A petição contra a construção do museu sobre Salazar abriu, esta quarta-feira, um debate aceso e emotivo, no Parlamento, contra a ideia de tornar Santa Comba Dão, Viseu, “numa romaria de Fátima” para lembrar o ditador.
A discussão na comissão parlamentar de Cultura prolongou-se por quase uma hora e teve como ponto de partida a petição da União de Resistentes Antifascistas Portugueses (URAP), com mais de 11 mil assinaturas, contra a construção do museu em Santa Comba Dão, Viseu, que uniu os deputados mais à esquerda.
José Sucena, um dos subscritores, editor do escritor comunista e Nobel da Literatura José Saramago (1922-2010), questionou os projetos dos autarcas da região de querer estudar o fascismo na terra onde nasceu António de Oliveira Salazar (1889-1970).
“Querem estudar a História do fascismo. Onde? Em Santa Comba Dão. Ó senhor deputado, é mesmo não querer ver”, respondeu José Sucena ao deputado do PS eleito por Viseu, José Rui Cruz, único a defender abertamente o projeto de construir o centro interpretativo.
“Venha quem estude a memória, mas não se aproveite o estudo da memória para fazerem de Santa Comba Dão uma romaria de Fátima, com o devido respeito pelos católicos”, afirmou.
Antes, o deputado socialista sublinhou que o centro projetado não é um museu e que o objetivo é estudar a história do Estado Novo, o que pode ser também uma “homenagem às vítimas”. E recusou a ideia de que venha a ser sinónimo de “uma romaria” de saudosistas de Salazar.
Da parte do PSD, Paulo Rios de Oliveira alertou que “a memória é importante”, “a boa e a má”, e que ambas “devem ser lembradas” e admitiu que os sociais-democratas não se reveem no projeto “se for para enaltecer o saudosismo”.
A presidente da comissão, Ana Paula Vitorino, também do PS, confessou-se estupefacta com “o andamento da audição” e, no final, afirmou apoiar as pretensões da petição, sublinhando que quando visitou a Alemanha não viu qualquer “museu ou centro interpretativo público” sobre o nazismo.
Na apresentação da petição, António Vilariques, outro dos subscritores, defendeu que se estude o Estado Novo, mas nas universidades, para que se conheça o que foi o salazarismo, período em que viveu na clandestinidade e a filha só soube o verdadeiro nome do pai depois do golpe dos capitães que devolveu a democracia ao país.
Na audição, outro subscritor, José Pedro Soares, preso político libertado no dia seguinte ao 25 de Abril, emocionou-se quando fez a defesa da petição e disse que se for construído o museu será “não respeitar a luta democrática dos portugueses”. E criticou a Câmara de Santa Comba por usar-se “de um ditador para promover o concelho”.
Pelo PCP, Ana Mesquita manifestou-se contra o projeto em Santa Comba Dão, afirmando que “a sacralização de objetos de um ditador fascista não é higienizável, não é inócua”. Porque “ali não está o povo, não estão os torturados, ali apenas está o ditador”, argumentou.
Alexandra Vieira, do BE, também apoia a petição e afirmou que, “em sociedade plurais e democráticas, não há razão para temer o debate sobre o que se escolhe manter do passado na memória coletiva”, mas deixou um aviso.
É defensável um “consenso possível” em que cabe “o enaltecimento das liberdades, da justiça, da democracia e o combate às ideias fascizantes”, afirmou.
As petições, iniciativa de cidadãos, não são votadas na Assembleia da República, mas os partidos podem associar ao debate projetos de resolução ou de lei.
António Oliveira Salazar, que governou Portugal durante 40 anos, de 1936 a 1968, nasceu no Vimieiro, uma freguesia do concelho de Santa Comba Dão, mas a criação de um espaço dedicado àquele período da história portuguesa não tem sido pacífica ao longo dos anos.
// Lusa