comercializarem imóveis e carros.
Essas mudanças, aliadas à flexibilização das regras americanas que regulam o envio de dinheiro de cubanos residentes no país para as suas famílias na ilha, têm injectado dinheiro rápido em Havana e possibilitado o surgimento de restaurantes e lojas privadas – uma mudança considerada nova e fundamental na ilha.
O embargo impede que a diáspora cubana faça investimentos na ilha, mas, na prática, o que vem acontecendo desde a flexibilização de lei em 2009 é que o dinheiro começou a entrar no país – sob pretexto de ajuda financeira de cubanos que vivem no exterior às suas famílias.
Embora dificilmente admitam, os cubanos com “família no exterior” (nos Estados Unidos e na Europa, na maioria dos casos) têm usado essas remessas para começar pequenos negócios, viajar para fora de Cuba ou, em menor escala, até comprar um carro novo.
Perspectivas
De acordo com Tullo Vigevani, da Unesp, os cubanos podem ter alguma esperança a longo prazo sobre um eventual fim do embargo. O peso dos cubano-americanos contrários ao regime dos Castro tende a perder importância na política interna americana.
“A médio e longo prazo a situação pode vir a alterar-se porque o peso dos latinos nos Estados Unidos vem crescendo. A maioria deles têm propensão a apoiar políticas de distencionamento com Cuba”. Segundo o especialista, o fato de a geração anticastrista da Flórida estar aos poucos desaparecendo reforça essa tendência.
Além disso, no campo diplomático, a pressão dos países da América Latina sobre Washington em relação ao tema cresce aos poucos. Na última Cúpula das Américas, em 2012, – evento vinculado à Organização dos Estados Americanos (OEA) que reúne os chefes de Estado do continente – a maioria dos países foi contra a posição dos Estados Unidos e do Canadá de excluir Cuba do evento. O presidente equatoriano Rafael Correa chegou a boicotar o encontro como forma de pressão.
Em janeiro, a reunião da Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos (CELAC) realizada em Cuba serviu de palanque para uma série de chefes de Estado – incluindo a presidente Dilma Rousseff – criticarem o embargo. Segundo diplomatas, essa tendência de pressão deve continuar nos foros que reúnem os países da região.
ZAP / BBC
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