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Reparações históricas a África: “não é só dinheiro”

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Miguel Figueiredo Lopes / Presidência da República

O presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, recebe credenciais do embaixador Tito Mba Ada

O embaixador da Guiné Equatorial em Portugal declarou hoje, em Oeiras, que o tema deste ano anunciado pela União Africana, as reparações históricas, não se limita a compensações económicas e é um conceito mais amplo, ético e profundo.

O embaixador equato-guineense Tito Mba Ada, que é também o decano do grupo de embaixadores africanos em Portugal, disse esta terça-feira que as “Reparações Históricas“, tema oficialmente proclamado pela União Africana (UA) para 2025, convoca “a todos a uma escuta atenta, a um olhar histórico e também a um compromisso prático”.

Numa conferência organizada no Taguspark, em Lisboa, a propósito da comemoração do Dia de África, que se assinalou dia 25 de maio, Mba Ada quis deixar, perante uma audiência amplamente representativa do continente africano, três notas.

“A primeira nota é sobre a própria palavra, que não se limita à ideia de compensação económica, embora esta dimensão, em determinados contextos, seja digna e devidamente sustentada”, frisou o embaixador.

Para o diplomata, a reparação, hoje, “é mais ampla, mais ética e mais profunda. É o reconhecimento de feridas abertas, a restituição da verdade histórica, a reformulação da relação de poder e, sobretudo, a reconstrução de uma dignidade que nunca, nunca, nunca deveria ter sido violada”.

Mba Ada esclareceu que “reparar, neste contexto, não é voltar ao passado para apontar culpas, mas sim encarar, com maturidade, os efeitos duradouros do colonialismo e tráfico de seres humanos”, assim como a “exploração sistemática das riquezas africanos e dos africanos”.

O representante do Governo da Guiné Equatorial frisou que a “grande injustiça do passado” foi também o modo como o continente foi pensado sem os africanos serem representados, através de uma repartição “a régua e esquadro“.

Na segunda nota, Mba Ada abordou o presente de África que está com uma reconstrução em curso, com “uma missão própria através da União Africana, que projeta um modelo de liderança centrado na governação democrática e na interação económica (…), cujos frutos estão a caminho”.

O embaixador citou a Agenda 2063, da UA, que “delineia uma visão clara de um continente próspero, integrado e em paz, governado pelos próprios africanos”, assim como a criação da “Zona de Comércio Livre Continental Africana, que une 54 países e admite estabelecer o maior mercado integrado do mundo”.

A terceira nota dada pelo diplomata foi de que o futuro de África deve ser feito com base numa construção partilhada. “A reparação futura começa agora, e começa connosco”, salientou.

Para tal, são exigidas novas e mais legítimas parcerias, mais justas e transparentes, e que haja um reconhecimento histórico desta luta, num compromisso para com a educação, a cultura, a ciência, a soberania e o desenvolvimento tecnológico, citou.

O embaixador referiu ainda que, apesar de África ser ainda vista através de “lentes de pessimismo e carência“, essa não será a realidade geográfica “nos próximos 30 anos”.

“Hoje, mais de 60% da população africana tem menos de 25 anos, o que faz do nosso continente o mais jovem do planeta. Essa juventude, dentro e fora do continente, adapta-se com rapidez aos novos temas. No futuro, estima-se que até 2050, um em cada quatro jovens do mundo será africano“, referiu.

Por fim, o embaixador referiu que, ao celebrar o dia de África, não apelam à culpa, mas sim à “lucidez histórica“, não evocam ressentimentos, mas apelam a alianças honestas.

Dever histórico ou moda

O tema das “reparações históricas” devidas pelos países colonialistas pelos “erros do passado” tem lançado a controvérsia nos últimos anos em diversos países.

Em 2020, o primeiro-ministro neerlandês Mark Rutte pediu desculpas “pelas ações passadas do Estado holandês ao escravizar pessoas no passado”, juntando os Países Baixos a Reino Unido, França e Dinamarca, que já se pronunciaram sobre o tema, pedindo “desculpas pelos erros cometidos”.

Na Bélgica, o rei Filipe manifestou um “profundo pesar pelas feridas do passado”, mas não fez um pedido formal de desculpas. A Alemanha, em 2021, admitiu pela primeira vez ter cometido um genocídio contra as tribos na Namíbia.

Portugal nunca fez um pedido formal de desculpas a outros países relacionado com o colonialismo ou a escravatura, mas em 2023, nas comemorações do 49º aniversário do 25 de Abril, o presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa,  afirmou que “temos de assumir o melhor e o pior do que fizemos”.

Há um ano, na véspera das comemorações dos 50 anos do 25 de abril, Marcelo retomou o tema e afirmou que Portugal tem de pagar os custos da escravatura e dos crimes coloniais.

Há ações que não foram punidas e os responsáveis não foram presos? Há bens que foram saqueados e não foram devolvidos? Vamos ver como podemos reparar isto”, afirmou Marcelo Rebelo de Sousa, durante um jantar com correspondentes estrangeiros em Portugal.

No evento, Marcelo disse que Portugal “assume toda a responsabilidade” pelos erros do passado e lembra que esses crimes, incluindo os massacres coloniais, tiveram custos.

No mesmo dia, a ministra brasileira da Igualdade Racial do Brasil, Anielle Franco, pediu “ações concretas” por parte de Portugal na sequência da “importante e contundente” declaração do Presidente da República.

“Pela primeira vez estamos a fazer um debate desta dimensão a nível internacional”, frisou a ministra brasileira”, que adiantou que  a sua equipa já estava “em contacto com o Governo português para dialogar sobre como pensar essas ações e a partir daqui quais passos serão tomados”.

Segundo o professor de História Mundial cubano Manuel Barcia, especializado em escravidão no Atlântico, o receio de se pagarem eventuais compensações tem impedido Portugal e outros Estados com um passado colonial de pedirem desculpas pela escravatura.

Um pedido formal de desculpas por parte do Estado português seria “uma coisa mínima depois de tudo o que aconteceu”, defende ainda Barcia.

“Mas a resposta tem de ser dada pela gente que descende dos escravos. São eles que têm de dizer se precisam” de um pedido de desculpa, acrescenta o académico cubano.

Também o historiador brasileiro Laurentino Gomes considera que Portugal deveria pedir desculpas formais pela escravatura e tráfico negreiro aos povos africanos, na sequência do que fizeram outros países europeus e antigas colónias como o Brasil ou os Estados Unidos.

Nem todos concordam com a ideia de que os países com passado colonialista devam pedir desculpa. Segundo o líder do CDS-PP, Nuno Melo, os pedidos de desculpas de outros países “são uma moda, Portugal não tem de pedir”.

ZAP // Lusa

4 Comments

  1. E reparações pelos séculos de ocupação muçulmana na península ibérica? E na antiguidade clássica?
    Os povos então oprimidos já cá não estão há muito!

  2. Compensacões? E quem é que compensa os tugas de terem transformado a Selva em Cidades de nivel Mundial, das Casas, Estradas, Caminhos de Ferros, infra-estruturas, escolas, hospitais, etc. e em especial um Lingua Escrita e Falada, com regras?
    Tenham mas é Juizo, tanto aos de cá como os de lá, mas especialmente os de cá.

  3. O Sr. Marcelo que dê do seu dinheiro, quem lhe seguir o pensamento que faça o mesmo. Portuga não tem que formalizar desculpa alguma pelos seus antepassados. Caso contrário devem os países pedir desculpa e reparar monetariamente quando os seus cidadãos cometem crimes noutros países. Isso sim, é uma reparação que deve ser feita por todos os países.

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