Durante uma intervenção na Assembleia da República, a ministra da Saúde, Marta Temido, exaltou-se a responder a Catarina Martins, do Bloco de Esquerda, recusando as críticas de que o Governo quer penalizar os médicos ou as mulheres que recorrem à Interrupção Voluntária da Gravidez (IVG).
A ministra tentou explicar, esta terça-feira, no Parlamento, qual a incidência da proposta da Administração Central do Sistema de Saúde (ACSS) relativa aos novos critérios de avaliação dos médicos nas Unidades de Saúde Familiares B (USF-B) e não conteve alguma frustração durante a intervenção.
Na proposta de alteração, já aprovada pela DGS e atualmente nas mãos do Ministério da Saúde, dois indicadores poderão passar a entrar no cálculo do valor de vencimento adicional ao ordenado base: ausência de Interrupção Voluntária da Gravidez (IVG) e ausência de doenças sexualmente transmissíveis (DST) na área do planeamento familiar em mulheres em idade fértil.
A proposta é controversa, não só pelo impacto que pode ter em parte do vencimento, mas também por ser entendida como uma possível discriminação de género, uma vez que só as mulheres entram no indicador da presença de DST’s.
No Parlamento, Temido referiu que tal é explicado pelo facto de se tratar de uma dimensão específica de avaliação, “a que se chama ‘Planeamento familiar – acompanhamento de mulheres em idade fértil’”.
“Obviamente não é a penalização da utente ou médico, mas de diferenciação do desempenho quando se está a falar de planeamento familiar”, reiterou a ministra.
“Neste indicador específico, os indivíduos do sexo feminino que realizaram uma IVG são excluídos do denominador. A circunstância de não estar aqui o sexo masculino não quer dizer que eles não tenham cuidados de saúde e acompanhamento. Não quer dizer que haja uma penalização ou uma discriminação de qualquer natureza”, reforçou, citada pelo Expresso.
Ainda assim, a governante não divulgou se as intenções da tutela passam por aprovar ou modificar a nova proposta de avaliação.
Ao contrário dos que apontam críticas, Marta Temido também assegurou que o que está em causa não é o direito das mulheres de recorrerem à Interrupção Voluntária da Gravidez, mas sim um melhor planeamento familiar.
Marta Temido exalta-se
Catarina Martins, coordenadora do Bloco de Esquerda, sublinhou na sua intervenção que “a Interrupção Voluntária da Gravidez não é meramente um indicador de saúde”, mas “um direito das mulheres, por que lutámos, e é um direito das mulheres muito mais do um indicador da saúde”.
Frisando que há ainda muitas mulheres que se queixam da dificuldade de acesso, “às vezes pelas estruturas de saúde”, a bloquista atirou: “o que gostava era de a ouvir dizer que este indicador nunca será aceite em nome da dignidade das mulheres”.
A governante começou por explicar que “o que tivemos recentemente foi uma avaliação destas atividades específicas por um grupo técnico, não por um grupo do Ministério da Saúde, que recomendou que o tema do critério da realização da IVG fosse considerado como uma falta do acompanhado do planeamento familiar realizado pelos profissionais”.
“Pode-se discordar ou concordar. Mas quando deixarmos de debater, deixamos de servir para aquilo que é a nossa função. Acho que todos entendem que a circunstância de ser feita uma IVG, para as mulheres que a fizeram, que é algo que é profundamente penalizador sob o ponto de vista da saúde física e mental. Não considerar esse aspeto é hipocrisia”, frisou.
“Podemos dizer que é um indicador, por aquilo que é o percurso recente da IVG no nosso país, que não deve ser considerado, que por razões políticas de uma conceção mais vasta não deve ser considerado. Mas ignorar o que estamos a discutir ou confundir o que estamos a discutir não me parece de bom senso“, salientou, acrescentando que o Ministério da Saúde ainda não se pronunciou sobre este indicador.
“Estamos a falar da responsabilidade de acompanhamento familiar e do que poderá ser uma fragilidade de um planeamento que não foi feito como gostaríamos e que colocou a mulher na situação de ter recorrer à IVG. Sejamos francos!”, explicou.
“Peço desculpa pela minha condenação veemente de quem acha que estamos aqui numa tentativa de culpabilizar ou estigmatizar as mulheres.”
“Estamos em 2022, não é uma discussão para o nosso país, para este Governo, nem para o bem-estar das mulheres. Sendo certo que há aqui uma questão de saúde que tem de ser analisada”, defendeu a ministra.
Catarina Martins rebateu, salientando que “a simples consideração da IVG como uma falha do planeamento familiar é já um julgamento moral sobre a decisão das mulheres e é inaceitável”. O mesmo julgamento acontece com o critério de ausência de DST, disse ainda a bloquista.
Temido reforçou a “inexistência de qualquer juízo sobre a opção de qualquer pessoa relacionada com as suas escolhas pessoais”. “Há também aqui a necessidade de ter uma avaliação do que isso significa em termos de saúde da própria e penso que isso é também inquestionável. Não está em causa a escolha, é um direito, mas é um direito com consequências que podem ser negativas do ponto de vista da saúde.”
Defenderei sempre o direiro ao aborto. Esta é a questão central do país. Imaginem o quão felizes e prósperos seríamos se as mães de alguns dos nossos políticos tivessem tido esta oportunidade em tempo útil.