A Comissão Nacional de Proteção de Dados considera que o Orçamento de Estado para 2019 tem normas “inconstitucionais” por violarem direitos, liberdades e garantias dos cidadãos.
Em causa está a interconexão entre as bases de dados de várias entidades públicas, uma prática que tem vindo a expandir-se e a merecer sucessivos alertas da CNPD. Desta vez, a autoridade nacional subiu o tom e diz mesmo que o documento com as contas públicas para 2019 contém normas contrárias à Constituição.
A CNPD visa dois artigos, recorda o DN. O primeiro permitirá troca de informações entre a base de dados do Instituto do Emprego e Formação Profissional e a base de dados da Administração Central do Sistema de Saúde.
A medida é justificada com o reforço do “rigor na atribuição dos apoios públicos no âmbito da execução das políticas de emprego e formação profissional”, dos “incentivos ao emprego”, na procura de uma “maior eficácia na prevenção e combate à fraude nestes domínios” e ainda para “promover a desburocratização na relação com o cidadão”.
Para a CNPD, esta explicação é insuficiente, uma vez que não é especificado a que tipo de informação o IEFP e a ACSS precisam de aceder, não sendo “alcançável que informação possa essa ser” ou que categorias de dados “podem ser pertinentes”.
A comissão considera este artigo “inconstitucional” e que deveria ser “eliminado ou substancialmente revisto”.
Mas não é o único. O mesmo é válido para outra troca de informações entre bases de dados, que envolve a Agência Portuguesa para o Desenvolvimento e Coesão.
O OE prevê que esta Agência possa “estabelecer as necessárias interconexões de dados” com sete entidades públicas diferentes – Autoridade Tributária, Segurança Social, Instituto dos Registos e Notariado, Instituto do Emprego e Formação Profissional, Direção-Geral dos Estabelecimentos Escolares, Instituto de Gestão Financeira da Educação e Agência para a Modernização Administrativa.
A esta lista juntam-se “os demais serviços da administração pública cuja intervenção se afigure relevante e necessária à prossecução das referidas competências”. Mas, para a CNPD, esta norma, “constitui uma disposição em branco, não tendo uma dose mínima de densidade normativa para regular uma operação que necessariamente traduz uma restrição ou condicionamento de um direito, liberdade e garantia”.
Em ambos os casos, a CNPD contesta que “estas disposições abertas e indeterminadas” venham a ser preenchidas por via de protocolos a celebrar entre as entidades administrativas envolvidas, concluindo que a “suspensão da vinculação da administração pública ao princípio da legalidade é evidente”.
“Não pode remeter-se para normas regulamentares ou acordos interadministrativos a definição dos aspetos essenciais dos tratamentos de dados pessoais“, sustenta a Comissão Nacional de Proteção de Dados, invocando que isto é tanto mais relevante quanto estejam em causa “dados de natureza sensível”, como são os dados de saúde.
Como tem feito nos últimos anos, a CNPD insiste que estas interconexões de dados devem ser objeto de legislação específica e não dispersas pelo Orçamento do Estado.
O organismo liderado por Filipa Calvão reitera o que já tinha afirmado no OE2018: “A verdade é que do conjunto das interconexões resulta uma teia de ligações entre bases de dados que permite, a partir de um qualquer elemento identificativo, inter-relacionar toda a informação relativa a cada cidadão na posse de toda a administração pública portuguesa”.
O Orçamento do Estado para 2019 abre a porta a pelo menos dez novas situações de troca de dados, o que para a CNPD é “um número muito elevado”, até porque “a maior parte integra dados pessoais de elevada sensibilidade“.
Além das duas já referidas, fica também prevista a possibilidade de interconexão de dados entre o Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, a Autoridade Tributária, o Serviço Nacional de Saúde e a Segurança Social. O mesmo entre a Direção-Geral das Atividades Económicas e a Autoridade Tributária.
Outra interconexão prevista será entre o Instituto dos Registos e Notariado e a Segurança Social. Será ainda permitida a interconexão entre a Caixa Geral de Aposentações e as juntas médicas das Forças Armadas, da GNR e da PSP, bem como da ADSE.