Se nada se alterar, e de forma significativa, até ao final deste século a Rússia vai ter metade da população. Será um país viável?
Quando se fala em Rússia, nos últimos quase três anos, fala-se logo sobre guerra na Ucrânia. Vai ganhar, vai perder, vai prolongar-se?
A segunda questão que provavelmente se coloca é sobre a economia: está a resistir às diversas sanções impostas pelo Ocidente e às sucessivas saídas de grandes multinacionais de solo russo?
Mas há uma terceira questão que, a longo prazo, deverá ser mais importante para os russos do que as duas anteriores: a demografia.
E não é um pormenor.
Na verdade, não foi a guerra que originou o problema de falta de… pessoas. Os problemas demográficos já eram sérios antes de Fevereiro de 2022, quando a Rússia invadiu a Ucrânia.
É um “colete de forças demográfico”, resume o especialista em economia política Nicholas Eberstadt, em declarações ao Kyiv Independent.
A Rússia até tem níveis normais na Europa em relação a urbanização, padrões familiares ou educação, entre outros parâmetros; mas tem um nível de “capital humanos” muito baixo.
A esperança média de vida para jovens russos está ao nível de “um país de quarto mundo, é semelhante a quem vive no Haiti”, compara Nicholas Eberstadt.
Esta baixa esperança média de vida estava muito relacionada com o alto consumo de álcool, além dos muitos assassinatos, suicídios ou acidentes de carro.
A taxa de natalidade começou a descer de forma visível ao longo dos últimos 10 anos.
Para que um pais possa repor naturalmente a sua população, a taxa de natalidade deverá ser, no mínimo, de 2.1 filhos por mulher. Esse número não é alcançado na Rússia desde… 1988. Há quase 40 anos, portanto. Os dados mais recentes, de 2022, mostram uma taxa de apenas 1.4.
“Bomba-relógio” explicada
O jornal Kyiv Independent indica que Vladimir Putin já reconheceu que há uma “bomba-relógio demográfica iminente”.
E, por isso, o presidente da Rússia tem tentado encorajar os seus compatriotas a ter mais bebés. Um desses incentivos foi um discurso directo, há praticamente um ano: “Se queremos sobreviver como grupo étnico, bem, ou como grupos étnicos a viver na Rússia, tem de haver pelo menos duas crianças por família”.
É que o verbo certo é mesmo esse: “sobreviver”. E a guerra na Ucrânia tem contribuído muito para esta dúvida.
Têm morrido milhares e milhares de soldados russos (não se conhecem os números oficiais), muitos deles ainda jovens. “Mas a idade não é o ponto central. O ponto central é o que essas mortes e a guerra no geral estão a fazer à sociedade“, avisa Harley Balzer, professor de assuntos internacionais.
O especialista explica: a guerra aumentou muito o número de casos de pessoas com stress pós-traumático, toxicodependentes, alcoólicos e ainda de crimes violentos.
Ou seja: a Rússia vive “um ambiente onde as pessoas não estão ansiosas por ter mais filhos”.
Há demógrafos que indicam que a população da Rússia no final deste século será metade da população actual. Passaria de 146 milhões de habitantes para pouco mais de 70 milhões. E esse cenário será mesmo real se a guerra na Ucrânia se prolongar.
O “paradoxo”
E depois há outro conceito apresentado por estudiosos: o “paradoxo da Rússia”.
Diversos países desenvolvidos registam uma queda demográfica; mas, mesmo nessa fase, inovam e apostam na ciência, na tecnologia, no progresso no geral. Mas a Rússia tem estado atrasada nesses aspectos, apesar do seu alto nível de educação.
Há muito talento, mas não há aposta no conhecimento produtivo, no crescimento económico.
Com tudo isto, com cada vez menos habitantes, com pouca aposta no desenvolvimento, vencer a guerra na Ucrânia até passa a ser um “problema menor”. É que, se a Rússia tiver a queda demográfica que se prevê que tenha, vai ter de ponderar se será um “país viável” daqui a umas décadas, diz Harley Balzer.
E voltamos à guerra: “O impacto da guerra na sociedade russa é devastador” – mas a Ucrânia poderá ser quase um pormenor a longo prazo.
Uma última indicação, igualmente importante: este problema demográfico não deve afectar em nada os planos militares na Ucrânia. Haverá militares, pessoas suficientes.
Aliás, para o antigo conselheiro de Defesa em Moscovo, o britânico John Foreman, Putin “não quer saber” da crise demográfica. O presidente da Rússia “está disposto a sacrificar absolutamente tudo” para ganhar a guerra.
Guerra na Ucrânia
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11 Janeiro, 2025 Putin tem bomba-relógio “devastadora”. Vencer a guerra é “problema menor”