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Football Leaks. PJ desconhecia acesso das autoridades francesas às provas

Mário Cruz / EPA/Lusa

Rui Pinto no arranque do julgamento do chamado caso “Football Leaks”

O inspetor da PJ, José Amador, revelou, esta terça-feira, que esta polícia não teve conhecimento do acesso das autoridades francesas às provas apreendidas a Rui Pinto durante a sua detenção na Hungria.

Na quinta sessão do julgamento que decorre no Tribunal Central Criminal de Lisboa, o inspetor José Amador reconheceu ainda que a polícia húngara reuniu o material apreendido em 26 sacos aquando da detenção, mas apenas 24 chegaram a Portugal dois meses depois, sendo que os dois sacos em falta conteriam “documentos e cabos de ligação”.

“Quando o saco foi aberto, verificava-se a ausência de dois sacos. Liguei para a Hungria para perceber, consegui chegar à fala com o colega húngaro e naquele momento ele não conseguia explicar a falta dos sacos. Foi necessário ele transmitir a informação aos superiores e no dia seguinte foi-me dito que os sacos teriam estado no cofre [da esquadra] e que, na sequência de outra solicitação, os sacos teriam sido levados para outro local e que tinham sido alvo de uma intervenção”, afirmou.

O inspetor da Judiciária admitiu “alguma estupefação” com este procedimento e revelou que “os sacos denotavam ter sido abertos e os selos [rubricados pelo arguido] recolocados”.

Paralelamente, José Amador confirmou também que não esteve “presente” na detenção realizada a 16 de janeiro de 2019, uma vez que as forças de autoridade húngaras não permitiram a intervenção na operação de elementos das autoridades portuguesas.

“Houve informação que não passou por todos os órgãos policiais”, sublinhou o inspetor, acrescentando que também não foi feito “registo fotográfico” da intervenção de outras autoridades e que não tinha “explicação” para essa omissão: “Os pedidos de esclarecimento foram feitos por várias vias e ao mais alto nível, o Eurojust. O magistrado português pediu informações ao magistrado húngaro”.

Por outro lado, José Amador referiu também que chegou ao seu conhecimento que “o arguido já teria prestado declarações às autoridades francesas enquanto estava detido” e que lhe foi explicado que “os dispositivos seriam intervencionados”. Ato contínuo, foi questionado pela juíza se a PJ fez diligências para apurar a situação junto das autoridades francesas, tendo a testemunha respondido que isso “não ocorreu”, segundo o seu conhecimento, e que “as autoridades portuguesas não tinham sequer a capacidade de se opor”.

No entanto, José Amador reiterou a ideia de que os dispositivos apreendidos e entretanto intervencionados por elementos franceses e húngaros não foram alvo de manipulação, devido à existência de um resumo digital realizado pela PJ em Portugal, após a extradição de Rui Pinto, e que era idêntico ao efetuado anteriormente pela polícia húngara.

“O resumo digital é um ponto fundamental na aferição da integridade. Estamos perante o mesmo conteúdo digital, essa é a metodologia universal utilizada”, concluiu o inspetor.

Os 23 terabytes de informação são “caixa de Pandora”

O inspetor comparou ainda a informação nos discos de Rui Pinto a uma “caixa de Pandora”, contendo mais de 150 caixas de correio eletrónico. Entre essas estavam presentes os endereços de altos nomes da magistratura, como a ex-procuradora-geral Joana Marques Vidal, mas também de Maria José Morgado, Amadeu Correia e Adriano Cunha, sublinhou.

“Estão aqui emails de altos cargos da magistratura, que permitiam explicar alguns factos que estão em investigação noutros inquéritos”, realçou o inspetor, sublinhando: “Isto era um bocadinho a ‘caixa de Pandora'”.

José Amador contou que, entre os 12 discos apreendidos a Rui Pinto, nove estavam encriptados, num total de 23 terabytes de informação, nos quais os discos RP3 e RP9 se afirmaram como relevantes.

“Estamos a falar de 23 terabytes de informação. É qualquer coisa de fantástico, um volume muito grande de informação. Estamos a falar dos 12 discos, a capacidade flutuava entre um e quatro terabytes. Para análise, relevaram essencialmente dois discos, o RP3 e o RP9, porque tinham os sistemas de ficheiros abertos e possuíam informação relevante”, explicou.

Se o disco RP3 – que continha igualmente documentação relacionada com a investigação sobre o caso de Tancos -, “tem tanto que se lhe diga que merecerá uma abordagem isolada”, o RP9 apresentava a particularidade de ter “a esmagadora maioria dos ficheiros apagados”, tendo sido detetados em perícias forenses.

“Quando se utilizam ferramentas forenses, dá para conseguir verificar a presença de outros ficheiros”, frisou, acrescentando: “Todos os ficheiros são recuperáveis. Qualquer ferramenta forense consegue detetar a presença dos ficheiros e dos metadados”.

Já o computador apreendido a Rui Pinto acabou por “não se revelar de particular interesse”, com José Amador a considerar que não era a máquina “que fazia arrancar o RP3”, numa altura em que o Luanda Leaks, “à data, não existia”.

A juíza Margarida Alves, que lidera o coletivo de juízes, voltou a confrontar a testemunha com a possibilidade de manipulação, por parte das autoridades francesas e húngaras, dos ficheiros presentes nos discos apreendidos, mas o inspetor reiterou não ter existido.

“O resumo digital é igual. O procedimento que tivemos de fazer foi implicar o investimento num adaptador que a PJ não tinha. O relatório começa por anotar os dados, o utilizador e o número de série da máquina. Tudo fica devidamente registado“, explicou, denotando a existência de três datas nos metadados dos ficheiros – de criação, de modificação e de último acesso – e que em nenhum deles foi verificado a existência de uma data posterior à apreensão.

A inquirição ao inspetor da PJ, que teve início na quarta sessão, prossegue esta quarta-feira, pelas 09h30.

Rui Pinto, de 31 anos, responde por um total de 90 crimes: 68 de acesso indevido, por 14 de violação de correspondência e por seis de acesso ilegítimo, visando entidades como o Sporting, a Doyen, a sociedade de advogados PLMJ, a Federação Portuguesa de Futebol e a Procuradoria-Geral da República, e ainda por sabotagem informática à SAD do Sporting e por extorsão, na forma tentada. Este último crime diz respeito à Doyen e levou também à pronúncia do advogado Aníbal Pinto, então representante de Rui Pinto.

O criador do Football Leaks encontra-se em liberdade desde 7 de agosto, “devido à sua colaboração” com a Polícia Judiciária (PJ) e o seu “sentido crítico”, mas está, por questões de segurança, inserido no programa de proteção de testemunhas em local não revelado e sob proteção policial.

ZAP // Lusa

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