Roman Danilkin, Ekaterina Kolotovkina / T.me

Marina, residente em Samara, fotografada para o projeto “Mulheres de Heróis”
As autoridades russas estão a promover novas iniciativas em todo o país que encorajam esposas grávidas de soldados a levar a gravidez até ao fim — mesmo que os seus maridos possam nunca regressar da guerra na Ucrânia.
A Rússia está a promover programas de incentivo à natalidade junto de mulheres grávidas de soldados russos, no âmbito de uma campanha mais ampla da Rússia para combater o declínio demográfico — enquanto promove o que o Kremlin chama de “valores familiares tradicionais”.
O movimento “Ser Mãe“, na região russa de Samara, é um exemplo do número crescente de iniciativas que seguem esta tendência, conta o The Moscow Times.
A organização partilhou recentemente uma mensagem escrita em nome de uma recém-nascida chamado Eva, cujo pai foi morto na Ucrânia: “Olá, o meu nome é Eva! Nasci hoje, e o meu pai é um herói, mas nunca o vou conhecer“.
O apoio governamental a estas iniciativas cresceu substancialmente nos últimos meses. Em 2025, a Fundação de Bolsas Presidenciais atribuiu aproximadamente 16 milhões de rublos (cerca de 170 mil euros) a projetos de apoio às esposas de soldados.
Um destes projetos é o programa “Za lyubov” (“Pelo Amor”), que recebeu esta primavera quase 3 milhões de rublos (32 mil euros) para prestar assistência a esposas grávidas de militares.
O programa foi lançado por Yekaterina Kolotovkina, esposa de um general de Samara que recebeu o reconhecimento de Putin pelo ativismo pró-guerra.
No evento de lançamento do programa, viúvas de militares partilharam as suas experiências como mulheres grávidas. Uma participante, Oksana, soube que o seu marido tinha desaparecido em combate enquanto estava na maternidade. Outra, Olga, deu à luz pouco depois do funeral do marido.
“A melhor herança que os nossos heróis nos deixam são os seus filhos. E é o nosso dever sagrado garantir que esta continuação seja digna“, afirmou Kolotovkina, que espera conseguir expandir a iniciativa a nível nacional.
A iniciativa oferece aconselhamento psicológico, sessões de educação sobre as alegrias da maternidade e festas na altura da alta de maternidade — com direito a sessões fotográficas. As participantes devem fornecer prova do serviço militar do marido e do estado de gravidez.
Segundo Kolotovkina, oito bebés nasceram através do programa em dois meses. Três deles nunca vão ver os pais, mortos em combate.
Iniciativas semelhantes foram lançadas noutras regiões do país, incluindo o projeto “Maternidade desde o Momento da Conceção”, em Noyabrsk, que encoraja mulheres grávidas a escrever cartas aos seus maridos na perspetiva dos seus filhos por nascer.
Um outro projeto de Kolotovkina, “Mulheres de Heróis“, mostra mulheres de soldados que esperam o regresso dos maridos a casa. A iniciativa recebeu elogios de Vladimir Putin — que, segundo o Tolyatty, tem mesmo uma fotografia favorita: a de Marina, residente em Samara, que mostrámos acima.
Mas nem todos concordam com este tipo de iniciativas. É o caso da investigadora Sasha Talaver, que vê estes programas de forma crítica, argumentando que eles “suavizam e disfarçam as consequências dramáticas que a guerra traz às relações familiares”.
Talaver defende que o sistema coloca o fardo de lidar com as consequências da guerra inteiramente sobre as mulheres.
Estas iniciativas coincidem também com o apertar das restrições ao aborto, estimuladas por elementos religiosos proeminentes — com a ajuda de padres ortodoxos que pregam sermões sobre a importância da maternidade e dão bênçãos para o parto.
A psicóloga Nadezhda Fesenko diz que, após mais de três anos de guerra na Ucrânia, muitas das mulheres grávidas que acompanha estão a agora a passar por “uma reavaliação de valores”.
“As mulheres partilhavam comigo as razões pelas quais consideravam o aborto: ‘Tenho medo de ficar sozinha’ ou ‘O meu marido pode ir para a guerra’. Mas agora, as famílias começam a compreender que toda a vida é valiosa”, diz Fesenko.
“Paradoxalmente, a operação militar desempenhou um papel significativo no desencorajamento do aborto. Na Rússia, sempre foi uma questão de mentalidade: para que serve? Os nossos maridos e filhos vão para lá pela vida, para preservar a vida”, diz Fesenko.
O declínio da natalidade na Rússia e o “colete de forças demográfico” do país são a bomba-relógio “devastadora” que Putin tem nas mãos — que torna a necessidade de vencer a Guerra um “problema menor”.
Mas para as mães da Rússia que viram os maridos partir para a frente de batalha, por vezes o medo de perder o marido é maior que a vontade de ajudar a despoletar essa bomba.
“Tenho tanto medo. Tenho medo por ele, tenho medo pela gravidez, tenho medo que o bebé nasça mais cedo do que o previsto. Já não tenho forças“, escreve uma mulher chamada Kristina num fórum sobre gravidez.
Guerra na Ucrânia
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3 Agosto, 2025 A Rússia quer que as mulheres dos seus soldados tenham filhos de pais que nunca vão ver