Mário Cruz / Lusa

O recluso, que acabou por ser internado, foi obrigado a ficar apenas em cuecas, sem artigos de higiene e numa dormir numa cela de colchão. É já o segundo caso semelhante na prisão de Angra do Heroísmo.
Segundo relatos ouvidos pela CNN Portugal, um recluso com problemas psiquiátricos foi obrigado a cumprir castigo apenas de cuecas e chinelos, em pleno inverno, numa cela sem colchão, artigos de higiene ou roupas adequadas. O caso, que remonta a março de 2024, aconteceu na prisão de Angra do Heroísmo e está a ser investigado pela Direção-Geral de Reinserção e Serviços Prisionais (DGRSP).
A punição aconteceu após um conflito entre dois reclusos, quando o diretor da prisão, José Armando Teixeira Coutinho Pereira, determinou o confinamento disciplinar em celas separadas e ordenou a retirada de todos os pertences do recluso em questão, incluindo o colchão e itens de higiene.
As testemunhas relataram que o recluso, visivelmente debilitado, atravessou o corredor do setor disciplinar para fazer uma chamada telefónica, queixando-se do frio intenso. O homem acabou por ser transferido para a clínica psiquiátrica da prisão de Santa Cruz do Bispo, no Porto, no final de abril.
Este caso surge menos de um mês antes de outro recluso, também com perturbações psiquiátricas, ter sido internado em estado grave devido a hipotermia. Em abril, este segundo homem foi confinado apenas de roupa interior numa cela sem colchão, com apenas dois cobertores, depois de ter incendiado o colchão.
Apesar de alertas de guardas e de uma enfermeira, o diretor recusou providenciar mais agasalhos. O recluso foi encontrado caído na cela com sinais de hipotermia e internado no hospital local. Após 16 dias de hospitalização, foi transferido para a clínica psiquiátrica do Porto.
A Associação Portuguesa de Apoio ao Recluso (APAR) denunciou as condições do estabelecimento prisional como “terceiro-mundistas” e apresentou queixa à Procuradoria-Geral da República e ao Ministério da Justiça. A ministra da Justiça, Rita Alarcão Júdice, garantiu que foi aberto um inquérito e assegurou “tolerância zero para comportamentos desumanos”.
Já a Amnistia Internacional expressou “profunda preocupação”, classificando as práticas como violações das Regras Mandela da ONU, que determinam o respeito pela dignidade e a proibição de tratamentos cruéis ou desumanos.
Portugal já pagou 1,2 milhões em indemnizações
Os casos nos Açores surgem numa altura em que se sabe que Portugal gastou nos últimos oito anos cerca de 1,2 milhões de euros a indemnizar reclusos cujos direitos humanos foram violados.
No entanto, o valor poderá aumentar significativamente, já que há mais de 500 novas queixas pendentes no Tribunal Europeu dos Direitos Humanos (TEDH), em Estrasburgo. A maioria das queixas envolve condições degradantes nas cadeias, incluindo celas pequenas, sobrelotação, insalubridade, restrições a visitas e revistas corporais desproporcionais, relata o Público.
Exemplo das queixas mais graves foi o caso de um recluso luso-brasileiro condenado a 25 anos de prisão, que passou 11 anos em Monsanto sob condições que o TEDH considerou excessivas e desnecessárias. O homem esteve confinado na cela quase sempre, sem acesso a atividades, com contactos restritos à família e a outros presos. Além disso, foi sujeito a revistas corporais humilhantes, como o exame anal após visitas de familiares ou do advogado.
Em resposta, o Ministério da Justiça afirma estar a tomar medidas para melhorar as condições prisionais, como a construção de um novo estabelecimento nos Açores e obras de renovação em mais de 30 prisões. Também estão a ser criadas mais instalações para visitas conjugais e ajustados os critérios de lotação das celas para respeitar os parâmetros europeus.