O Presidente da Tunísia disse, este domingo, que muitos jovens desesperados são pagos para abandonar ilegalmente o país em direção à Europa, num dia em que foram reveladas detenções de deputados críticos após o golpe de força.
Uma semana depois ter despedido o primeiro-ministro e outros responsáveis oficiais e suspendido a atividade do Parlamento, o Presidente Kais Saied passeou pela Avenida Bourguiba, a principal artéria de Tunes, recebeu o apoio dos transeuntes e denunciou quem explora os migrantes, quando centenas de jovens estão a deixar a Tunísia nesta época de verão em direção à Europa em embarcações disponibilizadas por traficantes.
Saied assegurou que muitos jovens desesperados estão a ser pagos “por motivos políticos” para efetuarem a travessia do Mediterrâneo e considerou que a intenção consiste em repetir a massiva imigração ilegal iniciada após a revolução tunisina de há uma década, para além de prejudicar a imagem do país a nível interno e comprometer os laços com a Europa.
No Estado magrebino do norte de África, muitos receiam que a frágil democracia esteja em perigo sem um roteiro claro sobre a forma como o Presidente planeia restaurar as instituições, no único país que instaurou um regime democrático após as insurreições da Primavera árabe.
Uma semana após a tomada do poder por Kais Saied, aumentam os receios de uma deriva autoritária, com diversos observadores a manifestarem a sua inquietação.
Saied assumiu plenos poderes a 25 de julho, suspendeu o Parlamento por pelo menos 30 dias e afirmou pretender “salvar” o país do Magrebe, de 11,7 milhões de habitantes, assolado por meses de bloqueios políticos e um novo pico de covid-19, com uma das piores taxas de mortalidade oficiais do mundo.
Após instaurar este regime de exceção, denunciado pelos seus adversários do partido de inspiração islamita Ennahdha, a principal força do hemiciclo, como um “golpe de Estado”, Saied também levantou a imunidade dos deputados.
Neste contexto, ocorreram diversas detenções nos últimos três dias, com dois deputados do movimento islamo-nacionalista Al-Karama, um partido ultraconservador aliado do Ennahdha, presos na noite de sábado para domingo.
Maher Zid e Mohamed Affes estão em prisão preventiva no âmbito de um “inquérito da justiça militar”, indicou no Facebook Seifeddine Makhlouf, o chefe do Al-Karama.
Segundo este advogado muito crítico do Presidente Saied, os dois deputados e ele próprio são perseguidos num caso relacionado com uma discussão que ocorreu em março no aeroporto de Tunes. São suspeitos de terem insultado agentes da polícia de fronteiras que proibiram uma mulher de viajar.
O Al-Karama inclui-se entre os partidos que denunciaram um “golpe de Estado” promovido por Saied.
Na sexta-feira, um deputado independente, Yassine Ayari, que também denunciou um “golpe de Estado militar”, foi preso em aplicação de uma condenação a dois meses de prisão, pronunciada no final de 2008, por ter criticado a hierarquia militar, segundo a versão da justiça militar tunisina.
A sua detenção suscitou a inquietação de diversas Organizações Não Governamentais (ONG), incluindo a Human Rights Watch e a Amnistia Internacional.
Perante estas detenções, o partido Harak, do ex-Presidente Moncef Marzouki, emitiu um comunicado no qual exprime “profunda inquietação”. Esta formação, que não é aliada do Ennahdha num parlamento muito fragmentado, condenou uma “deriva em direção a um ajuste de contas político e à repressão das liberdades, ao contrário das garantias fornecidas pelo chefe de Estado”.
Numa resposta às inquietações de assistir a um regresso do autoritarismo no berço das Primaveras árabes, o Presidente Saied, de 63 anos, frisou na sexta-feira que “não deve existir medo” em relação à preservação dos direitos e liberdades na Tunísia.
E ao citar o ex-Presidente francês Charles de Gaulle, assegurou que já não está em idade de se tornar um ditador. Segundo indicou, as prisões estão relacionadas com pessoas já perseguidas pela justiça.
Ainda este domingo, a publicação nas redes sociais de uma canção que glorifica o Presidente pela sua gestão da crise também suscitou inquietações. Alguns internautas tunisinos denunciaram uma propaganda que recorda o regime do ex-ditador Zine El Abidine Ben Ali derrubado na revolução de 2011, indicou a agência AFP.
Aparentemente impermeável a estas críticas, o jurista Saied, que mantém uma forte popularidade após a sua eleição em 2019 como candidato independente com mais de 70% dos votos, decidiu este domingo testar a reação ao seu “golpe de força” e recebeu um banho de multidão nas ruas de Tunes.
// Lusa